“o pauloleminski /é um cachorro louco/que deve ser morto/a pau a pedra/a fogo a pique/senão é bem capaz/o filhadaputa/de fazer chover/em nosso piquenique.”
Sem pontuação, sem letra maiúscula, sem palavra difícil de entender — um estilo influenciado pela sofisticação minimalista dos haicais japoneses e marcado pela apropriação de ditados populares. Mensagens diretas e pungentes em poemas curtos. Uso e abuso de gírias e palavrões. Incorporação de clichês publicitários à poesia e frases feitas para serem pichadas em muros.
Autodenominado “a besta dos pinheirais”, Paulo Leminski Filho foi um “Rimbaud curitibano com físico de judoca, escandindo versos homéricos como se fosse um discípulo zen de Bashô”, escreveu o poeta concreto Haroldo de Campos, em texto de apresentação do discípulo.
Último grande sucesso de público da poesia brasileira, Leminski teve uma vida de astro do pop. Expoente da Geração 70, também chamada de “Marginal ou Geração Mimeógrafo — pelo caráter artesanal dos livrinhos de poesia vendidos pelos próprios autores em portas de cinemas, teatros e bares durante a década de 1970 —, Leminsky cometeu todos os excessos e morreu aos 44 anos, no ápice do vigor intelectual e criativo.
Definido como “samurai futurista, pensador selvagem, agitador intelectual, meio polaco e meio caboclo, provinciano e universal” — na biografia Paulo Leminski – O bandido que sabia latim (Toninho Vaz, Editora Record, 2001) —, Leminski nasceu em Curitiba no dia 24 de agosto de 1944, neto de colonos poloneses, com ascendência negra por parte da mãe.
Passou parte da infância no interior de Santa Catarina acompanhando os deslocamentos do pai, sargento do Exército. Aos 11 anos, com a família de volta a Curitiba, foi matriculado no Colégio Paranaense, onde teve início a sua atração por línguas estrangeiras. Fazem parte do currículo o latim, o francês e o inglês. Além de poliglota, tornou-se fascinado por dicionários e enciclopédias: passava horas debruçado sobre o Caldas Aulete e consultava a Enciclopédia Britânica no idioma de origem, desenvolvendo espantosa capacidade para decorar textos e poemas.
Ao descobrir que os monges beneditinos viviam concentrados em leituras e análises de manuscritos da Idade Média, decidiu estudar no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, no curso dos oblatos — alunos do ginasial ainda sem idade para o noviciado. Ali aprendeu grego, aprofundou-se no latim e praticou o canto gregoriano, útil para desabrochar, no futuro, a veia musical que o fez parceiro de gigantes da música popular brasileira.
No início da década de 1960, mergulhou no universo da cultura oriental: aprendeu japonês, praticou judô até obter a faixa preta, aderiu ao zen-budismo e colocou em sua cabeceira o livro Haiku, a bíblia do haicai japonês, do qual foi um dos grandes difusores no Brasil, ao escrever a biografia do samurai Matsuo Bashô (1644–1694), primeiro e maior poeta do estilo. Leminski, aliás, escreveu mais três biografias de personalidades que admirava — do poeta simbolista catarinense negro Cruz e Souza, de Leon Trotsky e de Jesus Cristo. Publicadas individualmente, as quatro foram reunidas posteriormente em um volume único, intitulado Vida.
Em 1963, participou, em Belo Horizonte, da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, onde conheceu e travou amizade com os expoentes do movimento concretista, os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, e Décio Pignatari. Seus primeiros poemas foram publicados em 1964, na revista Invenção, dirigida por Pignatari.
Aprovado nas faculdades de Direito e Letras, abandonou ambas para tornar-se professor de História e Redação em cursos pré-vestibulares, primeira de várias profissões — como jornalista, publicitário e tradutor, entre outras — que exerceu para pagar as contas que a poesia, sozinha, jamais permitiria.
Durante uma aula sobre as invasões holandesas ao Nordeste brasileiro, ele teve a ideia: e se o filósofo René Descartes tivesse feito parte da expedição do príncipe Maurício de Nassau? Dessa “hipótese fantasia”, nasceu Catatau, primeiro dos dois romances que escreveu (Agora é que são elas, foi o outro).
Sucesso de crítica, o curioso título deve-se à quantidade de manuscritos que o autor arrastava por onde passava ao longo dos oito anos de gestação da obra, considerada experimental por desprezar os cânones da literatura tradicional. É também um exemplo da fusão entre a extrema erudição e a simplicidade do cotidiano, presente em toda a trajetória de Leminski.
Ainda na década de 1960, fundou o grupo Áporo, integrado por jovens motivados em superar o provincianismo cultural de Curitiba. Autoproclamado “a ovelha negra” do rebanho conservador da capital do Paraná, Leminski criticava a cidade, mas jamais viveu muito tempo longe do torrão natal. “Pinheiro não se transplanta”, explicava, exibindo o poema Curitibas, no plural: “Conheço esta cidade / como a palma da minha pica. / Sei onde o palácio / sei onde a fonte fica. / Só não sei da saudade / a fina flor que fabrica / Ser, eu sei. Quem sabe, / esta cidade me significa.”.
Não fosse isso e era menos não fosse tanto e era quase foi seu primeiro livro de poesias, publicado de forma independente, assim como Polonaises, ambos editados em 1980. Neste último, faz sua profissão de fé política em poema dedicado à tendência do movimento estudantil Liberdade e Luta: “me enterrem com os trotskistas/na cova comum dos idealistas/onde jazem aqueles/que o poder não corrompeu”.
Autodidata em música, Moraes Moreira e Itamar Assunção figuram entre seus parceiros. Ligado aos tropicalistas ao ponto de ser chamado de “curitibaiano”, em 1981, teve gravada, com sucesso, por Caetano Veloso, a canção Verdura, com versos emblemáticos da época: “vendi meus filhos/a uma família americana/eles têm carro/eles têm grana”.
Morto de cirrose em 1989, Paulo Leminski levou ao pé da letra o lema do poeta revolucionário russo Vladimir Maiakovski, com quem é frequentemente comparado: “Melhor morrer de vodca do que de tédio”. Pouco antes de “pedir a conta”, de acordo com a sua analogia preferida entre a morte e o fim da noitada nos bares da vida, foi categórico: “Alcoólicos anônimos, jamais. Eu sou um alcoólico famoso!”.
No século 21, a Pedreira Paulo Leminski, nas proximidades da famosa Ópera de Arame, em Curitiba, é um dos principais espaços para eventos no Brasil, com capacidade para mais de 30 mil pessoas. Seus livros de poemas foram reunidos em Toda Poesia (Companhia das Letras, 2013), best-seller com 170 mil exemplares vendidos, traduzido e lançado nos Estados Unidos em 2022. Como ele mesmo disse, profeticamente: “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”.