Noventa hotéis fechados após a Copa do Mundo no Brasil, hoje, mais de um terço das obras de infraestrutura prometidas está abandonada. Além disso, estádios modernos como elefantes brancos, gastos bilionários aos cofres públicos e obras superfaturadas. No prometido legado da Copa no Brasil, o gol de honra foram os aeroportos — único investimento que trouxe benefícios reais ao País.
Otimismo era a máxima no período anterior aos jogos, e o Turismo seria um dos principais legados para os anos futuros. A imagem do país-sede rodaria o mundo e o faria entrar de vez na rota dos principais destinos fora do eixo Estados Unidos–Europa. Não à toa, o Plano Nacional de Turismo projetava um aumento para 7 milhões de visitantes ao ano no Brasil, entre 2013 e 2017. Nos anos posteriores, o setor cresceria ainda mais: 12 milhões de turistas por ano, entre 2018 e 2022. Mas, até hoje, o recorde é de 2018, quando recebemos 6,62 milhões de estrangeiros. No ano passado, após o tombo causado pela pandemia, não chegamos a 6 milhões, algo bem próximo ao registrado em 2013, antes da Copa. Para se ter uma ideia, só a cidade de Orlando, nos Estados Unidos, recebeu 6,1 milhões de turistas estrangeiros em 2023.
“No plano para 2024 e 2027, o Ministério do Turismo queria assinar uma nova projeção de 12 milhões, mas foi contido [a previsão era de 10 milhões]. Sem a clareza da captação de mais voos internacionais, você só pode rezar, porque não vai passar de 6, 7 ou 8 milhões de turistas. Na Embratur, nós falamos isso”, conta Mariana Aldrigui, pesquisadora na Universidade de São Paulo (USP) e ex-gerente de Inteligência de Dados da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur).
Como aponta Mariana, o diálogo entre o governo e o setor de Turismo não melhorou nem antes, nem depois da Copa. O mesmo aconteceu com os investimentos na área. Segundo dados do Portal da Transparência, o governo planejou investir quase R$ 100 milhões para desenvolver o segmento no Brasil, mas injetou apenas R$ 4,35 milhões — ou seja, cumpriu apenas 0,44% do plano. “O desenho todo foi malfeito. O Turismo institucional não foi nem sequer convidado para os comitês de estruturação do evento. Foi o penúltimo a entrar”, afirma Mariana. A pesquisadora conta, ainda, que a Embratur só foi, oficialmente, falar com o setor seis meses antes do início da competição. “E havia uma autoridade brasileira trabalhando com a Fifa com cadernos de requisitos. O estudo de viabilidade dos hotéis na Barra da Tijuca [no Rio de Janeiro] foi um fiasco. Até hoje pressionam toda a hotelaria da cidade por causa da dificuldade de atingir os resultados necessários.”
No bairro carioca, que concentrou as competições dos Jogos Olímpicos, em 2016, o número de quartos quadruplicou, enquanto a taxa de ocupação ficou em 20% após o evento. No total, 13 hotéis da cidade fecharam as portas após os jogos. Uma tendência que se repetiu no País todo. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), no total, 90 unidades hoteleiras de cidades-sede da Copa fecharam as portas nos primeiros meses após o torneio.
Obras paradas, estádios abandonados
Dentre as promessas não cumpridas de melhorias na mobilidade urbana, um dos destaques é o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Cuiabá (MT). O plano era conectar o aeroporto ao centro da cidade, mas isso nunca aconteceu — apesar do R$ 1 bilhão gasto com o projeto. Os trens seguem abandonados, sem nenhuma função. Agora, seriam necessários mais R$ 700 milhões para finalizar as obras, e, isso, o governo estadual transformou o projeto em um BRT (corredores exclusivos para ônibus com linhas específicas), que custou mais R$ 400 milhões.
Em Manaus (AM), nem o BRT, nem o monotrilho prometidos saíram do papel. O mesmo aconteceu em Curitiba (PR), com o abandono das obras do Corredor Metropolitano, que ligaria a cidade a outros sete municípios da região metropolitana. Em Porto Alegre (RS), o BRT atrasou dez anos para ser entregue. Há ainda outros exemplos de obras não realizadas, como o metrô que chegaria até o aeroporto de Congonhas, em São Paulo. De acordo com levantamento do jornal O Globo, 38% das obras de mobilidade urbana foram abandonadas ou concluídas apenas parcialmente.
