Em agosto, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — principal índice de inflação do Brasil — registrou a primeira queda mensal no ano, com um recuo de 0,02%. Esse resultado fez com que a taxa acumulada em 12 meses caísse para 4,24%, interrompendo a tendência de alta observada nos três meses anteriores.
A deflação de agosto foi impulsionada pela queda nos preços dos alimentos e da energia, embora a previsão seja a de que esses itens voltem a subir nos próximos meses. A despeito da queda de 0,73% nos preços dos alimentos em agosto, favorecida por um “clima mais favorável” que elevou a produção de itens como batata, tomate e cebola, a inflação acumulada desses itens, em 12 meses, aumentou. Em agosto, a taxa chegou a 4,59%, acima dos 4,15% registrados até julho.
Além disso, as contas de luz das residências sofreram queda de 2,77%, já que, até agosto, os consumidores não haviam sido submetidos a tarifas adicionais. No entanto, após o agravamento da estiagem a partir de julho, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já anunciou a bandeira tarifária vermelha para os meses de setembro e outubro, resultando em uma cobrança adicional de R$ 7,877 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
Enquanto isso, incêndios florestais estão se espalhando por importantes áreas agrícolas, incluindo regiões produtoras de soja e cana-de-açúcar, o que, segundo especialistas, elevará o preço de culturas como feijão, açúcar, laranja e carne. Economistas associam a crescente volatilidade dos preços, principalmente de alimentos e energia, às mudanças climáticas — fator que está causando imprevisibilidade para os padrões inflacionários no Brasil.
De volta ao passado
Tendências semelhantes foram observadas entre 2014 e 2016 e de 2020 a 2022, ainda que por razões diferentes. O primeiro período foi marcado por forte recessão econômica, alimentada por desequilíbrios fiscais. Já o segundo foi moldado pela pandemia, que levou a interrupções nas cadeias de suprimentos e a medidas de estímulo que elevaram os preços globalmente.
A batalha contra a inflação no Brasil tomou um novo rumo em 2016, quando o então vice-presidente Michel Temer assumiu o cargo após o impeachment de Dilma Rousseff. O seu governo aprovou uma regra fiscal que limitava os gastos públicos, permitindo que o orçamento federal crescesse apenas à taxa da inflação do ano anterior.
Assim, o IPCA caiu de 9,32%, nos 12 meses encerrados em maio daquele mesmo ano, para 2,68%, em março de 2018, também no acumulado. No período, o Banco Central (BC) reduziu a taxa de juros de 14,25% para 6,5%. Contudo, o custo da contenção fiscal foi uma economia lenta e um Produto Interno Bruto (PIB) que cresceu pouco mais de 1% após a contração acentuada em 2016.
Essas limitações da regra fiscal foram testadas no governo de Jair Bolsonaro, que a modificou diversas vezes, inclusive durante a pandemia — quando o governo foi temporariamente dispensado do teto de gastos. Em 2020, o BC foi um dos primeiros do mundo a reduzir a taxa básica de juros para estimular a economia e aumentar a liquidez em tempos de isolamento social e incertezas, reduzindo a taxa para o piso histórico de 2% ao ano (a.a.), em setembro.
Então, em 2021, para conter a inflação pós-pandemia, o Brasil foi o país que mais rapidamente expandiu a Selic, a qual chegou a 13,75% em agosto de 2022 e se manteve nesse nível por um ano. Essa medida controlou a inflação, mas freou o crescimento econômico e apertou o orçamento familiar.
Entre os ciclos de afrouxamento e aperto, o desemprego disparou, a renda das famílias despencou e as dívidas cresceram. Os preços dos alimentos, que têm um peso considerável no consumo dos mais pobres, só caíram quando as commodities depreciaram no mundo. Em 2023, o País, ao permanecer em modo de recuperação sob o governo Lula, recebeu o novo arcabouço fiscal, permitindo mais flexibilidade nos gastos — com crescimento variando de 0,6% a 2,5% acima da inflação, dependendo do cumprimento das metas de superávit primário.
Retomada, luz amarela para a inflação
Nesse meio-tempo, o crescimento do emprego e o maior acesso ao crédito fortaleceram a economia, estimulando o consumo — e as pressões inflacionárias continuaram no radar, em especial nos Serviços, promovidos por um mercado de trabalho surpreendentemente forte. Economistas, agora, esperam que o Comitê de Política Monetária (Copom) eleve as taxas de juros novamente para resfriar os motores da economia.
De acordo com Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, esses números no setor são resultado, principalmente, da política de valorização do salário mínimo, que ajusta o piso com base na inflação passada e no crescimento do PIB. Mesmo que haja estímulo da atividade econômica, acaba dificultando os esforços para controlar a inflação.
No fim, os desafios inflacionários do Brasil continuam profundamente entrelaçados com fatores externos, como o clima e as interrupções nos mercados globais, o que limita a capacidade do BC de controlar o índice apenas com a ferramenta dos juros. Os preços dos alimentos, por exemplo, são amplamente impulsionadas por choques de oferta, e não apenas pela demanda doméstica.
Como observou Leal em relatório recente, no quarto trimestre de 2020, durante os primeiros dias da seca que levou à crise hídrica de 2021, a inflação da alimentação em casa atingiu 8,2%, seis pontos acima do registrado em 2022, um ano mais “normal”, segundo ele. “Isso, sozinho, deve adicionar 0,9 ponto porcentual ao índice de inflação de 2024, tornando inevitável que o teto da meta de 4,5% seja ultrapassado”, afirma.