Já faz alguns anos que o Brasil reforça sua meta ambiental mais ambiciosa: zerar o desmatamento até 2030. De acordo com o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, esse não é um objetivo difícil de alcançar. Ao contrário, é factível, mesmo considerando a necessidade de exportar bens agrícolas para manter o equilíbrio econômico. “Recuperando áreas já desmatadas e abandonadas, poderemos dobrar a produção de alimentos no Brasil, sem avançar nenhum palmo sobre terras preservadas”, afirma. Para Astrini, a outra grande meta ambiental brasileira — a de diminuir as emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) em 43% até 2030 — não apenas é bem possível, como também pouco ambiciosa.
O grande avanço é exatamente haver a NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada, do inglês Nationally Determined Contribution] e o Brasil definir a contribuição com consulta pública. Mas em termos de emissões de carbono, tanto o Brasil quanto o restante do planeta não apresentaram grandes avanços. As NDCs são promessas que os países depositam na Organização das Nações Unidas (ONU) para divulgar o que farão para tentar resolver o problema do clima. Se todas essas promessas forem cumpridas, a temperatura global ainda aumentará entre 2,5°C e 2,7°C em relação à era pré-industrial, quando o ideal é limitar esse aumento a 1,5°C. Portanto, o resumo é o seguinte: se tudo der certo, dará tudo errado, porque as promessas são insuficientes.
São três os principais setores da economia que contam de forma definitiva no Brasil: Energia — principalmente transporte, transporte de carga e transporte pesado —, que aumenta constantemente as emissões; e Agricultura e Pecuária, que também vêm emitindo cada vez mais e avançam sobre florestas e outras áreas de vegetação. O desmatamento associado à Agropecuária faz com que esse setor tenha um grau muito alto de emissões. Então, são esses os setores que precisamos atacar de forma definitiva para reduzir as emissões no Brasil. A boa notícia é que temos como fazer isso, não apenas desenvolvendo o País como também tirando vantagens econômicas e produtivas dessa redução.
O Brasil tem essa possibilidade de fazer, e bem-feito. E, por meio dessa realização, ser um exemplo para os outros países, mostrar como é possível. O Brasil não é uma grande potência econômica capaz de preparar uma revolução climática no planeta. O que temos de valor nessa agenda é que somos capazes de oferecer soluções. Se o País quiser realmente ser líder na agenda climática, precisará levá-la muito a sério e incorporá-la em todo o programa de desenvolvimento dessa questão. Enquanto estivermos desassociando o clima e a agenda socioambiental do desenvolvimento e dos planos de avanço econômico, não conseguiremos aproveitar a vantagem que temos na área. O Brasil quer ser o grande campeão da agenda climática, e é possível ser um dos grandes exemplos globais, mas isso não vai acontecer se continuar com o discurso de explorar petróleo até a última gota. Em outras palavras, não é possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo.
O desmatamento é o principal fator de emissão do Brasil. Foi publicado um relatório mostrando que houve uma queda na Amazônia, mas no Cerrado subiu muito. É importante conhecer os impactos climáticos do desmatamento para o bioma, porque sabemos que não são apenas efeitos locais. Quando o Cerrado é desmatado, há emissão de GEE. Outro problema é que o Cerrado é um berço das águas que alimentam o Pantanal e diversos rios Brasil afora. Então, quando há desmatamento nessa região, as nascentes dos rios são condenadas, condenando exatamente a distribuição hidrológica ao redor do País. A biodiversidade também é extremamente afetada, pois o encolhimento das áreas de mata confina espécies nas regiões que não oferecem capacidade de sobrevivência para elas.
É importante dizer que zerar não significa que não haverá qualquer tipo de desmatamento, mas que, se houver, será compensado com reflorestamento ou ações de conservação em outros lugares. Essa meta é possível de ser cumprida? Sim, é quantificável e temos tecnologia para isso. Recuperando áreas já desmatadas e abandonadas, poderemos dobrar a produção de alimentos no Brasil, sem avançar nenhum palmo sobre terras preservadas.
A Amazônia Legal [região constituída por Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Tocantins] representa cerca de metade do Brasil. E qual é o plano para essa área? Onde colocar indústrias? Onde ter infraestrutura? O que será regularizado? O que será protegido? O que pode e o que não pode ser feito? Onde? Nós não temos um planejamento. Não há um programa de incentivo sequer, uma legislação. Aquela terra é de ninguém, de quem chegar primeiro, um caos fundiário. E, em meio ao caos, não há ordenamentos econômico e jurídico, não há segurança para as pessoas, tampouco geração de emprego. Não há um plano para a tomada daquela área ou para recuperar o que já foi desmatado. Precisamos de investimento pesado, estatal, e de um modelo de crescimento para a região.
É factível — e pouco ambicioso, inclusive. Atingiríamos essa meta apenas acabando com o desmatamento, na sua grande maioria, na Amazônia. O Brasil tem possibilidade de ser carbono negativo antes de 2050. E ser uma grande economia com carbono negativo, num planeta em crise climática, deixa o País em uma posição de solução climática extremamente privilegiada e única no mundo. A base das nossas emissões está no desmatamento. Então, zerá-lo significa deixar de emitir. Além disso, há um ganho de áreas que vão se regenerar, e floresta crescendo significa captura de carbono.
É preciso dispor de planos mais robustos, não apenas para combater o desmatamento, como também para investir na economia da floresta viva. Isso vai inibir a desflorestação e a destruição, porque o que temos hoje é uma luta contra o crime que lucra com a derrubada da floresta, enquanto há pouco lucro com a sua manutenção. Inibe-se quem gera, criminalmente, dinheiro com a destruição, mas não há incentivo para gerar dinheiro com a preservação. Essa é a grande diferença, pois temos uma série de riquezas em forma de frutos, tecnologia natural para cosméticos, biotecnologia, bioinsumos — tudo na natureza.
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