No dia 2 de abril — ou seja, há apenas 28 dias —, foi o mundo surpreendido com o anúncio, pelo presidente de tarifas aduaneiras globais, sobre todas as importações de seu país, em porcentuais jamais vistos até então (até 185%), declarando: 1) um estado de emergência nacional baseado na legislação americana em função dos grandes e persistente déficits comerciais dos Estados Unidos, que contribuíram para a atrofia da capacidade de produção doméstica, especialmente da base industrial de defesa e manufatura do país, impactando a capacidade de exportação; e 2) a adoção de uma política de tarifas recíprocas para reequilíbrio dos fluxos comerciais globais, mediante um imposto ad valorem adicional e taxação adicional de 10%, além de previstas exceções quanto a aço, alumínio, automóveis e peças automotivas, bem como outros produtos já sujeitos nos Estados Unidos à tributação específica que relaciona.
Trump justifica a medida pelo predomínio da China no comércio mundial e seus reflexos danosos à economia americana, já constante de sua plataforma eleitoral (“Make América Great Again” — MAGA), citando ainda que não obstante na WTO/OMC (Organização Mundial do Comercio) todos seus integrantes tenham concordado em vincular as tarifa ao princípio da NMF (nações mais favorecidas), os Estados Unidos têm uma tarifa média de 3,3%, enquanto outros países as têm em porcentuais mais elevados, quais Brasil (11,2%), China (7,5%), União Europeia (5%), Índia (17%) e Vietnã (9,4%). Além disso, a tarifação das importações de veículos de passageiros com motor de combustão interna nos Estados Unidos é de 2,5%; na União Europeia, de 10%; na Índia, de 70%; e na China, de 15%, o mesmo acontecendo com as tarifas sobre etanol, arroz em casca e maçãs, alinhando ainda as distorções de mercado que reduzem o consumo doméstico e impulsionam exportações para os americanos, representando esse consumo, no país, 68% de seu PIB, sendo significantemente menor em países que alinha: Irlanda (27%), Singapura (31%), China (39%), Coreia do Sul (49%) e Alemanha (50%).
Gerou essa medida comoção geral nos meios financeiros de todos os países, mesmo aqueles quem sempre se mantiveram ao lado dos Estados Unidos, como os membros da União Europeia, levando a análise dessa medida batizá-la de Tarifaço, nela vendo mesmo uma declaração de guerra econômica mundial. Tenha-se presente que, no dia 9 de abril, Trump, tendo em conta a reação internacional, suspendeu temporariamente a maior parte de suas novas tarifas.
Não havendo um precedente histórico dessa magnitude, produziu reações dentro do próprio país — como o editorial de Thomas Friedman, “Por que nunca estive tão apavorado com o futuro dos Estados Unidos como agora” (para o The New York Times, o “Estadão internacional”) e de Fareed Zakaria (“Trump revives a 1930 mistake that hurt more than it helped”) —, apontando a semelhança do ato de Trump com o insucesso das Smoot-Hawley Tariffs, que visavam salvar a agricultura norte-americana (1930), dada a crise de 1929 com as agora destinadas a salvar as indústrias de lá.
Salvo a China, que elevou a taxação dos produtos americanos para 125%, havendo, no entanto, o seu presidente, Xi Jinping, dito que “não há vencedor em guerra tarifaria”, não houve reações oficiais de vários países e organismos internacionais (OECD, ICC, WTO/OMC, G20 etc.) e outros sobre a matéria, mas apenas entrevistas a diferentes órgãos da imprensa de alguns de seus dirigentes, expressando seu posicionamento pessoal, tendo a mesma União Europeia suspendido contramedidas face à suspensão temporária acima mencionada.
De se apontar que, dentro dos Estados Unidos, tem havido reações contra a tarifação em apreço, cabendo citar a Flórida (ação de uma ONG) e a Califórnia, onde um grupo de empresários ingressou em juízo no Tribunal do Comércio Internacional daquele país. Ademais, o governador da Califórnia anunciou que proporá na Justiça ação para suspender a aplicação das taxas alfandegárias, por não ter a medida o aval do Congresso americano.
