A controvérsia recente envolvendo o possível boicote de 25 países à COP30, sob alegação de altos custos de hospedagem em Belém, revela um problema de superfície – e muitos de fundo. É inegável que há preconceito estrutural em relação ao Norte do Brasil, frequentemente tratado com exotismo ou desdém por parte de elites políticas, econômicas e midiáticas. No entanto, reduzir a crise atual a uma manifestação discriminatória é deixar de reconhecer aquilo que verdadeiramente está em jogo: uma combinação perigosa de desinformação, ausência de planejamento e, sobretudo, de comunicação estratégica.
Desde que Belém foi confirmada como cidade-sede da próxima Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas, em 2025, o que se esperava era um processo de mobilização institucional à altura da responsabilidade que esse evento carrega. Afinal, a COP30 não será apenas a primeira realizada na Amazônia – será também a maior desde o Acordo de Paris, a mais simbólica diante das ameaças de retrocesso climático e democrático no cenário internacional, e, potencialmente, a mais diversa, por reunir atores de territórios historicamente excluídos das grandes decisões globais. Ou deveria sê-lo.
Entretanto, não houve, até aqui, uma construção coletiva de entendimento sobre o que significa receber um evento como a COP. Moradores, comerciantes, redes hoteleiras e empreendedores locais não foram adequadamente letrados sobre o escopo, os objetivos e a composição plural do evento. Faltou um esforço articulado de comunicação para explicar que a COP não é uma feira internacional nem um megaevento de turismo, mas sim um espaço de negociação política, diplomática e técnica de alta complexidade. O que se instaurou, em seu lugar, foi uma lógica imediatista e inflamada sobre como aproveitar financeiramente a “oportunidade única” que se avizinhava — muitas vezes descolada de qualquer senso de hospitalidade, colaboração ou legado.
A cobertura da imprensa, por sua vez, majoritariamente se concentrou em narrativas de escassez e tensão: a falta de leitos, os preços abusivos, o suposto despreparo logístico da cidade. Perdeu-se, em boa parte das análises, a chance de contextualizar a COP30 como um evento geopolítico decisivo. Em um momento de acirramento ideológico global e de ameaça de retorno de líderes negacionistas ao poder, como Donald Trump, o Brasil tem em mãos a oportunidade de reafirmar seu papel como articulador multilateral e defensor da justiça climática. Essa é uma dimensão que carece de holofotes, mas que deveria pautar a imprensa e sensibilizar a sociedade.
Do ponto de vista do poder público, a lacuna é ainda mais evidente. Governos federal, estadual e municipal deveriam ter trabalhado desde 2023 em soluções estruturais para o acolhimento de delegações diversas, especialmente aquelas de países ou comunidades com baixa capacidade financeira. A experiência de outros megaeventos, como as Olimpíadas, demonstra que alojamentos temporários podem ser construídos com destinação posterior para habitação social — gerando infraestrutura duradoura. Ao invés disso, optou-se, tardiamente, por alternativas emergenciais como navios de cruzeiro, que simbolizam não apenas improviso, mas também desconexão com a realidade amazônica.
As empresas, em muitos casos, repetem padrões pouco sensíveis ao território. Executivos hospedados em mansões de alto padrão, equipes inteiras deslocadas sem qualquer interação com mão de obra local, iniciativas de visibilidade com pouco ou nenhum impacto social no entorno. Perde-se aí a chance de articular branding e responsabilidade, posicionamento e pertencimento. Afinal, a presença na COP30 deveria ser acompanhada de compromissos concretos com a formação de profissionais amazônidas, com a contratação de fornecedores locais e com o investimento em estruturas que permaneçam no território.
Em síntese, o que se vê é um vácuo de comunicação estruturante. Uma COP não se realiza com pautas publicitárias isoladas, e sim com diálogo, escuta ativa, engajamento comunitário e educação climática. A comunicação, quando bem aplicada, é vetor de pertencimento, de acolhimento e de ativação de inteligências coletivas. Mais do que informar, ela educa. Mais do que divulgar, ela mobiliza.
Ignorar essa dimensão é comprometer o próprio espírito da conferência. Ainda há tempo para corrigir rumos — mas isso exigirá muito mais do que improvisos ou notas de esclarecimento. Exigirá coragem para comunicar com verdade, consistência e estratégia.
* A Casa Balaio — parceira editorial da Revista Problemas Brasileiros (PB) — é um espaço de encontros, cultura e inovação, situado em um casarão histórico no centro de Belém, no Pará, entre o Theatro da Paz e a Basílica de Nazaré. Com salão principal e salas modulares anexas, foi criada pela Alter Conteúdo Relevante e pela Jambo Comunicação para conectar marcas, ideias e territórios — antes, durante e depois da COP30. Saiba mais em casabalaio.com.br.
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