Nas primeiras horas de uma manhã de outubro, a B.E. Lindholm, uma draga Hopper de 3,5 mil toneladas, completou sua jornada de dez dias entre o Estado da Virgínia, nos Estados Unidos, e Manaus (AM). Sua missão? Tornar o maior rio do mundo ainda maior.
O Brasil enfrenta a pior seca em décadas, e algumas comunidades na Amazônia ficaram ilhadas, já que muitos rios da região não estão mais navegáveis. A vasta faixa de terra que compõe a Amazônia brasileira — uma área do tamanho da França, da Espanha e da Suécia juntas — é conectada principalmente por rios, não por estradas. Por isso, uma estiagem severa como a deste ano pode deixar regiões inteiras isoladas do resto do País.
Nesse contexto, Manaus é de suma importância, servindo como um centro de abastecimento para a maior parte da Região Norte. Qualquer interrupção na navegabilidade dos rios que passam pela capital amazonense pode causar grandes repercussões.
O rio Amazonas tem, nas proximidades da capital do Estado, dois gargalos famosos durante a estação seca: as curvas da enseada do Rio Madeira e a Costa do Tabocal, a cerca de 200 quilômetros rio abaixo da cidade. “Esses dois pontos tendem a acumular sedimentos. Durante a estiagem, os rios ficam abaixo do nível necessário para que os navios possam navegar”, explica Luiz Fernando Resano, diretor-executivo da Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (Abac).
Resano detalha que a maioria dos grandes navios de carga que utilizam os portos de Manaus requer que os níveis dos rios estejam em torno de oito metros. Em 13 de outubro, nos arredores do Tabocal, o rio mais poderoso do mundo estava 14 centímetros abaixo de seu ponto de referência — o nível mais baixo já registrado. Durante a estação de chuvas, esse trecho do Amazonas, perto da Costa do Tabocal, normalmente, tem de 10 a 12 metros de profundidade a mais do que agora.
A B.E. Lindholm foi trazida dos Estados Unidos — contratada pela empresa brasileira DTA Engenharia, que detém o contrato com o Governo do Estado do Amazonas — para dragar esses dois pontos críticos, a um custo de R$ 118,9 milhões, com a expectativa de garantir o acesso ao Porto de Manaus. A previsão é que a obra, que teve início em 21 de outubro, seja concluída em aproximadamente 45 dias.
Outros pontos de dragagem estão mais a oeste, onde a imponente via fluvial é conhecida como Rio Solimões. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informou ao The Brazilian Report que as operações ocorrerão entre as cidades de Coari e Codajás; Tabatinga e Benjamin Constant; e Benjamin Constant e São Paulo de Olivença.
No entanto, rios perto de Manaus, e em outras partes da Amazônia brasileira, estão em alerta há meses, levantando dúvidas sobre o porquê de as obras de dragagem não terem sido confirmadas, contratadas e concluídas muito tempo antes. Em abril, o diretor de Infraestrutura Aquária do Dnit, Erick Moura, disse que as obras começariam “em agosto ou setembro”. Obstáculos burocráticos, ao que parece, atrasaram o processo. “Fazer a dragagem antes do início da seca e a batimetria regular teriam nos proporcionado condições melhores para navegar agora”, ressalta Resano.
O atraso é ainda mais desconcertante quando se considera a gravidade da seca do ano passado, que levou à escassez de suprimentos e emergências em todo o Estado. A natureza centralizadora de Manaus significa que, quando a cidade não pode receber navios em seus portos, abastecimentos importantes não podem ser enviados para partes mais remotas da região, tampouco para unidades de saúde flutuantes, bancos e outros serviços essenciais.
Solução temporária
No entanto, apesar dos níveis de água mais baixos do que no ano passado, a situação perto de Manaus não parece tão dramática desta vez — pelo menos por enquanto. “Nossos navios não ficaram encalhados ou presos, embora tenha havido alguma escassez de suprimentos”, pontua Resano.
Uma das razões para essa redução foi a decisão, das empresas de terminais portuários de Manaus, de instalar portos temporários fora da cidade, rio abaixo dos gargalos do Tabocal e da Enseada do Madeira, com o objetivo de garantir que pelo menos parte do transporte de cargas pudesse continuar durante os períodos mais secos do ano. “É claro que essas operações têm um custo”, pondera Wilson Lima, governador do Estado do Amazonas. “Mas reduzem significativamente as perdas quando comparadas ao que aconteceu no ano passado, quando os terminais portuários ficaram fechados por praticamente dois meses inteiros”, enfatiza.
O Brasil todo sofre quando os terminais portuários de Manaus param. A cidade abriga a única zona franca do País, com fábricas de várias empresas multinacionais, como Coca-Cola, Samsung, Panasonic, Procter & Gamble e Honda. Em torno de 30 mil contêineres são movimentados nos portos de Manaus todos os meses.
A dragagem é segura?
A técnica de dragagem é vista como uma solução padrão para os rios durante as secas, fornecendo uma maneira relativamente rápida e eficaz de ajudar as comunidades ribeirinhas ilhadas. A prática, no entanto, não é livre de riscos. O processo de remover sedimentos dos leitos dos rios, e transportá-los para outro lugar, pode liberar na água metais tóxicos como o mercúrio — usado durante décadas na Amazônia pelo garimpo ilegal de ouro —, o que pode contaminar e prejudicar os ecossistemas aquáticos e trazer riscos para as comunidades ribeirinhas que dependem deles.
Além disso, existem diferentes formas de dragagem, algumas mais eficientes do que outras. Enquanto as embarcações disponíveis no Brasil servem apenas para empurrar sedimentos, as chamadas dragas Hopper — como a B.E. Lindholm — sugam sedimentos para depositá-los em outro lugar, oferecendo uma solução mais efetiva.