O Financial Times, em visual story, “How China’s record trade surplus helped spark Trump’s tariff war” (9 de abril), alinha os prós e os contras da economia doméstica chinesa e a utilização do Vietnã como um modo de evitar a origem de seus produtos exportados ali, recebendo apenas uma camada de tinta a etiqueta “made in Vietnam”. Impõe-se, agora, recordar que, havendo o Brasil estabelecido relações diplomáticas com a China em 1974 (governo Geisel), vimos tendo no correr dos anos um influxo considerável de capitais chineses em nosso país — apresentando, hoje, nosso país com a China superávit em sua balança comercial, enquanto que, no que se refere aos Estados Unidos, a temos deficitária.
Destaque-se outrossim que, de acordo com a Apex Brasil, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a China se colocava, em fevereiro deste ano, como o nono maior investidor estrangeiro no País, vaticinando no entanto que, dado que as montadoras chinesas BYD e GWM iniciarão a fabricação de veículos elétricos e híbridos por aqui — em Camaçari (BA) e Iracemápolis (SP) —, a China passará a ocupar a quinta colocação, atrás apenas de Estados Unidos, Países Baixos, França e Espanha.
A China foi o principal destino das exportações brasileiras em 2020–2024, consolidando-se o Brasil como maior fornecedor de soja, carne bovina, celulose, açúcar e carne de aves, concentrado, ainda em commodities, soja, petróleo bruto e minério de ferro, que representam 75,6% do total das nossas exportações. Marcas da China como Alibaba Group e AlliExpress são as mais conhecidas no País, aqui existindo mais de cem grandes empresas chinesas. Considerações outras dizem respeito à condição do dólar como moeda internacional, vez que a supremacia comercial da China vem se imponto, abalando a sua cotação.
Também não se pode olvidar a visão internacional da geopolítica. Criado o termo por Rudolf Kjellén, em 1899, fixado principalmente em possessões territoriais, ampliou-se a sua utilização para designar o estudo das relações entre a geografia, a história, a política e a economia, analisando como essas forças influenciam nas relações internacionais e nas estratégias dos países, impactando também seu espaço geográfico e os recursos naturais nas decisões políticas e econômicas e relações de poder entre as nações. Reconhecida a liderança de um país, como hoje os Estados Unidos, a eventual pretensão da China de assumi-la deveria contar com o apoio de muitas outras nações, havendo o Estadão traduzido e publicado uma análise do The New York Times (17 de abril), sob o título “China quer que os países se unam contra Trump. Mas seriam os chineses um parceiro confiável?”.
Acrescente-se ainda que, ao que parece, não houve, na determinação de Trump, um viés ideológico (capitalismo versus comunismo), tanto mais que há autores especializados na matéria que repudiam mesmo a classificação da China como comunista, dada a sua supremacia no comércio e no investimento internacionais — o que, a nosso ver, tem levado Trump a entabolar conversações com Putin, da Rússia, que se vê relegado a segundo plano na globalização dos novos tempos.
Sob o ponto de vista do Direito internacional, tendo o Brasil firmado acordos comerciais disciplinados por organismos, quais a OMC, o Mercosul e a Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), que integra e estando ainda vinculado a 30 Acordos de Complementação Econômica (ACEs) multilaterais ou bilaterais, a sua conduta quanto às relações econômicas internacionais e à sua tarifação deverá a eles se subordinar.
A perplexidade inicial das nações, vem, ao que parece, mas não ainda oficialmente, a buscar soluções de negociação multi ou bilaterais com Trump, recomendando-se conhecimento e cuidado nas relações, dado o seu personalismo. Devendo o Brasil, por meio das suas representações, iniciar tratativas com o presidente Trump, a fim de amenizar o impacto das novas medidas comerciais, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em sua mais recente Análise de Conjuntura Internacional — intitulada “Como o Brasil deve lidar com Trump” —, destaca quatro pontos principais: a) uso inteligente de retaliações comerciais; b) diversificação de alianças internacionais; c) fortalecimento das relações com países asiáticos; e) propriedade intelectual como instrumento de barganha.
Conclusão
Fluida ainda se apresenta a conjuntura decorrente da inopinada iniciativa de Trump. Recentíssima, pois apenas 28 dias decorridos do seu anúncio, serve este documento apenas para dar um quadro geral das reações que suscitou.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.