O mercado fitness parece dispor da mesma boa forma do seu significado: bem-estar, do termo em inglês. E, ao que tudo indica, deve continuar assim nos próximos anos. Os negócios ligados a atividades físicas — como academias, estúdios, lojas de suplementos, roupas e equipamentos — tiveram um boom, principalmente após a pandemia de covid-19, refletindo uma mudança de comportamento da sociedade, cada vez mais preocupada com as saúdes física e mental. De acordo com especialistas e empresários ouvidos pela Revista Problemas Brasileiros (PB), a mudança veio para ficar, com o impulso extra de influenciadores, o acesso ampliado a medicamentos contra a obesidade e o aumento da longevidade — tudo num ambiente macroeconômico ainda favorável.
O crescimento é grande, mas o potencial é ainda maior. Segundo pesquisa do Serviço Social da Indústria (Sesi), em 2023 apenas 22% da população se exercitavam todos os dias e 21% frequentavam estabelecimentos de atividade física. Já dados de 2025, do Datafolha, indicam que cerca de 50% dos brasileiros praticam atividades físicas com regularidade, dado corroborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que registrou sedentarismo em menos da metade da população (47%) em 2024.
As estatísticas chegaram ao mercado. O número de academias praticamente triplicou no Brasil na última década. Há, atualmente, 59.891 empresas ativas no segmento de atividades físicas, frente as 21.541 em 2014, de acordo com dados do Conselho Federal de Educação Física (Confef). “O aumento da preocupação com saúde e bem-estar e a busca por melhor qualidade de vida depois da pandemia, além de fatores como crescimento da renda e baixo desemprego têm estimulado o setor”, afirma Thiago Carvalho, assessor da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Para ele, mesmo uma possível desaceleração econômica, em função da elevada taxa de juros, não deve frear o segmento. A expectativa é que o setor cresça 9,5% ao ano até 2030, segundo a Credence Research. A consultoria calcula que o mercado fitness nacional movimentou cerca de R$ 12 bilhões em 2024.
O Panorama do Mercado de Atividades de Condicionamento Físico, realizado em 2024 pela unidade do Estado do Paraná do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/PR), aponta mais fatores para que o brasileiro não pare de pagar a academia: a forte competitividade no setor, que segura os preços. “O setor tem demonstrado resiliência, favorecido pelo fato de o País ter uma das mensalidades mais acessíveis do mundo, em torno de R$ 110. Portanto, a expectativa é de um avanço sustentável nos próximos anos”, projeta Elmo Silveira de Souza, consultor do Sebrae/PR.
Além do custo favorável, o segmento segue pulverizado. Apesar do sucesso de grandes redes — como Smarfit, Bluefit ou Bodytech —, das 74.427 empresas registradas na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que inclui academias e personal trainers, aproximadamente 95% são micro e pequenas. “As academias de menor porte preservam a relevância por atuarem em nichos, oferecerem atendimento personalizado e criarem vínculo com a comunidade local. A expectativa é de que as grandes continuem crescendo, mas sem comprometer a importância dos pequenos”, ressalta o Souza.
Embora as pequenas sejam maioria no oceano das academias brasileiras, as grandes redes correm para ampliar a sua fatia no mercado. Dentre elas, está a Smartfit, líder no País, que já desponta como uma das maiores do mundo. A companhia encerrou o segundo trimestre de 2025 com 1.818 unidades em 15 países, uma alta de 19% na comparação com o mesmo período de 2024. Os números fazem a empresa seguir confiante na meta de abrir de 340 a 360 academias em 2025, aceleração ante as 305 unidades adicionadas em 2024.
Já a base de clientes da rede encerrou o trimestre em 5,2 milhões. Desse total, 2,3 milhões estão no Brasil, uma alta de 7% — o que significa que 1% da população brasileira está matriculada em uma academia da rede. Com isso, a companha chegou à marca de R$ 5,58 bilhões de receita líquida no ano passado, avanço de 31% frente a 2023.
De acordo com a Smartfit, o aumento no número de clientes vem do novo olhar de um público que não mira só a estética, mas também qualidade de vida e longevidade. A empresa também destaca o impacto das canetas emagrecedoras e a expectativa de que os medicamentos fiquem mais baratos com o vencimento de patentes de grandes farmacêuticas — como a da Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, previsto para o ano que vem. “Caso a queda da patente se confirme, o acesso deve aumentar, estimulando ainda mais a procura por academias”, declara a companhia, por meio de sua assessoria de imprensa.
O crescimento da Smartfit se dá não só por meio da bandeira que dá nome à companhia, e é mais barata, mas também com a expansão da marca Bio Ritmo, do segmento premium, e o avanço de estúdios, com a recente aquisição da Velocity e do lançamento da marca OnePilates.
Ainda no segmento premium, o grupo Bodytech é outro que está otimista. Em agosto, anunciou que pretende crescer por meio de franquias em mais de cem cidades em diferentes regiões do País, após ter mapeado potencial em municípios com mais de 250 mil habitantes. Para abrir uma franquia da rede, é necessário um investimento a partir de R$ 6 milhões, por exemplo. Atualmente, o grupo tem 93 unidades no Brasil e estima faturar R$ 600 milhões neste ano, com cerca de 200 mil alunos.
Mas há quem só consiga ter acesso a academias e estúdios por meio de benefícios corporativos, outro mercado em expansão. Nele, destacam-se o Wellhub (antiga Gympass) e a TotalPass, criada pela Smartfit. Com essas plataformas, os usuários podem frequentar estabelecimentos de diferentes marcas e modalidades. De acordo com o Wellhub, os aplicativos digitais de fitness movimentaram US$ 10,6 bilhões em 2024, com previsão de crescer quase 14% ao ano até 2030.
