Os bilhões de Pequim

30 de setembro de 2025

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Empresas chinesas investiram US$ 4,18 bilhões em projetos no Brasil, novos e existentes, ao longo do ano passado, um aumento de 113% em relação a 2023, de acordo com um novo relatório do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). O aumento superou, e muito, o crescimento geral do Investimento Estrangeiro Direto (IED) no País, que cresceu 13,8% em 2024, de acordo com dados do Banco Central (BC). O Brasil foi a principal economia emergente e o terceiro maior receptor de investimento chinês no mundo em 2024.

O CEBC monitora os fluxos de capital não apenas de empresas sediadas na China continental, mas também das de propriedade chinesa sediadas no exterior. A instituição argumenta que esse método oferece um panorama mais preciso do que as estatísticas oficiais, que registram apenas o país de origem dos fundos — muitas vezes ocultados por investimentos direcionados por meio de subsidiárias em paraísos fiscais.

Apesar de representar o terceiro maior aumento anual desde que o CEBC começou a monitorar os fluxos de recursos, em 2007, os ingressos do ano passado permanecem abaixo dos picos de 2010 (US$ 13 bilhões) e 2017 (US$ 8 bilhões). O relatório também apontou que cerca de US$ 1,4 bilhão em investimentos planejados não se materializaram em 2024. Desde 2007, empresas chinesas investiram US$ 77,5 bilhões em 303 projetos no Brasil, principalmente em energia, manufatura e tecnologia.

O estudo destacou uma mudança de rumo dos investimentos em direção a projetos menores e mais dispersos. “Estamos observando um número maior de projetos com menor intensidade de capital, frequentemente em manufatura, energia limpa e tecnologia”, afirma Tulio Cariello, autor do relatório e diretor de Pesquisa e Conteúdo do CEBC. Aproximadamente 80% dos projetos foram em investimentos greenfield, aqueles que se iniciam do zero, e o restante em fusões e aquisições.

Os fluxos de recursos chineses destinados ao Brasil atingiram o pico entre 2010 e 2019, com as gigantes do setor energético State Grid e China Three Gorges canalizando bilhões para megaprojetos brasileiros. Nos últimos cinco anos, porém, o volume de dinheiro caiu, mas o número de projetos cresceu, atingindo o recorde de 39 em 2024.

No ano passado, o setor de Energia absorveu 34% dos investimentos chineses no Brasil, seguido por Petróleo e Gás (25%), Indústria Automobilística (14%) e Mineração (13%) — especialmente em minerais essenciais usados em tecnologias renováveis. Somente a China National Offshore Oil investiu cerca de US$ 1 bilhão para expandir a perfuração do pré-sal. Um acordo pendente envolve a proposta de compra, por US$ 500 milhões, das operações de níquel da mineradora britânica Anglo American no Brasil, pela multinacional Mineral and Metals Group (MMG), cujo maior acionista é a China Minmetals Corporation.

Mais que economia

Os fluxos refletem os objetivos econômicos e geopolíticos mais amplos de Pequim. Buscando reduzir a dependência do petróleo estrangeiro e expandir sua presença global, a China investiu pesadamente em energias renováveis, tornando-se líder em painéis solares e veículos elétricos. Ainda assim, continua sendo o maior importador mundial de petróleo bruto — e o maior cliente do combustível fóssil brasileiro.

Na Indústria, o investimento chinês no Brasil tem se concentrado em montadoras como a Build Your Dreams (BYD) e a Great Wall Motors (GWM). No mês passado, a GWM inaugurou a primeira unidade brasileira em uma antiga fábrica da Mercedes-Benz, na Cidade de São Paulo (SP). Como de costume, a empresa monta modelos localmente e importa a maioria das peças, mas comprometeu-se a obter 60% dos componentes internamente até 2026.

Embora menor do que em Energia, o investimento em Manufatura tem crescido de forma constante desde 2021. No ano passado, as empresas chinesas investiram US$ 637 milhões no setor, o segundo maior valor já registrado, atrás apenas dos US$ 907 milhões de 2023. Cariello atribui esse aumento à política industrial anunciada pelo governo federal no início de 2024, que posicionou o capital chinês como pilar central. Os laços bilaterais aprofundaram-se ainda mais desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciou uma guerra comercial contra ambos os países.

Riscos à industria nacional

O CEBC também alertou sobre riscos. “Essa competição pode sufocar setores locais que não consigam competir em igualdade de condições com as empresas chinesas, uma vez que as companhias brasileiras frequentemente lidam com custos mais altos, menor acesso a financiamento e mais dificuldade para desenvolver inovação”, adverte Cariello.

As siderúrgicas brasileiras, por exemplo, há muito acusam empresas chinesas de dumping — comercialização de produtos a preços abaixo do custo de produção —, enquanto as montadoras locais alertam que uma enxurrada de veículos elétricos chineses ameaça a sua sobrevivência. “Se não tivermos a política de estímulo adequada, o investimento pode acabar levando à desindustrialização em vez da industrialização”, ressalta Cariello. “O desafio é transformar a competitividade da China em algo positivo para o Brasil, garantindo que ela gere cadeias de suprimentos e transferência de tecnologia para fortalecer os produtores locais”, conclui.

A publicação deste conteúdo é fruto de parceria entre a Revista Problemas Brasileiros e o portal The Brazilian Report. Acesse aqui o material original, em inglês.

The Brazilian Report Débora Faria
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