Artigo

Tensão, aflição e eleição

Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP
S
Paulo Delgado
é sociólogo, cientista político e diretor de Relações Institucionais da FecomercioSP

Se a diferença de energia entre os três poderes da União pudesse ser medida em volts, um atento eletricista notaria que o grande problema não reside na instalação da República Democrática de Direito, mas no uso incorreto que os ocupantes do Estado fazem da Constituição, comprometendo o funcionamento harmonioso da rede de responsabilidade e eficiência no exercício do poder para quem quer servir, com zelo, ao Estado nacional. Assim, a alta voltagem, o risco constante de choque elétrico e a aflição entre as maiores autoridades do País revelam o esgotamento do modelo político em vigor. A precária autonomia e a independência entre os três só se sustentam pela perda das conexões sociais e pelo isolamento burocrático que tomou conta das ações do Executivo, do Legislativo e do Judiciário nos últimos tempos. A marca pessoal da autoridade deseja ser mais forte do que os 135 anos de República.

O modo de funcionamento dos Poderes da União tem isolado cada vez mais o Estado, eliminando as pontes que deveriam conectá-lo à sociedade. População essa, apática e desinteressada, que achava que acreditava ter direito à opinião. A democracia, sem uma opinião pública atenta e ativa, ultrapassa a necessidade social que a história a concedeu. E a hipertrofia dos poderes, cada vez mais ousada e flagrante, estabeleceu um sistema de exercício fracionado, tripartite — que é a democracia dos governantes, a democracia dos juízes e a democracia dos parlamentares. 

A essa altura, parece otimista imaginar que as astuciosas maneiras de falsear a realidade com as reuniões sociais (as quais querem conciliar emendas com sonetos) visem melhorar o estatuto da boa governança pública. Reforma de conduta e mudanças de estilo tropeçam na consolidação das distinções que fizeram de cada uma dessas funções extrapolar a própria prerrogativa. Em ano de eleições, marcado por tensão institucional e por um eleitor virtual e manipulável, o calendário oficial do País permanece arrastado, inconstante e em estado de choque.

O Congresso continuará blindado contra os interesses mais gerais e de longo prazo, mantendo o estilo de banco extraoficial de prefeitos e governadores vinculados a parlamentares. Enquanto isso, o Executivo permanecerá manejável e francamente desinteressado em contrariar interesses, aguardando um milagre que restitua ao Palácio do Planalto o protagonismo que o presidencialismo pressupõe. Já o Supremo aprofundará a nova natureza de corte dos advogados criminalistas e, superando sua natureza, continuará confundindo a realidade com iniciativas pessoais doutrinárias.

Diante do período eleitoral municipal em curso, a população deverá continuar acompanhando a nova modalidade da política caracterizada pelo “prato-feito” que é a emoção moderna. Ainda que todas as circunstâncias da vida de um indivíduo acabem por passar pela politica atual, esta não pertence mais aos cidadãos, restando apenas um clube fechado de partidos e ardilosas maquinações. A força de um verdadeiro líder acabou (e sua individualidade reconhecida) foi apropriada pelo sistema tecnológico impessoal. Os riscos para o povo são as consequências que se seguem a uma eleição-correnteza que não produza maioria estável. Vitória sem fidelidade e fidelidade sem sinceridade não sustentam governo.    

Não há mais o tempo da política e da justiça como educação. Outro mundo, outros atores, outros admiradores. Mas, do velho tempo, vem a lição: quem precisa tanto representar a emoção deveria ser ator, e não político, juiz ou promotor.    

ESTE ARTIGO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #483 IMPRESSA DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA NA VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NA PLATAFORMA BANCAH.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.