De cabeceira e coração

22 de novembro de 2024

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Uma das mais bem-sucedidas iniciativas do mercado editorial brasileiro, a coleção Vaga-Lume marcou a infância de gerações, sobretudo de crianças e adolescentes das décadas de 1970 a 1990. Escolhidos a dedo, os títulos cativavam e encantavam os leitores em idade escolar.

Lançado em 1973, com o livro A ilha perdida, de Maria José Dupré (1898–1984) [a obra foi publicada pela primeira vez em 1944, pela editora Brasiliense], o formato criado pela Editora Ática consistia sempre em uma história curta, de cerca de 120 páginas, seguida por um suplemento de trabalho com proposta de atividade escolar. A partir de então eram publicados, em geral, de dois a cinco novos títulos por ano. “O sucesso da Vaga-Lume aconteceu por vários fatores, mas, principalmente, porque eram histórias interessantes para o público infantojuvenil, pensadas para ele”, avalia Thiago Maerki, professor do ensino médio e doutor em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Houve uma estratégia de marketing, com efeito positivo: quantos adultos hoje são leitores por causa da influência dessa coleção?”, arremata.

No auge da série, as obras eram primeiro testadas com 3 mil alunos aleatoriamente selecionados em escolas públicas e privadas. Eles recebiam um resumo do livro, sem saber quem era o autor, e podiam dar palpites para a editora. Diante da receptividade, as obras podiam ser canceladas ou terem as histórias alteradas. “Não temos propriamente uma tradição em formar leitores e faltam discussões acerca da questão  sobretudo para compreender como e por que perdemos, em algum momento, o público infantojuvenil, certamente mais interessado em ler do que os adultos de maneira geral”, observa Emerson Calil Rossetti, professor do ensino médio, doutor em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e criador do canal Elite da Língua, no YouTube. “Mas não tenho dúvidas de quanto a coleção Vaga-Lume contribuiu e continua a contribuir para despertar o interesse das crianças pelo universo da ficção”, enfatiza.

Ele recorda que, dentre os primeiros livros que leu, estavam títulos da Vaga-Lume, como Cem noites tapuias, de Ofélia e Narbal Fontes; O escaravelho do diabo e O caso da borboleta Atíria, ambos de Lúcia Machado de Almeida; e, claro, o clássico infantojuvenil de Maria José Dupré. “E todos eles me levaram para aquele universo mágico tão coerente com as expectativas de fantasia e aventura de uma faixa etária em que a imaginação espera muito mais do que a realidade cotidiana. Devo a minha formação leitora especialmente aos professores que tive e aos livros dessa série”, ressalta Rossetti.

Maerki também era leitor da coleção quando pequeno. “O primeiro livro que li na minha vida foi A ilha perdida, e isso me abriu portas, avivou o desejo pela leitura. Na década de 1990, esses livros serviram, de fato, como um despertar para o mundo da literatura”, garante.Até 2021, quando o mais recente título foi lançado — Os marcianos, de Luiz Antonio Aguiar —, já pela Somos Educação, que adquiriu os direitos da coleção, 106 livros foram lançados pela Vaga-Lume.

O autor mais publicado foi Marcos Rey (1925–1999), com 16 obras. São dele sucessos como O mistério do cinco estrelas, Enigma na televisão e Garra de campeão. Fã declarado da Vaga-Lume, o escritor Marcelo Duarte conseguiu emplacar uma obra na série em 1997: O jogo sujo. Em 2023, para celebrar os 50 anos da série, ele lançou, pela Panda Books, o livro Detetive Vaga-Lume e o misterioso caso do escaravelho. A obra, que tem o mesmo estilo consagrado pela famosa coleção, é repleto de personagens que aludem ao universo Vaga-Lume. Uma bela homenagem, sem dúvida.

Edison Veiga Annima de Mattos
Edison Veiga Annima de Mattos