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Inflação alta desafia política econômica

Antonio Lanzana
é copresidente do Conselho de Economia Empresarial e Política (CEEP) da FecomercioSP e professor na Universidade de São Paulo (USP) e na Fundação Dom Cabral (FDC).
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Antonio Lanzana
é copresidente do Conselho de Economia Empresarial e Política (CEEP) da FecomercioSP e professor na Universidade de São Paulo (USP) e na Fundação Dom Cabral (FDC).

Em 2024, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,4%, gerando impactos positivos sobre o mercado de trabalho, tanto em termos de geração de emprego — os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam a criação de 1,7 milhão de vagas com carteira assinada no ano passado — como de aumento real de salários, já que a massa real de rendimentos subiu 6%. Trata-se de um crescimento relevante, mas acompanhado de maiores pressões inflacionárias, o que expõe a dificuldade da economia brasileira em sustentar esse crescimento.

Na realidade, a inflação foi o ponto de atenção no desempenho da economia no último ano. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 4,83%, superando o teto da meta, de 4,5%. E as previsões do boletim Focus indicam que esse teto será novamente ultrapassado em 2025, com uma taxa ainda mais elevada, de 5,51%. Vale lembrar que, semanalmente, as expectativas dos agentes do mercado ouvidos pelo relatório vêm se deteriorando.  

Embora a aceleração do ritmo de aumento dos preços possa ser atribuída, em parte, às condições climáticas, a principal causa está associada ao excesso de demanda causado pela expansão dos gastos públicos. O crescimento do PIB acima de 3%, nos dois últimos anos, esgotou a capacidade ociosa que existia na economia. Esse cenário, associado aos baixos níveis de investimento e ampliação da demanda, “bateu”, de forma inevitável, nos preços.

Além da elevação de gastos já iniciada no governo anterior, a PEC da transição colocou o gasto público em patamar ainda mais elevado no ano passado — e a tendência seguiu expansionista. Alguns números reforçam esse argumento: as despesas com o Bolsa Família subiram 350% em termos reais, entre o início de 2022 e o fim de 2024. No mesmo período, precatórios subiram 153%. Essas transferências de renda impactam a demanda e, por consequência, o mercado de trabalho, amplificando os seus efeitos. É importante observar que os programas sociais de transferência de renda podem trazer reflexos positivos para a sociedade desde que estejam consistentes com a capacidade de pagamento do setor público. Caso contrário, geram mais inflação e afetam fortemente os segmentos de menor poder aquisitivo, exatamente aqueles a quem o programa procura beneficiar.

Dessa forma, como a política fiscal é expansionista, o Banco Central (BC), para cumprir a meta de inflação, tem de elevar fortemente as taxas de juros, até mesmo porque este acaba sendo o único instrumento de controle inflacionário. A elevação dos juros amplia o déficit nominal do setor público, pressionando perigosamente a relação entre a dívida e o PIB, que já se encontra perto de 80% — contra 71,7% no fim de 2022. Como consequência, o risco-país subiu de 132,5 pontos, em dezembro de 2023, para 205 pontos, no fim de 2024.

O que se observa, de fato, é uma inconsistência da política econômica, com as despesas públicas acelerando a demanda e o BC tentando reduzi-la.  A manutenção desse quadro pode levar a uma situação de “dominância fiscal”, na qual a política monetária perde efetividade na tarefa de controlar a inflação. Elevar a taxa básica de juros passa a ser insuficiente nesse combate, servindo apenas para pressionar a dívida pública.

O resultado pode ser um quadro de estagflação, quadro que une inflação em alta e atividade econômica em retração. Na realidade, o grande impasse da política econômica do governo é mudar o seu “mix”, com a adoção de uma política fiscal contracionista — que, de fato, reduza os gastos públicos —, o que permitiria cortes nos juros, apreciação cambial e um controle menos custoso da inflação. A visão de que “gasto é vida” é totalmente inapropriada, principalmente nessas circunstâncias. A resistência da ala política do governo em reduzir os custos, se mantida, vai impor um elevado dispêndio à sociedade brasileira.

ESTE ARTIGO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #485 (MAR/ABR) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA, DISPONÍVEL NA PLATAFORMA BANCAH.

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