Uma análise da política econômica do Brasil mostra um nítido conflito entre as áreas Fiscal e Monetária. A contínua expansão dos gastos públicos tem gerado uma pressão de demanda sobre a economia brasileira, obrigando o Banco Central (BC) a elevar significativamente os juros. A taxa real da Selic está em mais de 9% ao ano e a remuneração dos papéis NTN-B, aqueles indexados pela inflação, em 7,5%, somados ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). São taxas inadmissíveis para rolar uma dívida elevada por um prazo longo.
Como consequência desse quadro, o déficit público nominal, que inclui juros, atingiu 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB) — o segundo maior déficit do mundo, atrás apenas da Bolívia —, o que contamina a relação entre a dívida e o PIB, que encerrou 2024 em 76,1%. A média nos países emergentes situa-se próxima de 50%. Basta observar que as despesas com juros aumentaram 25% ao ano no atual governo.
Na medida em que a pressão de demanda esgota a capacidade ociosa que existia na economia, e o potencial de crescimento da oferta é limitado pela reduzida taxa de investimento (17% do PIB em 2024) e pela produtividade estagnada, as pressões inflacionárias são inevitáveis. As projeções para a inflação, em 2025, começam a convergir para quase 6%, quando o centro da meta é de 3%, e seu teto, 4,5%. Assim, deterioram-se também, a cada semana, as estimativas para 2026, como mostra o boletim Focus, do BC. Na realidade, a literatura econômica mostra que países com um setor público altamente endividado apresentam fragilidade fiscal incompatível com metas de inflação muito baixas.
Há uma relação clara entre gastos públicos e taxa de juros. Nos dois últimos anos, o gasto primário do governo central, que soma as contas da União, da Previdência e do BC, cresceu, em termos reais, 6% ao ano, com uma taxa real média de juros de 7,4%. Como comparação, quando o gasto crescia anualmente 0,8%, a taxa real de juros era de 2,4%.
O modelo atual apresenta um quadro de desequilíbrio estrutural insustentável ao longo do tempo. Estamos caminhando para uma situação grave de evolução da relação entre dívida e PIB, que certamente vai passar de 80% no fim do atual governo. Enquanto isso, assistimos a discussões sobre se a meta de zerar o saldo primário em 2025 — com intervalo de 0,25% para cima ou para baixo — será cumprida. Na realidade, as análises deveriam focar em superávits primários da ordem de 2,5% a 3% do PIB para que fosse viável reduzir os juros e estabilizar a evolução da dívida.
A julgar pelas medidas anunciadas recentemente — uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), crédito consignado privado e medidas parafiscais —, fica claro que, ao contrário de promover um ajuste fiscal, o governo pretende recuperar a popularidade por meio do estímulo à demanda. Em outras palavras, está disposto a dobrar a aposta, o que significa dizer que continuaremos a conviver com taxas reais de juros absurdamente elevadas ao longo deste (e do próximo) ano.
Como o arcabouço fiscal mostrou-se ineficaz como solução para equilibrar as contas públicas, certamente terá de ser substituído por outro mecanismo. E está cada vez mais claro que a tarefa de lidar com a questão fiscal ficará para o próximo governo — seja qual for.
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