Existe um ambiente incensado pela ascensão da extrema direita e pela polarização dos últimos anos que busca colocar na berlinda a confiança na urna eletrônica. O sistema de votação, adotado no Brasil em 57 cidades em 1996, está presente em todo o território nacional desde 2000. Fato é que, em 28 anos, não houve qualquer caso comprovado de fraude, e esse é o principal argumento da Justiça Eleitoral e de defensores do sistema — que lançou mão da tecnologia para facilitar um processo de logística extremamente complexo pelas peculiaridades brasileiras: as eleições são obrigatórias, o que acarreta grande participação popular; o território é imenso, com muitos eleitores vivendo em áreas de difícil acesso; e a população é uma das maiores do mundo.
A ideia de informatizar o processo não é nova. O primeiro Código Eleitoral do País, de 1932, já estabelecia a possibilidade do uso de “máquinas de votar”. “A oficialização da urna eletrônica nacional só ocorreu nas eleições municipais de 1996, após longo projeto de informatização do processo eleitoral, iniciado na década de 1980, como tentativa de conter denúncias e fraudes na manipulação das cédulas de papel, em especial após encerramento do período ditatorial”, contextualiza o advogado Luiz Eduardo Peccinin, especialista em Direito Eleitoral. “O processo de criação da urna envolveu técnicos e especialistas em informática e segurança, além de engenheiros do próprio TSE [Tribunal Superior Eleitoral] e de empresas terceirizadas. O objetivo era criar um sistema que trouxesse mais segurança, rapidez e transparência”, completa.
De acordo com o jurista e historiador Rubens Beçak, professor na Universidade de São Paulo (USP), a urna eletrônica se mostrou, desde os anos 1990, um acerto. “Com o aparelho, tivemos avanço não só do voto em si, do lançamento do voto pelo eleitor, mas também na contabilização das folhas de cada seção eleitoral”, afirma ele, avaliando que o País tem “uma utilização exitosa” do processo. “Os setores que ainda discordam da urna eletrônica olham com desconfiança, como se a utilização de meios virtuais pudesse conspurcar o processo”, explica. “A sua repetida utilização no Brasil mostra que esse temor não tem procedência. Os filtros e bloqueios impostos comprovam que se trata de um processo rápido, moderno e plenamente seguro.”
Ao contrário do que os detratores afirmam, a inovação brasileira está, sim, sendo adotada em outros países. “Há quem use processos similares”, comenta Fábio Lopes, pesquisador na área de Processamento de Dados e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Cada país tem as próprias legislação e tradição democrática. Cada um adota a forma que achar mais conveniente de fazer as eleições, mas vários já usam urnas eletrônicas, de forma parcial ou 100%.”
Ele cita dados da organização International Institute for Democracy and Electoral Assistance (Idea) para corroborar o ponto. “Em 2021, já eram 46 países utilizando urnas eletrônicas”, acrescenta. Segundo o professor, Japão, Coreia do Sul e Índia fazem eleições com dispositivos muito parecidos às urnas brasileiras. “Peru e México também as utilizam, mas não exatamente iguais às nossas”, compara. “O Idea aponta que 17 nações adotam máquinas de gravação direta, como é o nosso caso, sem impressão de papel, com os votos gravados e, depois, transmitidos para uma central que vai contabilizar os dados”, explica.
Peccinin também cita alguns outros casos. “Dentre os exemplos de países que experimentaram ou adotaram sistemas eletrônicos de votação, ainda que não de forma integral ou tão disseminada quanto no Brasil, podemos citar Canadá, Índia, Estônia, França e Venezuela, além dos Estados Unidos, que contam com as essas máquinas em alguns Estados”, elenca. O advogado concorda, contudo, que a modelo está longe de ser unânime ao redor do mundo. “De fato, a informatização do processo eleitoral não é habitual.
A maioria dos países ainda prefere manter o sistema tradicional de voto em papel, especialmente graças a fatores culturais, legais, de confiança pública e de segurança digital”, ressalta. “Ainda que os mecanismos de garantia de segurança da urna sejam sólidos, muitas nações acabam descartando a mudança, em especial pela dificuldade de superar o senso comum de vulnerabilidade digital e pelo receio de manipulação dos resultados por meio de ataques cibernéticos, bem como pelos altos custos de implementação e desenvolvimento, que nem sempre são possíveis em regiões onde a inclusão digital seja limitada”, analisa Peccinin.
Ainda assim, ao contemplar o cenário global, o jurista Beçak acredita que “a utilização desses sistemas eletrônicos”, aos poucos, esteja sendo incorporada “de forma progressiva” na organização e na execução dos pleitos ao redor do planeta. Faz sentido. Em um mundo onde grande parte da burocracia, da comunicação e das relações sociais já ocorre sem a necessidade de papel, a “festa da democracia” também pode existir com a ajuda do que há de melhor no mundo digital.