O Brasil encontra-se em um momento histórico de transformação do ambiente de negócios. Apesar do longo período de transição até que a Reforma Tributária esteja plenamente implantada — o prazo é 2033 —, a primeira leva de novas regras entra em vigor em 2026. Para cumpri-las, as empresas correm contra o tempo para pôr seus sistemas contábeis em dia.
Nessa corrida, os grandes negócios saem na frente. Segundo entidades, contadores e advogados tributaristas, por ora, somente eles começaram a agir e estão preparados, enquanto a maioria dos médios e, principalmente, dos pequenos precisam que correr. Embora muitos empresários ainda esperem por definições mais precisas sobre a transição para o novo sistema tributário, já há o que ser feito.
“As grandes empresas estão fazendo a lição de casa, enquanto as médias estão se informando, ao passo que as pequenas nem sabem o que está acontecendo”, afirma Sarina Manata, mestra em Direito Tributário e assessora jurídica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). “Muitos pequenos empresários pensam que basta se informar quando estiver tudo aprovado pelo governo, mas a transição é complexa e há coisas que precisam ser feitas agora, como simulações e diagnóstico de impactos”, completa.
Na avaliação de especialistas ouvidos pela Revista Problemas Brasileiros (PB), é essa preparação que protegerá o empresário de surpresas e prejuízos futuros, uma vez que as mudanças serão profundas para algumas companhias e trarão uma nova cultura para o pagamento de impostos no País.
Pesquisas realizadas recentemente reforçam a percepção de Sarina. Levantamento da Thomson Reuters, realizado entre julho e agosto de 2025 com profissionais da área Tributária, mostrou que quase um terço (35%) das empresas avançou para a fase de adaptação, enquanto 63% permanecem em estágios iniciais.
Na mesma linha, um estudo da PwC Brasil apontou que mais de 37% dos negócios se encontram na fase inicial de avaliação e, enquanto as maiores (com receita acima de R$ 5 bilhões) apresentam avanços consistentes, as menores (receita de até R$ 500 milhões) patinam nas fases iniciais de adaptação.
Antonio Carlos Santos, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis no Estado de São Paulo (Sescon-SP), reforça o coro. De acordo com ele, a Reforma Tributária traz grandes obstáculos para todos, mas complica mais a vida dos pequenos negócios. “É preciso adaptação tecnológica. A reforma exige que as empresas atualizem ERPs (sistemas de software que integram e automatizam processos), processos fiscais e emissores de documentos eletrônicos, mas sem abandonar o modelo atual. É especialmente complicado em estruturas reduzidas”, explica.
A Reforma Tributária substituirá uma complexa rede de tributos federais, estaduais e municipais por um único encargo, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), estadual e municipal. O Imposto Seletivo (IS) também foi criado para tributar produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
No cronograma de transição, a primeira fase — que entra em vigor em janeiro de 2026 — será de testes, mas exige um novo modelo de nota fiscal, que já contenha os campos do IBS e da CBS, ainda com alíquotas simbólicas. Em 2027, passam a valer as alíquotas definitivas da CBS, que substituirá o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Entre 2029 e 2032, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), estadual, e o Imposto sobre Serviços (ISS), municipal, começam a ser substituídos, progressivamente, pelo IBS. Tudo para que, em 2033, ocorra a consolidação total do novo sistema tributário.
O presidente do Sescon reforça que, mesmo que 2026 seja um ano de testes, a empresa que não tiver as notas fiscais preparadas em janeiro estará mais vulnerável a riscos futuros, com incertezas dos processos necessários para quando o teste acabar.
Como a primeira ação necessária refere-se às notas fiscais, essa tem sido a principal preocupação. E já há problemas. Tanto empresários quanto demais profissionais envolvidos no tema relatam que muitas empresas responsáveis pelos sistemas, bem como softwares de emissão de notas, ainda não se adaptaram.
“Usamos cinco sistemas diferentes e nenhum deles está 100%. Um deles, amplamente adotado por pequenas empresas, tinha previsão de entrega no começo de dezembro, mas ainda não está pronto”, relata o contador Julio Cesar Ramos Lopes, sócio da Cedois Contabilidade, que atende principalmente a pequenos e médios negócios. Segundo ele, 99% dos clientes já procuraram o escritório com dúvidas, mas a demora na atualização dos softwares dificulta orientações mais assertivas.
Sarina lembra que o governo havia definido o dia 6 de janeiro como a data para que as notas fiscais sem os novos campos deixassem de ser aceitas. No entanto, voltou atrás diante das dificuldades e afirmou que não haverá rejeição. “Mas isso não diminui a importância de se fazer a adaptação o quanto antes, pois é a partir dos testes que a alíquota de referência será calibrada”, afirma.
Diante da falta de informação e dos muitos pontos que aguardam definição, um dos principais temores do empresariado é que a reforma traga, na prática, um aumento da carga tributária, além da elevação de custos e efeitos na estrutura financeira. Lopes, por exemplo, conta que a pergunta que mais ouve de seus clientes é: “Terei de pagar mais impostos?”.
