Soja, riqueza centenária

16 de julho de 2024

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Considerado um dos pilares do Agronegócio brasileiro, o cultivo da soja no País completa cem anos. A partir de um punhado de sementes trazidas dos Estados Unidos em uma garrafa por um pastor luterano, o grão amarelado se adaptou bem ao solo daqui, conquistou agricultores e, aos poucos, se tornou um dos principais produtos da economia do Brasil, que é líder mundial na produção da commodity.

Com produção atual estimada em 154 milhões de toneladas (estimativa do ciclo 2024/2025), o grão rendeu, somente no ano passado, divisas na ordem de R$ 635,9 bilhões. A cifra representa 23,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do Agronegócio e 5,9%, do PIB nacional, segundo estudo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), realizado em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). 

O mesmo estudo mostra que o setor responde, atualmente, por 2,32 milhões de empregos diretos. Grande parte da produção é destinada à exportação. No ano passado, as vendas da cadeia produtiva da soja ao exterior — que inclui manufaturados e biodiesel — geraram US$ 67,6 bilhões em divisas, 10,2% a mais do que em 2022, de acordo com o Cepea.

Importada dos Estados Unidos

Tudo começou no fim de 1923, quando o pastor estadunidense Albert Lehenbauer, que vivia no Rio Grande do Sul, fez uma visita de férias à família na sua terra natal, no condado de Marion, na Flórida. No retorno ao Brasil, o religioso trouxe sementes de soja em uma garrafa hermeticamente fechada para evitar danos por causa da umidade. Ao chegar em casa, plantou as sementes e, no ano seguinte, distribuiu a colheita entre os vizinhos agricultores na colônia Santa Rosa, atual município que recebe o mesmo nome.

O pioneirismo é contado em detalhes em carta escrita, muitos anos depois, pela esposa do pastor, Helene Lehenbauer, já viúva, em 1976. A carta, enviada por Helene a parentes que viviam em Santa Rosa, descreve como o pastor, ao chegar da visita à fazenda dos pais, nos Estados Unidos, plantou os primeiros grãos e incentivou o cultivo do grão entre os colonos da região. “Ao chegar aqui, em dezembro de 1923, o pastor imediatamente começou a plantar, o que subsequentemente rendeu mais grãos. Estes foram então distribuídos, fomentando gradualmente o cultivo da soja. A partir de 1924, ele os distribuiu para seus paroquianos”, descreve Helene, na carta. No texto, a viúva afirma, ainda, que o pastor teria afirmado, naquele longínquo 1924, que “a soja seria o futuro da agricultura do Brasil”.

Nas primeiras décadas, o cultivo da soja era destinado, quase na sua totalidade, à alimentação de animais, em especial os suínos, em razão do valor proteico-calórico da leguminosa. O grande salto ocorreu a partir da década de 1950, quando a soja do tipo “amarela comum” ganhou protagonismo na agricultura gaúcha. “A soja se adaptou excepcionalmente bem no Brasil graças a uma combinação de fatores climáticos, geográficos e tecnológicos, que criaram condições ideais para o seu cultivo”, explica André Guillaumon, CEO da BrasilAgro, uma das maiores produtoras de soja do País. Segundo Guillaumon, o Brasil oferece solo adequado e regiões com climas tropicais e subtropicais altamente propícias para o cultivo da planta. “A diversidade climática permite múltiplas safras ao ano, especialmente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul”, afirma o executivo.

Com boa adaptabilidade ao solo e retorno financeiro bastante satisfatório, a soja expandiu fronteiras rumo ao Centro-Oeste a partir da década de 1970. Pesquisas lideradas por institutos como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) melhoraram gradualmente a qualidade do grão brasileiro, que passou a ser cobiçado no mercado internacional. 

A grande disponibilidade de terras cultiváveis, muitas pesquisas e investimentos tornaram o Brasil protagonista no mercado internacional. Cidades inteiras, como Sorriso e Sinop, nasceram “no meio do nada” em Estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás e se tornaram potências agrícolas graças à soja. Na virada do milênio, o País chegou ao posto de maior produtor do mundo, que mantém até hoje. “A soja, como todo o setor de Agropecuária, mudou o Brasil, gerando desenvolvimentos econômico e social nas mais diversas regiões. Muitas cidades se expandiram em torno desses negócios rurais”, explica Rodolfo Jordão da Silva Filho, analista de Relações Institucionais do Sistema Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Mais da metade da soja brasileira, segundo ele, é produzida por cooperativas agrícolas.

Já de acordo com Guillaumon, a introdução da leguminosa no Brasil trouxe inovações tecnológicas e modernizou o Agronegócio. “Técnicas como sementes geneticamente modificadas e práticas de manejo sustentável transformaram o País em um dos maiores produtores e exportadores de soja do mundo, além de pioneiro em pesquisa e desenvolvimento no setor”, explica. “Em cem anos, a soja revolucionou a Agricultura brasileira e foi crucial para o desenvolvimento econômico”, diz o CEO da BrasilAgro. A empresa deve concluir a safra 2023/2024 com cerca de 202 mil toneladas do grão colhidas.

Em março, a Câmara dos Deputados realizou sessão solene em homenagem ao centenário. “A soja começou na cidade de Santa Rosa, em 1924. Passados cem anos, o grão está presente em todo o território nacional”, disse o deputado federal Osmar Terra (MDB/RS), na abertura do encontro, que contou com diversos representantes do setor agropecuário. 

A presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, presente no evento, destacou a importância do Agro para os bons resultados da balança comercial brasileira e enfatizou a participação da estatal no desenvolvimento da cultura centenária. “São cem anos desde o primeiro plantio de soja, no Rio Grande do Sul. Há 50 anos que a Embrapa está junto dessa cultura, participando com a pesquisa agrícola nacional”, afirmou Silvia, na ocasião.

Dentre os benefícios proporcionados pela ciência, destaca-se o aumento da produtividade. Dados da estatal apontam que, enquanto a área plantada de soja aumentou 19 vezes nos últimos 50 anos, a produção do grão ficou 38 vezes maior, no mesmo período. Segundo o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno, a produtividade da planta, que oscilava em torno de 1,7 mil quilos por hectare, nas décadas de 1960 e 1970, hoje, rende 3,6 mil quilos de grãos por hectare. 

“O Brasil tem um grande potencial para crescimento de produtividade sem precisar derrubar uma árvore sequer”, afirma Nepomuceno, referindo-se a um dos grandes desafios do Agronegócio nacional: crescimento econômico com sustentabilidade ambiental. No caso da soja, a preocupação é com a preservação de regiões como o Cerrado, em especial nas novas fronteiras agrícolas, como a área conhecida como Matopiba, que abrange partes dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

“Claro que existem problemas com desmatamento, mas são exceções. Para o produtor, não interessa a destruição do meio ambiente, até porque essa destruição compromete a sua produtividade, destaca o chefe da Embrapa Soja.

Marcus Lopes Débora Faria
Marcus Lopes Débora Faria