Onde o Brasil se posiciona em um mundo menos globalizado e mais geopolítico?

03 de dezembro de 2025

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No contexto da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), o Brasil abriu as portas para um mundo em metamorfose, no qual a globalização intensiva já não é mais a palavra de ordem — desse processo de integração mundial, restam apenas as imagens refletidas no espelho retrovisor. Caminhamos aceleradamente para um mundo menos disposto aos debates ambiental e de governança, mas que volta total atenção e recursos para o ESG 2.0: a própria economia, a segurança e a geopolítica. Essa é a leitura de Marcos Troyjo, economista, cientista político e diplomata.

Há alguns reflexos bastante altivos disso no planeta. Um deles é o fenômeno que Troyjo batizou de “trumpulência” — uma combinação de turbulência, opulência e incoerência que molda a política econômica norte-americana e, por consequência, altera o comportamento das empresas, dos fluxos globais de capital e das cadeias produtivas, o economista advertiu, durante palestra na última reunião plenária deste ano das diretorias da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo (Cecomercio), realizada na última segunda-feira (1º), no Sesc Vila Mariana.

A questão é que nenhum país no mundo conta com tantas empresas transnacionais como os Estados Unidos, companhias que passaram a última década investindo na sua independência em relação à China. “Se, de repente, por causa das novas políticas comerciais de Trump, essas empresas precisarem remontar todas as cadeias produtivas verticalmente nos Estados Unidos, precisarão pegar uma força de trabalho no limite do pleno emprego e que não quer mais fabricar calças e tênis. Eu acredito que não vai dar certo. Será uma atitude mais maléfica do que benéfica à economia do país”, complementou.

Já do lado chinês, após cinco décadas de avanço mais íngreme no Produto Interno Bruto (PIB) do que nos salários, o fenômeno se inverteu de 2013 para cá, com as remunerações crescendo muito mais do que a economia. E sob a liderança de Xi Jinping, um país historicamente voltado para o exterior, agora, se concentra no mercado interno. “Em 2006, a relação entre exportação e importação era de 67%. Hoje, é de 35%. A China ainda é a maior nação comerciante do mundo, mas, comparativamente, o comércio internacional ficou menos importante para eles”, reforçou.

O efeito colateral dessa política se traduz em menos competitividade chinesa em itens de produção em que a remuneração da força de trabalho ainda é determinante — por exemplo, no comércio de calças, tênis e gorros. As grandes empresas estão movendo seus parques produtivos para Vietnã, Bangladesh, Índia, Marrocos, entre outros. Novamente, esteja Trump certo ou errado em sua política, a hipótese de que as grandes companhias dos Estados Unidos tenham de mover suas fábricas terá um impacto profundo no mundo, o diplomata salientou.

Do lado europeu, é fato que os países que formam o continente ainda são os mais ricos em seu conjunto, detendo ainda 60% do cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Mas quando se desloca o foco para as fontes de crescimento da economia mundial, 80% da expansão vêm dos emergentes. “Os europeus querem ter um pé nesse mundo com investimentos em infraestrutura, desenvolvimento sustentável e novas tecnologias, para além da fronteira da União Europeia. Mas não se trata apenas de uma questão econômica; é bastante geopolítica. Eles estão sendo ‘ensanduichados’ pela economia dos Estados Unidos e a da China, que totalizam algo em torno de US$ 50 trilhões”, ponderou.

Atenção a três grandes questões macropolíticas

Troyjo ainda salientou que, dos 193 países representados na Organização das Nações Unidas (ONU), há uma característica em comum em 184 deles: a queda da natalidade e a redução populacional nos próximos 25 anos — na Europa, na América Latina, nos Tigres Asiáticos, na Rússia, entre outros. Somente em nove haverá um aumento brutal de pessoas no próximo quarto de século, o que fará a população mundial saltar dos 8 bilhões para 10 bilhões até 2050.  

Soma-se a esse dado demográfico a segunda questão macro geopolítica: o próximo grande impulso de crescimento global não virá do G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos), mas das sete maiores economias emergentes do mundo, como China, Índia e Indonésia. Com os países pobres e suas baixas rendas per capita crescendo absurdamente, haverá mais consumo de comida e de energia. Como consequência, isso acarretará o deslocamento estrutural no mapa da demanda por água, por alimento, por insumos energéticos e minerais críticos ao século 21.  

O terceiro efeito macropolítico são os vetores da nova economia — robótica, Inteligência Artificial (IA), química fina (de alto valor agregado) e computação quântica. Novamente, isso aponta para uma demanda abundante por água, energia e minerais críticos. Toda a economia deste século vai depender disso. E o Brasil assume uma posição altamente estratégica.

Primeiro, na alimentação. “Quando olhamos para os grandes produtores de alimentos no mundo, só o Brasil tem teto retrátil para produção sustentável, com ‘rios voadores’ que dão a noção de circularidade à nossa economia”, ponderou. “Em 2001, em valores presentes, o comércio bilateral Brasil–China girava em torno de US$ 1 bilhão por ano. Hoje, é de US$ 1 bilhão a cada 50 horas. Pense em 1,5 bilhão de indianos; nos quase 300 milhões de indonésios com mais recursos para consumir; na China, que continuará a crescer. Além dos Estados Unidos e da Europa, que também necessitam de segurança alimentar. Esse é um dado geopolítico da maior importância para nós, brasileiros”, acrescentou Troyjo.  

Em seguida, os minerais críticos. “Não importa qualquer compêndio que se faça sobre onde se encontram, geograficamente, as reservas de terras raras e minerais críticos, sempre em primeiro lugar aparece a China. O Brasil, em segundo, com reservas conhecidas que representam um montante maior do que a soma dos outros seis países subsequentes que dispõem dessas terras fundamentais para este século”, frisou o economista. E acrescentou: “A questão fundamental a partir disso é em que medida conseguimos fazer essa leitura e desenhar as estratégias corretas para que — por meio dessas características de um mundo que precisa de mais seguranças alimentar e energética e de minerais críticos — transformemos a nossa economia, fazendo do Brasil um dos países mais dinâmicos do século 21”, questionou.  

De acordo com Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP, as pessoas estão habituadas a um mundo onde a interdependência moldou a forma de produzir, consumir e competir. Contudo, isso vem se transformando rapidamente em um ambiente que está cada vez mais marcado por fortes disputas tecnológica e comercial, com crises simultâneas — política, econômica, jurídica e climática. 

“Essa interdependência está sendo pressionada pela geopolítica, inserindo a economia mundial em uma espécie de ‘Guerra Fria 2.0’, com fortes disputas tecnológica e comercial, além do avanço do protecionismo norte-americano e do enfraquecimento de organismos multilaterais. Diante de tudo isso, o Brasil tem vantagens estratégicas: matriz energética limpa, biodiversidade, forte base agroindustrial e um grande mercado consumidor. Por outro lado, amargamos carências que limitam o nosso alcance, como insegurança jurídica, burocracia, baixa produtividade e desigualdades. É o nosso paradoxo”, concluiu.

Redação PB
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