Para as pessoas que estão distantes dos grandes centros turísticos, como é o caso dos brasileiros, pode ser impensável imaginar destinos onde os visitantes sejam, de certa forma, encarados como personae non gratae, vistos como indesejados pelos moradores da região. Esse fenômeno é conhecido como overtourism. Conceitualmente, o termo não se refere apenas ao excesso de turistas ou à superlotação de ruas, que dificulta o ir e vir dos habitantes locais, mas também aos seus impactos econômicos, ambientais e culturais.
Com a alta demanda, há um foco crescente nos investimentos imobiliários, seja para novos empreendimentos residenciais, seja para meios de hospedagem, seja para adaptação de imóveis existentes destinados a locações de temporada. Esse movimento pressiona os preços, inflacionando o mercado, encarecendo o custo de moradia e, de certa forma, “expulsando” os moradores para áreas periféricas, uma vez que não conseguem arcar com os preços elevados — não apenas da habitação, mas do custo de vida em geral.
No aspecto ambiental, é importante destacar que muitas cidades que enfrentam o processo de overtourism não foram planejadas para receber um número tão elevado de visitantes. Isso contribui para aumento da produção de lixo, maior emissão de carbono e redução de áreas verdes (em geral, de forma desorganizada), além de afetar o clima local e a vida animal. O reflexo cultural, por sua vez, refere-se ao potencial de perda da identidade, com riscos ao patrimônio local e aos traços arquitetônicos, bem como uma transformação do comércio da região, uma vez que grandes investidores frequentemente adquirem imóveis, promovendo uma tendência mais comercial, nem sempre alinhada com as características regionais.
Os casos mais emblemáticos de overtourism incluem cidades como Barcelona, Amsterdã e Veneza. Mas engana-se quem pensa que esse fenômeno ocorre apenas em países ricos. Destinos como Bali, na Indonésia, e Machu Picchu, no Peru, também estão entre os exemplos de locais que enfrentam o excesso de turistas e suas consequências. O segundo caso, patrimônio cultural e natural da humanidade reconhecido pela Unesco, foi tema de um estudo acadêmico do Instituto de Educação de Hospitalidade e Turismo, conduzido por Shiloh Schlauderaff. A pesquisa destaca as degradações ambiental e patrimonial causadas pelos turistas, incluindo atos de vandalismo e acúmulo de lixo, entre outros fatores que têm alterado a paisagem local.
De modo geral, na maioria dos exemplos, há uma combinação de causas como renda, conectividade e tamanho populacional. Cidades como Paris, Nova York e Amsterdã contam com alguns dos aeroportos mais movimentados do mundo e estão cercadas por nações desenvolvidas, cujos turistas têm relevante poder de compra. Só a União Europeia, por exemplo, tem uma população estimada em 450 milhões de pessoas, uma densidade demográfica cinco vezes maior do que a da América do Sul.
Nos casos asiáticos, como Bali, Bancoque e Phuket, ainda que sejam destinos em países menos desenvolvidos, estão próximos de um mercado consumidor gigantesco, com cerca de 3 bilhões de pessoas (contando apenas Índia e China) e voos de poucas horas de distância.
As tentativas de limitar o avanço do overtourism incluem medidas como a cobrança de taxas de entrada, a restrição ao aluguel de imóveis para temporada e a limitação da atuação de cruzeiros. Trazendo o fenômeno para a realidade nacional, o exemplo mais conhecido é o de Jericoacoara, no Ceará, onde as dinâmicas social, econômica e ambiental mudaram substancialmente nos últimos dez anos. A famosa Duna do Pôr do Sol, por exemplo, diminuiu de tamanho de forma drástica — em parte por fatores naturais, em parte por causa da ação humana.
Entretanto, diferentemente de outros destinos afetados pelo overtourism, o Brasil ainda enfrenta uma “escassez” de turistas estrangeiros. Desde 2014, o País não ultrapassa a marca de 7 milhões de visitantes internacionais, número que só deve ser superado neste ano. Mesmo assim, ainda lidamos com problemas como a distância dos grandes mercados emissores, as barreiras linguísticas, a sensação de insegurança, os altos preços dos serviços e as burocracias, agentes que mantêm o overtourism distante da nossa realidade.
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