O governo federal anunciou recentemente mudanças no arcabouço fiscal, alterando as metas de superávit primário para 2025 — de 0,5 % do Produto Interno Bruto (PIB) para 0,0% — e 2026 (de 1% para 0,25%). Quatro pontos chamam a atenção nessa decisão. Primeiro, embora o mercado já esperasse alguma mudança, a alteração superou as expectativas. Além disso, o anúncio foi feito num momento de grande turbulência internacional diante das incertezas sobre a política monetária do FED, o banco central dos Estados Unidos, e da evolução do conflito no Oriente Médio. A mudança, ainda, chega apenas oito meses após a aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso, o que desmoraliza totalmente a credibilidade da nova regra. Por fim, a mudança demonstra claramente que não há qualquer preocupação em reduzir gastos, ao contrário.
Os impactos sobre a economia foram imediatos. Os juros de longo prazo subiram, fazendo a taxa dos títulos públicos NTN-B ultrapassar a casa dos 6% (mais IPCA). Em 20 dias, o risco-país de cinco anos, medido pelo Credit Default Swap (CDS), subiu 20% e o câmbio se desvalorizou. Tudo isso limita a possibilidade de o Banco Central promover corte de juros mais expressivos. Esse cenário afetou as expectativas quanto à Selic ao fim do ciclo de redução dos juros, diante do mercado trabalhando com taxas próximas a 10% ao fim de 2024 contra os 9% esperados anteriormente.
É importante destacar, ainda, outros pontos que mostram uma tendência de deterioração do quadro fiscal. Há pouco tempo, a Câmara aprovou um projeto que altera o arcabouço fiscal para antecipar uma liberação de gasto extra de cerca de R$ 15 bilhões para este ano, incremento que eleva a despesa federal também nos próximos anos. Os gastos com Previdência estão subestimados no orçamento de 2024, com projeção do governo de R$ 914,2 bilhões — ao passo que várias instituições preveem R$ 923,5 bilhões. As despesas com Benefício de Prestação Continuada (BCP) mostram uma expansão real de 16,5%, no primeiro bimestre do ano, em relação ao mesmo período de 2023. Além disso, a elevação do salário mínimo para R$ 1.502 vai gerar um aumento de despesas de R$ 36 bilhões no próximo ano.
Enquanto a FecomercioSP pleiteia redução nas despesas públicas como forma de obter um ajuste fiscal, o que se verifica é exatamente o oposto, além de tentativas de minimizar a gravidade do quadro fiscal, como ocorreu na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu excluir o excedente do precatório do cálculo da meta fiscal em 2025, o que representa 0,23% do PIB. Ora, se entra no cálculo ou não, a realidade é que o gasto ocorre e vai impactar a trajetória da dívida.
Ao mesmo tempo que o governo não mostra qualquer disposição de cortar despesas, o seu foco está totalmente voltado a aumentar a arrecadação, o que também não tem conseguido da forma como desejava em razão das derrotas no Congresso. Ainda, não conseguiu eliminar a desoneração da folha ou cortar os benefícios concedidos no Programa Emergencial de Recuperação do Setor de Eventos (Perse). Além disso, a receita oriunda da tributação das offshores pode ser inferior à esperada.
Como se percebe, a situação fiscal brasileira está longe de ser considerada confortável. Sem uma política fiscal consistente que permita, ainda que gradualmente, reduzir a relação entre a dívida e o PIB, será impossível retomar o crescimento econômico em bases sustentáveis. Enquanto se critica a taxa de juros no Brasil, esquece-se que há uma relação direta entre o gasto público e a Selic. Politicas fiscais adequadas, com corte de despesas, viabilizariam automaticamente taxas de juros menores e compatíveis com as vigentes em outras economias do mundo.
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