Raras vezes na história uma eleição presidencial em outro país teve uma importância tão grande para a política brasileira quanto a decisão dos norte-americanos que vão às urnas nesta terça-feira (3), para decidir se mantêm Donald Trump no poder ou elegem o democrata Joe Biden.
A admiração do presidente Jair Bolsonaro e de Ernesto Araújo, seu ministro das Relações Exteriores, por Trump – e sua torcida declarada por mais quatro anos da permanência dele no poder, bem como o aviso de Biden de que terá uma postura diferente em relação à necessidade de o Brasil proteger a Amazônia – tornam a decisão nos Estados Unidos tema fundamental para o governo brasileiro. Uma reeleição de Trump pode ajudar Bolsonaro, enquanto uma vitória de Biden pode tornar os próximos anos difíceis para o governo.
Apesar de ser uma eleição fundamental para aquele país, a população brasileira não tem voz nesta escolha, não vota nos Estados Unidos e acaba ficando praticamente refém de uma decisão tomada pelos cidadãos lá residentes. É uma situação delicada, de dependência, que deixa o País impotente diante de um cenário doméstico e interno de outra nação.
Enquanto o Brasil assiste, tenso, aos norte-americanos fazerem sua escolha, poderia aproveitar o momento de vulnerabilidade para mudar a postura internacional, tornando-se menos dependente do que os cidadãos de outros países decidem. Uma política externa mais autônoma e variada poderia permitir que o País assistisse a uma eleição polarizada como a que acontece nos Estados Unidos sem se preocupar com o que ela significa para a política brasileira.
Independentemente de qual seja o resultado das eleições nos Estados Unidos, o futuro com Trump ou Biden poderia ser diferente do que se espera com ansiedade neste momento. O foco central do Brasil deveria ser trabalhar para desenvolver uma relação mais saudável, diplomática, profissional e institucionalizada com o país norte-americano e o resto do mundo – sem declarações de apoio a líderes ou partidos específicos e sem criar tensão com potenciais futuros governantes. Além disso, pode ser saudável também ampliar o leque de alianças.
O momento serve ainda para o Brasil repensar a sua proposta de política externa. Sob Bolsonaro, o País abandonou a aposta que há décadas fazia no multilateralismo e em uma diversificação que permitia ficar menos dependente de parcerias isoladas. O atual governo parece ter “apostado todas as fichas” na relação com Trump, criando arestas com governos de países da Europa, da China, da Argentina, da Venezuela e, agora, até da Bolívia. Mais um motivo para a preocupação com a reeleição do principal parceiro de Bolsonaro.
Em vez desse isolamento, um fortalecimento de laços com outros países poderia deixar o Brasil menos vulnerável a uma mudança no rumo da política norte-americana.
Não se trata de romper relações ou de assumir uma postura contrária à norte-americana. Os Estados Unidos sempre foram (e continuarão sendo) um parceiro fundamental, uma referência para as relações do Brasil. No entanto, essa não deveria ser a única base da conexão do País com o mundo.
Este tom diferente já aconteceu no passado. Sob os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil apostou numa busca pela autonomia, abrindo-se ao mundo e buscando uma diversificação das relações nacionais. A aposta deu resultados positivos em termos de inserção internacional, assim como do aumento de relações diplomáticas ou comerciais. E o País esteve menos dependente dos Estados Unidos, ainda que sempre estivesse próximo.
Ao contrário de achar que pode ser bom ser um pária, como declarou recentemente Araújo, o Brasil precisa perceber que só consegue ter esta postura atualmente por causa do apoio que ainda recebe do governo norte-americano, de quem depende. O preço a ser pago pelo País caso ele se torne, de fato, um pária sem apoio do presidente da maior potência do mundo vai ser o isolamento, a perda de parcerias comerciais e a imposição de barreiras para o próprio desenvolvimento. Seria mais saudável manter uma relação equilibrada com o mundo todo para não depender tanto da torcida pelo que vão decidir os eleitores de uma outra nação, que vota desinteressada em relação aos interesses do Brasil.
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