“A linha que chegaria a Congonhas teria movimentado, pelo menos, 365 milhões de passageiros, considerando 100 mil por dia. E aí falamos sobre sustentabilidade, de substituição do carro pelo transporte público, com menos emissão de carbono”, afirma Guilherme Dietze, economista e presidente do Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). “Não houve o tal legado de mobilidade, não foram feitos os investimentos necessários. Em Cuiabá, 6 quilômetros de trilhos e 40 trens foram comprados e não utilizados. Não houve, de fato, legado.” Já os investimentos em estádios custaram, aos governos federal e estaduais, R$ 8,4 bilhões — ou R$ 14,7 bilhões, em valores atuais corrigidos pela inflação. E quatro chamam a atenção: as arenas de Brasília (DF), Cuiabá (MT), Manaus (AM) e Recife (PE).
A primeira ainda recebe alguns jogos, graças a um acordo com o Flamengo, mas é subutilizada, uma vez que a cidade não conta com nenhum time de futebol nas principais divisões. Só 10% da receita vêm do esporte — o resto vem de eventos e shows. No Recife, sem parceria com a iniciativa privada, a arena, que não recebe nenhum dos principais times locais, virou fonte de prejuízo: em 2022, o déficit foi de R$ 5,6 milhões. Na Arena da Amazônia, em Manaus, onde não há equipes de elite de futebol, uma dívida de R$ 39 milhões em energia elétrica levou ao corte do fornecimento em janeiro do ano passado. Em Cuiabá, embora o time da cidade dispute a série A há três anos, o público ainda é pequeno, e a arena também dá prejuízo.
“A Copa foi um projeto sem continuidade, não tinha um pensamento de futuro para as cidades-sede”, afirma Paula Schulz, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas de Turismo da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ela, houve um pensamento, um desejo apenas momentâneo de trazer a Copa para o Brasil e atrair turistas. “Construíram as estruturas, os estádios, mas não pensaram no pós-Copa, principalmente em relação aos negócios do Turismo nas cidades-sede. Não pensaram em como poderiam transformar as arenas, por exemplo”, ressalta Paula.
Gol de acalento
Os aeroportos, ao menos, geraram um progresso real no sistema viário do País. Em valores atualizados, os investimentos federais chegaram a R$ 4,7 bilhões, ao passo que outros R$ 6,3 bilhões foram custeados pela iniciativa privada por meio de concessões, principalmente nos aeroportos de Viracopos (Campinas/SP), Natal (RN), Brasília (DF) e Guarulhos (SP). “As concessões dos aeroportos foram muito importantes. Saímos de uma média de 50, 60 milhões de passageiros por ano para quase 100 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Houve um avanço gigantesco. Mas vale lembrar que nem todos estavam 100% prontos em 2014”, afirma Dietze.
A próxima missão do Turismo brasileiro é sediar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), em 2025, e a Copa Feminina de futebol, em 2027. Segundo o Ministério do Turismo, algumas medidas têm sido pensadas para evitar os erros cometidos durante a competição masculina, dez anos atrás. Em vez de estimular a abertura de novos hotéis, o governo cogita fomentar formas alternativas de hospedagem, como cruzeiros, hotéis flutuantes e o uso temporário de instalações militares. Nos âmbitos municipais e estaduais, os governos testam novas formas de impulsionar o setor. Em maio deste ano, a cidade do Rio de Janeiro ofereceu, ao público, um show gratuito da Madonna. Segundo dados da prefeitura, o evento movimentou mais de R$ 300 milhões, com um custo de R$ 20 milhões aos cofres públicos. A capital carioca ainda receberá o fórum da Cúpula de Líderes do G20, no fim deste ano. “Não podemos esquecer do ganho de visibilidade do Brasil dentro dessas pautas, que geram engajamento e potenciais turistas. A pessoa que vem a trabalho pode gostar e querer voltar”, defende Paula, da UnB.