Simplificar para valer a pena

22 de maio de 2023

Pauta prioritária do Congresso neste ano, a discussão da Reforma Tributária tem movimentado opiniões acerca de alternativas que conjuguem melhorias para o contribuinte e o setor produtivo – contemplando aspectos da digitalização da economia e do crescimento do setor de serviços.

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Na análise de especialistas em tributação, realizar uma reforma ampla, além de historicamente difícil em contextos de crise e recuperação econômica, esbarra no conflito sobre a arrecadação de impostos entre União, Estados e municípios. O longo debate em busca de uma nova regra perfeita acaba postergando um modelo que não representa um entrave econômico. O Canal UM BRASIL e a Revista PB — realizações da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) —, vêm há anos discutindo o tema por diversos ângulos.

As empresas esperam há décadas uma simplificação que reduza a quantidade de horas, de pessoal e de recursos necessários para se manterem em dia com tantas obrigações da legislação tributária. Do lado dos investidores, há a expectativa por compromissos evidentes do governo com regras fiscais e tributárias duradouras e claras, evitando, assim, o excesso de judicialização.

O possível aumento de impostos preocupa o setor produtivo. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45, por exemplo, pode acarretar, somente para o setor de serviços, uma alta de até 188%, segundo cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) caso o texto estabeleça um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) federal (unificação do PIS e da Cofins).

Além disso, nove em cada dez empresas brasileiras estão sob o regime do Simples Nacional, para as quais as PECs 45 e 110 não trariam nenhuma simplificação adicional (de acordo com o texto atual), mas aumento de carga, pois não permitiriam a transferência de créditos para quem mantém o recolhimento unificado.

O volume e a sobreposição de obrigações acessórias é uma antiga preocupação dos empresários, lembra a tributarista Ana Carolina Monguilod. “É comum uma mesma empresa ter de informar várias vezes as mesmas coisas a diferentes entes. Os fiscos deveriam abraçar essa missão, porque o que importa é receber a informação uma vez. O simples fato de haver tantos tributos também gera muita confusão na hora de as empresas recolherem os próprios tributos. O ICMS estadual tem legislações diversas em certos Estados, e o PIS e a Cofins trouxeram uma complexidade sem tamanho para nosso sistema tributário ao mudar o regime para não cumulativo.”

Discussão recorrente nos tribunais de Justiça, a complexidade na arrecadação do ICMS e no ISS despende de tempo e recursos do meio empresarial. Fabio Pina, assessor econômico da FecomercioSP, salienta que o  ICMS conta com 27 legislações, o que dificulta o dia a dia de quem opera em mais de um Estado. “O ISS tem mais de 5 mil legislações, são 5 mil municípios. Claro que ao fazer uma simplificação, 90% estariam aí, mas não é o proposto”, explica.

O tempo de transição também deve ter diretrizes bem definidas, pois já há a possibilidade de existência de dois sistemas tributários funcionando ao mesmo tempo, caso a reforma em tramitação no Congresso avance da maneira que está. “A gente tem de lembrar que não será do dia para a noite que vai sumir esse sistema [atual] e um novo vai entrar. Vamos conviver com dois sistemas. É bem complicado”, destaca Pina. 

Freios necessários

O Brasil vem aumentando a carga tributária desde a década de 1990 — avaliada em mais de 33,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 —, sem reflexos positivos no crescimento econômico, no superávit fiscal, na queda da relação da dívida pública sobre o PIB ou melhoria da eficiência estatal. Há anos, o País enfrenta déficit nas contas públicas sem perspectivas de mudanças nos métodos orçamentários.

Caso o arcabouço fiscal recém-apresentado pelo governo, atrelado ao aumento de receitas, seja aprovado sem alterações nos gatilhos de despesas, há a tendência de alto crescimento do gasto público a partir de 2024. Na prática, a proposta do governo é que as despesas possam crescer até 70% em relação às receitas. Em outras palavras, se a arrecadação sobe, por exemplo, 3%, o governo poderá aumentar as despesas reais em 2,1% (70% das receitas), mas sempre com um crescimento limitado a um aumento entre 0,6% e 2,5% acima da inflação. Já se a receita crescer 5% em termos reais, em vez de o aumento das despesas ser de 3,5% (70%), o governo estaria limitado à expansão máxima de 2,5%.

O governo também quer zerar o déficit orçamentário (diferença entre o que se arrecada e o que se gasta, desconsiderando o pagamento de juros da dívida pública) até 2024. Para 2023, a meta de déficit é de 0,5% do PIB, com evolução gradual até um superávit de 1% em 2026. Todos com banda de 0,25 ponto porcentual (p.p.) para cima e para baixo. Quando essa meta específica não for atingida, o limitador do aumento de gastos passará de 70% para 50% em relação ao total arrecadado.

O impacto do arcabouço, no entanto, tende gerar uma melhora lenta do resultado primário (a diferença entre o que o governo arrecada e gasta). A conclusão é do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), que analisou como as finanças públicas evoluirão nos próximos anos condicionadas à nova regra fiscal em debate no Congresso. Em outras palavras, nem mesmo uma reforma ampla do sistema tributário teria condições de reduzir a carga diante dos mecanismos de despesa planejados pelo Executivo.

Nove em cada dez empresas brasileiras estão sob o regime do Simples Nacional, para as quais as PECs 45 e 110 não trariam nenhuma simplificação adicional.

Despesa alta, muitos impostos

“Na verdade, a nossa carga equivale à de países desenvolvidos. Não dá para desejarmos um Estado social europeu com todos os benefícios do mundo sem imposto. Ou temos um Estado mais enxuto e eficiente, e isso permitiria uma carga menor, ou temos um Estado imenso e cheio de penduricalhos, o que, necessariamente, vai gerar carga tributária grande”, diz Ana Carolina Monguilod.

Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal no governo de Fernando Henrique Cardoso, vai ao cerne da questão: a Reforma Tributária não resolve todos os nossos problemas. Maciel reforça que a atual carga é da exata altura da despesa pública. “Se [a despesa pública] for alta, a carga tributária será alta. Quando alguém pensa em reduzir a carga, olhe para a despesa. Costumo dizer que quem faz carga tributária não é imposto, é despesa”, afirma. “Não vejo movimento por reforma. Só vejo dois tipos de movimento: o imobilista, deixar tudo como está, esperar que daqui a 20 anos alguma composição do Supremo Tribunal Federal (STF) decida alguma coisa; ou uma posição que eu chamo de ‘disruptiva’, que é admitir que está tudo errado e começar do zero”, frisa. Qualquer um dos dois caminhos seria péssimo para o País.

“O manicômio tributário não se resolve sem a reforma da máquina pública, que não se trata apenas de uma modernização administrativa, mas uma rumo à eficiência”, destaca.

Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES e do IBGE. Segundo ele, estaremos “enxugando gelo” em qualquer Reforma Tributária se tivermos que correr atrás de despesas que se aceleram e se expandem acima do PIB — e a despesa pública, hoje, não cabe no PIB.

Redação PB Débora Faria
Redação PB Débora Faria