Recentemente, a empresa deu um novo salto ao comprar o Urban Sports Club, principal plataforma corporativa da Alemanha — em uma operação de US$ 600 milhões —, o que a fez passar de 26 mil para 39 mil clientes corporativos e atingir uma rede de 97 mil parceiros, ante os 80 mil anteriores.
Segundo Ricardo Guerra, líder do Wellhub no Brasil, a companhia está bem posicionada para continuar crescendo e alega que as academias que aderem à plataforma sentem a melhoria nas finanças. “Contratos corporativos geram receita recorrente, aproveitam horários ociosos e reduzem a dependência de clientes avulsos, oferecendo estabilidade para investimentos em expansão. Como resultado, 83% dos parceiros planejam abrir novas unidades físicas no próximo ano”, ressalta.
Nesse cenário, está a recente incursão da companhia no setor de serviços financeiros, com a criação de um fundo de crédito de R$ 100 milhões destinado a academias. Pesquisas internas do Wellhub apontaram que um dos principais entraves desse segmento é o acesso ao crédito. “Lançamos a solução financeira para apoiar o crescimento e, ao mesmo tempo, medir seu impacto. Se a demanda for alta, planejamos aumentar o fundo e expandir a iniciativa para outros países”, completa Guerra.
O boom do setor não se restringe a academias e plataformas de benefícios. Dentre as redes especializadas em moda fitness, a Track&Field é nome tradicional, mas que também tem se beneficiado do maior pique do brasileiro. “Nos últimos cinco anos, tivemos crescimento consistente de vendas. Além da tendência de buscar uma vida mais saudável, as pessoas passaram a se vestir de forma mais confortável, levando a moda esportiva para o dia a dia”, conta Fernando Tracanella, CEO da empresa. No segundo trimestre de 2025, as vendas da empresa cresceram 27,8% na comparação com o mesmo trimestre de 2024, alcançando R$ 409 milhões.
O consumo de suplementos é outra tendência que só se fortalece. A Dr. Shape, rede de suplementos alimentares e artigos esportivos, espera faturar R$ 20 milhões neste ano, aumento de 17% em relação a 2024. Para 2026, os planos são mais ambiciosos, com receita de R$ 33 milhões, 65% acima da estimativa para 2025. Isso porque, além de aproveitar o crescimento do mercado fitness, a empresa lançou um novo formato de franquias, com máquinas de autoatendimento.
Além das 18 lojas físicas que pretende inaugurar até 2026, prevê abrir cem unidades de microfranquias no período. “O varejo muda rápido e temos de estar onde o cliente circula. Os totens vão disponibilizar os produtos mais vendidos. Sem vendedor, não há custos de uma loja e os equipamentos podem estar em academias, prédios comerciais ou condomínios”, explica Felipe Kalaes, sócio da Dr. Shape. O novo formato pretende chegar aos clientes que costumam comprar vitaminas e suplementos em grandes e-commerces, como Amazon e Mercado Livre, que oferecem melhores preços.
Fora do comércio eletrônico, são as franquias que marcam presença forte no mercado de suplementos, a exemplo a própria Dr. Shape. “O segmento de saúde, beleza e bem-estar corresponde a cerca de 18% do setor de franchising brasileiro e vem ganhando mais espaço. Hoje, quem busca investir em franquia enxerga no setor uma oportunidade consistente, com recorrência de consumo”, avalia Claudia Vobeto, diretora de Capacitação e da Comissão de Saúde, Beleza e Bem-Estar da Associação Brasileira de Franchising (ABF). Segundo a diretora, no segundo trimestre, o segmento cresceu mais de 12,5% frente ao mesmo trimestre de 2024, com faturamento de R$ 18,3 bilhões.
Para a diretora, embora o mercado fitness ainda tenha muitas operações independentes e de pequeno porte, há uma tendência de consolidação, com formatos mais enxutos e especializados, como estúdios-butique, academias de nicho ou modalidades específicas, além de operações que unem espaço físico e acompanhamento digital.
Nem todo mundo busca mais saúde em ambientes fechados. O aumento dos eventos esportivos de rua, como corridas e competições de ciclismo, abriu caminho para o mercado de assessorias esportivas. Em 2024, foram realizadas 2.827 corridas de rua oficiais no Brasil, alta de 29% em comparação com 2023, de acordo com a Associação Brasileira de Organizadores de Corridas de Rua e Esportes Outdoor (Abraceo). São competições para atender dos iniciantes nos treinos aos mais experientes, de diferentes faixas etárias, homens e mulheres dispostos a pagar inscrições e viajar para participar das competições. E muitos buscam nas assessorias esportivas formas de chegar a melhores resultados com auxílio profissional.
William Castanho, fundador do clube Escalera CC, assessoria voltada para ciclistas, é um dos que notam o aumento na procura. “Começamos em 2020, éramos de um clube que decidiu fechar na pandemia. Por insistência de alguns associados, fundamos o Escalera. No início, eram apenas 18 associados. Hoje, são 200”, compara.
Segundo Castanho, as assessorias vieram para ficar por agregarem conhecimento técnico e segurança para quem pratica esportes, seja o ciclismo, seja a corrida, seja outra atividade — como o triatlo e a natação. Também é nítido, pontua, o interesse das grandes marcas em patrocinar eventos de rua, o que impulsiona o número de praticantes, em um ciclo positivo.