Na mesma linha, Marcos Matsunaga, sócio do FCAM Advogados — que atende a grandes e médias empresas — relata que percebe um consenso entre os empresários. Eles acreditam que, em médio e longo prazos, o ambiente tributário deve melhorar, ainda que agora seja necessário investir. “No entanto, quando vamos para as médias e pequenas, existe um temor generalizado de que a situação possa piorar. Há falta de informação e circula a narrativa de que a reforma vai aumentar a carga, o que não é verdade”, alerta, lembrando que um dos objetivos da reforma é justamente eliminar distorções e a cumulatividade de impostos.
Mas a alíquota do IVA ainda não foi definida e estima-se que fique em torno de 28%. Esse porcentual representa mais do que é pago atualmente por companhias de determinados setores. “Para algumas empresas, não muda quase nada. O desafio é maior para quem não estava na lógica do ICMS, do IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] ou alguns segmentos específicos. Uma empresa que fornece serviços de tecnologia, com carga tributária menor, de 7%, pode passar para 28%”, exemplifica.
Outro fator que deve ser considerado é que o novo sistema prevê a geração de créditos compensatórios — o imposto pago na etapa anterior gera valor a receber na etapa seguinte, beneficiando aquelas empresas que atuam como fornecedoras de outras, no chamado B2B. Transações com o consumidor final não geram créditos. Mas, para receber o crédito, é preciso o efetivo pagamento do tributo pelo fornecedor — por isso a importância de mapear a cadeia e rever preços e contratos agora.
O aumento da carga tributária e como equacionar maiores custos são as preocupações de Antônio Deliza Neto, diretor da Pipocopos — empresa de artigos de festas e embalagens — e presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Araraquara (Sincomercio Araraquara). Segundo o empresário, há previsão de reajustes de preços de seu fornecedor de tecnologia e dos contadores. Ele também considera a contratação de consultoria especializada para se adaptar às mudanças fiscais. “O consumidor sempre quer pagar menos, e ainda não sabemos como vai ficar. Os contadores também não sabem. Se tivermos aumento de carga e custos, aumentará o preço final”, ressalta.
Na avaliação de Deliza Neto, as empresas terão de ser mais eficientes na precificação de produtos e na gestão financeira, principalmente quando começar a funcionar o mecanismo de split payment, a partir de 2027. De olho nisso, a Pipocopos já treina os colaboradores e vem buscando adequar os fornecedores às novas regras.
Atualmente, quando uma empresa vende um produto ou serviço, recebe o valor total, para depois de alguns dias pagar os impostos. Com o split payment, o recolhimento de impostos será feito de forma instantânea, assim que o pagamento é realizado e a nota fiscal emitida, e a empresa vendedora recebe o valor líquido. Dessa forma, quem utilizava o prazo entre a venda e o vencimento do tributo para fazer capital de giro deve se reorganizar.
Outro ponto de atenção é quando o fornecedor é uma empresa inscrita no Simples Nacional. Quem fatura até R$ 4,8 milhões por ano poderá optar por continuar no Simples ou adotar um sistema híbrido, no qual também poderá gerar créditos.
Segundo Sarina, da FecomercioSP, a avaliação é fundamental. “Quem atua no B2B pode perder clientes e competividade se seguir no Simples. Uma empresa grande vai preferir comprar de um pequeno empresário que possa gerar créditos. Então, mesmo que a carga tributária aumente, talvez seja importante mudar”, sugere.
João Eloi Olenike, presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), considera que o novo sistema tributário vai dificultar “manobras fiscais”, como nos casos de empresas que abrem outros negócios semelhantes ao original para não extrapolar o faturamento permitido no Simples. “Essas empresas tendem a desaparecer, porque a Receita Federal terá instrumentos para identificar casos assim. Também prevemos que a sonegação vai diminuir. Quando estiver pronto, será um supersistema, o governo está criando um ‘Big Brother fiscal’”, elogia.
Empresas que dependem de incentivos fiscais de Estados e municípios e/ou atuam no setor logístico, também estão entre aquelas que devem sentir mais, uma vez que a reforma muda a lógica geográfica da cobrança de tributos.
No modelo atual, o imposto fica no Estado de origem do produto ou serviço, o que gera a chamada guerra fiscal, com Estados oferecendo isenções para atrair empresas. Com a alteração, a cobrança será feita no destino, onde o consumidor está.
“O impacto não é para agora, mas a mudança de uma malha logística demora, não dá para desmobilizar a operação de um centro de distribuição de um dia para o outro. As empresas que não tiverem, agora, a visão de quão ineficiente pode ser sua operação terão dificuldades”, pontua Matsunaga, do FCAM Advogados. O advogado vê a reforma “como uma mudança organizacional e estrutural para que o projeto tributário tenha sucesso”. Frente a tantas dúvidas do empresariado, o seu escritório já viu a demanda crescer em 2025, o que deve se sustentar ao longo de 2026.
Mesmo complicada, a fase de adaptação é essencial para o que vem pela frente — uma vida tributária menos complicada. “A reforma traz uma mudança de cultura, e isso leva tempo. Acredito que, no futuro, os empresários não terão mais que discutir onde encaixar o seu negócio, porque a tributação é complexa”, opina Lopes, da Cedois.