Artigo

O poder esvaziado de si mesmo

Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP
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Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP

Em uma conjuntura política esvaziada de espírito crítico e cheia da impiedade de engajados, o melhor a fazer é parar para pensar a fim de não aprisionar o discernimento. As circunstâncias humanas, quando comparecem perante o tribunal de valores, melhor seriam se encontrassem pela frente quem considera virtude aprender antes de fazer, pois moderação e prudência valem mais do que inteligência e destemor. Política e justiça no nosso país distribuem a filhos brinquedos superiores à contrariedade que provocam.  

Não temos uma nação de gênios, mas de contratos, de aparição que confere ao que vê as dimensões particulares dos interesses de cada um. Uma cegueira que conduz tudo à assimilação de opiniões “sim/não” como valor de julgamento eterno. Autoritário é quem nos tira do silêncio e nos obriga a dizer o que pensamos. Destruir um poder, ou defender um poder, virou uma quimera abstrata que perpetua todos os crimes. A falta de estudo da gênese desse além do lugar em que vivemos, dessa fúria devoradora que nos domina, nunca nos levará à elevação da cultura democrática, mergulhados na divergência que nos obriga a um plebiscito todos os dias.

Ninguém realiza coisas boas sem condições de compreender a origem das coisas más. O bem não é fácil de discernir em uma época de tudo artificial e na  qual a direção a princípios é o excesso de confusão que permite a tanta gente prosperar sem mérito. A noção de bem comum regrediu a um simplismo absoluto: a verdade é o que satisfaz às necessidades materiais dos que as necessitam, por carência total ou excesso insuficiente — ou dos que se calam diante das pressões circunstanciais das conjunturas política e eleitoral. Não se forma uma nação com tal conceito de bem comum. Tampouco com o desconhecimento do que seja o bem perfeito e autossuficiente para quem dá duro, trabalha, paga impostos, sobrevive à violência e nada sabe de privilégios do poder, nem está disposto a copiar a conduta dos que produzem tais infortúnios ao País.  

Mesmo com o alerta de mais de 2 mil anos de que ninguém deve entrar em processo contra os poderosos para que não venha a cair em suas mãos — premonição bíblica desrespeitada por inúmeras autoridades no exercício dos seus poderes transitórios —, o vaivém da política brasileira provoca amnésia em muitos. O que os faz achar inéditas as decisões da Procuradoria-Geral da República (PGR), que, de tempos em tempos, informam aos membros do Supremo Tribunal Federal (STF) de que chegaram a uma opinião desfavorável a alguém que perdeu o poder? Uma sequência de culpados, recursos, embargos, penalizados, encarcerados e absolvidos fará parte do caleidoscópio de entrevistas e painéis enfadonhos ou agitados, colocando, de lados opostos, não duas verdades, mas dois slogans: Defesa da Democracia × Perseguição Política. 

A vida é uma dádiva declinante e ninguém poderá ser considerado feliz enquanto não chegar ao fim da sua travessia por ela. Assim é com os seres humanos que não são autoridades públicas. Para a justiça e a política, que cada vez mais deliberam sobre coisas incertas, é impossível prever o fim dessa figura de país fictício que estamos construindo, como improvisados navegadores que seguem por rotas sem olhar os astros e a bússola. 

Para a maioria do nosso povo, que se vira sozinho na imensidão do mar de interesses que nos meteu a política e a justiça, o crescimento baixo, a comida cara e a violência barata continuarão as mesmas. E não serão apaziguadas com mais um espetáculo fervoroso que colheu uns (ontem) e outros (hoje), pois nunca esteve (ou está) onde se proclama estar.

ESTE ARTIGO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #486 (MAI/JUN) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA, DISPONÍVEL AQUI.

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