O século 19 foi marcado por muitas metamorfoses políticas e sociais que foram responsáveis por uma nova identidade ao mundo ocidental, quando o desenvolvimento da ciência e os intercâmbios culturais tiveram um papel de peso na criação de redes de sociabilidade que uniram países e continentes. Nesse sentido, a atuação do imperador Dom Pedro II foi fundamental para a definição de uma nacionalidade brasileira em diálogo com as diferentes culturas e com o mundo de então.
Pedro II é conhecido como “o imperador viajante”, uma vez que empreendeu três longas viagens internacionais — algo incomum naquela época — e várias expedições dentro do próprio território brasileiro. Desde a sua primeira passagem pela França, em 1871, fez questão de formar uma rede de contatos com escritores, poetas, artistas e cientistas franceses, mantida por uma intensa troca epistolar entre o monarca e os seus correspondentes. Havia um pouco de tudo: cartas, fotografias, livros, revistas, autógrafos e outros materiais.
Como era natural naquele contexto, a cultura francesa foi a base da formação humanística do imperador brasileiro que, além do francês, falava e compreendia outros 16 idiomas. Duas foram as áreas de interesse de Pedro II em relação à França: ciência e literatura, e a prova dessa afirmação pode ser encontrada na robusta correspondência com seus destinatários franceses.
No campo científico, foi amigo pessoal de Ernest Renan, Adolphe Franck, Jean de Quatrefages, François Guizot, Gabriel Daubrée, Camille Flammarion, Henri Gorceix e, com um especial destaque, Louis Pasteur — a propósito, Dom Pedro II foi um dos principais doadores que contribuíram para a criação do instituto que leva o nome do cientista.
Quanto aos seus contatos literários, destacam-se Victor Hugo, Ferdinand Denis, George Sand, Sully Prudhomme, Maxime du Camp, Alphonse Lamartine, Alexandre Dumas (filho), Stéphen Liégeard e Chateaubriand. Com esses escritores, Pedro II não trocou apenas inúmeras cartas, mas também textos literários, especialmente poesias de brasileiros traduzidas para o francês, a fim de serem publicadas na imprensa francesa. E também recebeu textos franceses que foram traduzidos para o português e divulgados na imprensa brasileira.
Outro destaque era a importância que dava à arte da fotografia, uma criação do século 19, levando em sua comitiva um fotógrafo oficial que registrava os espaços por onde o chefe de Estado do Brasil passava. Assim, há uma imensa coleção de imagens da França, principalmente de Paris, que registram o olhar do governante sobre lugares e pessoas que conheceu.
No próximo ano, acontecerão as celebrações de dois importantes bicentenários: o do nascimento de Dom Pedro II e também o das relações diplomáticas entre França e Brasil. Guardando as devidas proporções e considerações, acredito que a França é o país que mais marcou a cultura brasileira, bem como também se deixou marcar pelo Brasil, já que atualmente defende-se a ideia de trânsito cultural, sem hierarquias de valores no que diz respeito aos intercâmbios e contatos entre as culturas.
Assim, é impossível falar das relações culturais, científicas e diplomáticas entre ambos os países, ao longo do século 19, sem citar a pessoa e as ações concretas de Dom Pedro II, o governante brasileiro que amou a França e escolheu o solo francês para viver os seus últimos dias — e também para o seu repouso eterno.
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