O monitoramento de uma epidemia silenciosa, que já ameaçou milhões de pessoas em todo o Brasil, mostra como as políticas públicas na área da Saúde podem gerar resultados não apenas médicos, como também econômicos. Embora a transmissão da doença de Chagas ainda persista — especialmente nas regiões mais quentes e com alto índice de rápido desmatamento —, o País tem feito progressos no controle de sua disseminação por meio de um programa de prevenção iniciado na década de 1980. O conjunto de medidas, adotado há mais de 40 anos, reduziu significativamente a prevalência da doença, que, no fim da década de 1970, era endêmica em 18 Estados e 2,2 mil cidades.
Agora, os resultados econômicos e sociais de longo prazo desse programa estão se tornando mais claros. Um artigo do National Bureau of Economic Research (NBER) sugere que o controle da transmissão da enfermidade levou à redução da desigualdade de renda, aliviou a carga sobre o sistema público de Saúde e elevou em 11% o Produto Interno Bruto (PIB) per capita nos municípios-alvo das medidas, ao longo de duas décadas. É importante observar que o artigo está sendo submetido a periódicos acadêmicos e ainda não foi revisado por pares.
A doença de Chagas, causada por um protozoário e transmitida pela picada de insetos triatomíneos, conhecidos como barbeiros, pode levar a problemas cardíacos graves e crônicos que comprometem o bem-estar e impedem uma vida produtiva plena.
Classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “doença tropical negligenciada” — juntamente com a dengue e a leishmaniose —, a patologia afeta desproporcionalmente a população de baixa renda, sendo chamada de “doença dos pobres”, como definiu a especialista em Saúde Pública Tania Araújo-Jorge ao The Brazilian Report, em 2023. “Enfermidades tropicais negligenciadas, como a doença de Chagas, têm efeitos crônicos que levam anos para se manifestarem”, afirma Eduardo Montero, pesquisador no NBER e professor assistente na Escola Harris de Políticas Públicas da Universidade de Chicago. “Quando adotamos uma perspectiva de longo prazo, vemos benefícios significativos”, acrescenta.
O mal de Chagas tem quase 100% de chance de cura se diagnosticado precocemente. No entanto, mais de 70% dos infectados desconhecem a condição, o que mantém o ciclo de transmissão. Os sintomas iniciais são leves ou inexistentes, muitas vezes mimetizando outras afecções. Muitos dos efeitos mais debilitantes — coração dilatado, batimentos cardíacos irregulares, dificuldade para comer e fraqueza crônica — manifestam-se apenas décadas depois do contágio.
O início tardio dos sintomas é um desafio para o controle da transmissão da doença. Em seu estudo, Montero e seu coautor, Jon Denton-Schneider, professor assistente de Economia na Universidade Clark, buscaram isolar os efeitos do programa de prevenção brasileiro por meio da análise dos indicadores econômicos e sociais dos municípios pesquisados. Eles compararam 575 municípios participantes do programa com um grupo de controle de mais de mil cidades — excluindo São Paulo, onde a transmissão já havia sido controlada antes da iniciativa nacional.
Considerando as tendências econômicas nacionais e estaduais, os pesquisadores constataram que os municípios participantes do programa apresentaram um crescimento de 11% no PIB ao longo de 20 anos, o que atribuíram aos esforços de prevenção da doença de Chagas. Dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) corroboraram ainda mais essas conclusões, mostrando maior participação na força de trabalho e renda mais alta nas comunidades-alvo. “Encontramos os maiores efeitos dez anos após a campanha, o que está alinhado com a literatura médica sobre o impacto da doença a longo prazo”, explica Montero.
O estudo também relacionou a redução da exposição infantil à doença à melhora de diversos indicadores: aumento de 2,8% na proporção de adultos não brancos com renda acima da média; aumento de 0,5% nas taxas de alfabetização de seus filhos; e uma queda de 16% nos gastos públicos com assistência hospitalar relacionada a problemas circulatórios. A redução geral da desigualdade pode ter reduzido os coeficientes de Gini dos municípios em 1,1% a longo prazo. “Esses resultados sugerem que o controle de doenças tropicais pode fortalecer as saúdes econômica e fiscal, ao mesmo tempo que atenua as disparidades raciais e a pobreza intergeracional”, pontuam os autores.
A OMS estima que a doença de Chagas afeta entre 6 e 7 milhões de pessoas em todo o mundo, causando aproximadamente 12 mil mortes por ano. A moléstia é endêmica em vários países da América Latina, onde cerca de 75 milhões de pessoas são consideradas em risco de infecção.
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que pelo menos um milhão de pessoas estejam infectadas com o Trypanosoma cruzi, o parasita causador da patologia, muitas vezes sem saber. O mal causou uma média de 4 mil mortes por ano na última década.
Diagnosticada pela primeira vez pelo médico brasileiro Carlos Chagas, em 1909, a enfermidade aflige há muito tempo a população mais pobre. O inseto triatomíneo prospera em condições precárias de moradia, especialmente em casas de pau a pique, escondendo-se em frestas e infectando as pessoas — muitas vezes picando-as no rosto, daí o seu apelido de barbeiro. Na década de 1970, em plena ditadura militar (1964–1985), o Brasil decidiu mapear a transmissão da doença de Chagas, revelando sua ampla presença em diversos Estados.
Em 1983, o governo lançou um programa de controle que envolveu a pulverização de inseticidas dentro de residências em comunidades vulneráveis e a conscientização sobre a presença do inseto. Estudos posteriores confirmaram que o projeto reduziu consideravelmente a transmissão vetorial. Hoje, a transmissão direta por insetos é muito menos comum, mas uma nova dificuldade surgiu: a transmissão oral.
A região amazônica — antes pouco afetada pela doença — tem registrado surtos ligados ao consumo de açaí fresco, um alimento básico naquela área. Barbeiros podem contaminar a fruta e o parasita sobrevive tanto em temperatura ambiente quanto em refrigeração padrão. O açaí para exportação passa por um processo de esterilização chamado branqueamento, que elimina o parasita.
Montero, do NBER, reconhece que detectar de forma precisa os efeitos do controle da doença é um desafio, visto que a economia brasileira passou por transformações importantes durante o período do estudo.
Ainda assim, ele acredita que os achados de sua pesquisa oferecem um argumento convincente sobre os benefícios mais amplos das ações na Saúde Pública. “Fazemos o possível para controlar os fatores externos, mas é impossível isolar tudo”, explica. No entanto, os resultados são robustos o suficiente para sustentar a ideia de que o controle de enfermidades e a igualdade social andam de mãos dadas.
A experiência brasileira, acrescenta o pesquisador, pode servir de modelo para outras nações latino-americanas que lutam contra doenças tropicais negligenciadas. “Se conseguirmos eliminar a doença de Chagas, a América Latina poderá se tornar um pouco menos desigual”, reforça.
Nesse sentido, o País se mostra líder no desenvolvimento de maneiras inovadoras e efetivas de combater essas afecções. Os dados sugerem que investir em Saúde Pública pode ser uma ferramenta poderosa para aumentar a renda e reduzir a desigualdade.