A geração “nem-nem” — como foi batizado o contingente de jovens de 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham — é tema recorrente no noticiário e preocupação de demógrafos, sociólogos e educadores, que enxergam o enorme prejuízo social da inatividade formal desses jovens. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha cerca de 10,9 milhões de nem-nem em 2022, último dado disponível. A situação é considerada crônica no País, que vê esse número piorar com o tempo. Do total dos que estão fora da escola e do mercado de trabalho, 36,45% tinham entre 25 e 29 anos.
Agora, um estudo realizado pelo economista Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), mostra o ônus para o crescimento econômico que a falta de oportunidade para esses jovens traz ao Brasil: uma perda de até 10 pontos porcentuais (p.p.) no potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ao longo de 30 anos. Taufner projetou a expansão da renda da população brasileira na faixa etária dos 25 aos 29 anos caso esses jovens alcançassem níveis melhores de escolaridade. Embora a faixa etária dos nem-nem do IBGE seja mais ampla, o estudo priorizou o grupo restrito por ser majoritariamente responsável financeiramente pelo domicílio em que vive. O restante dos nem-nem ainda é dependente (15 a 17 anos) ou está em processo de emancipação (18 a 24 anos).
A projeção do economista leva em conta o tamanho da riqueza que essa faixa etária deixa de produzir por toda a vida, principalmente considerando que a baixa escolaridade e a não inserção no mercado de trabalho, desde o início da idade economicamente ativa, comprometem a renda por toda a vida. O cálculo leva em conta a projeção de renda gerada por essa população e a correlação com o PIB. No estudo, Tafner avalia as mudanças demográficas globais para considerar o intervalo de 30 anos, já que a população estudada deve viver o auge da capacidade de trabalho e contribuição para a economia nas próximas três décadas.
Outro dado, que leva em conta a população de 18 a 24 anos e mede o efeito imediato da inatividade formal desses jovens, vem da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Segundo a entidade, nesse grupo, aqueles que não estudam nem trabalham poderiam ter contribuído com R$ 46,3 bilhões ao PIB do Brasil em 2022. Se essa parcela participasse do mercado de trabalho, o PIB poderia ter sido de R$ 10,146 trilhões, e não os R$ 10,1 trilhões registrados, um aumento de 0,46 p.p. Ainda segundo os cálculos da CNC, a cada R$ 1 de aumento na renda média, há impacto médio de R$ 1,6 milhão ao PIB como um todo. Nos Estados do Sudeste, o efeito é maior, com R$ 5,5 milhões, enquanto no Norte, de R$ 400 mil.
Embora o fenômeno seja global, o Brasil faz feio diante do mundo quando o assunto é falta de oportunidades para os jovens. O último relatório Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que o País é o segundo com a maior proporção de jovens, com idade entre 18 e 24 anos, que não estudam nem trabalham, ficando atrás apenas da África do Sul. Na faixa etária considerada, 36% dos jovens brasileiros são nem-nem, taxa que era de 20% em 2012 e inseria o País na lista dos sete piores no ranking da OCDE. Dez anos depois, o Brasil piorou na comparação com a média das nações que fazem parte da organização, que avalia a educação em 34 países-membros da OCDE, além de Brasil, África do Sul e Argentina.
“Quem não estuda nem trabalha está deixando de fazer o que se espera que um jovem faça. E na realidade brasileira, talvez se espere que ele faça as duas coisas. É quase um indicador de pobreza, só que olhando para o futuro”, avalia Marcelo Neri, diretor do FGV Social, centro vinculado à Fundação Getulio Vargas (FGV) para o estudo de políticas sociais. Neri reforça, no entanto, que dados gerais necessitam de lupa para serem interpretados, uma vez que o fator classe é determinante nas estatísticas. Afinal, 61,2% dos 10,9 milhões de nem-nem calculados pelo IBGE são pobres. Considerando os lares 10% mais pobres do Brasil, metade dos moradores de 15 a 29 anos estava sem estudo ou emprego. Esse porcentual cai para 7,1% entre as moradias mais ricas.
Segundo a socióloga Camila Ikuta, mestre e doutoranda em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), discutir a questão começa pela sua nomenclatura. “O termo ‘nem-nem’ é inapropriado e insuficiente para analisar a situação. É mais adequado se referir a esses jovens como ‘sem-sem’, sem trabalhar e sem estudar”, afirma. A especialista avalia que, na verdade, a maior parte desses jovens não está nessa condição por desejo pessoal, mas porque procuram trabalho e não encontram oportunidades, ou não conseguem trabalhar e/ou estudar porque precisam desempenhar outras atividades, como o cuidado de pessoas e tarefas domésticas. “Além dos impactos sociais e econômicos que se traduzem na perda de anos de estudo, para uma grande camada de jovens há impactos também à composição da renda familiar, uma vez que, no Brasil, os jovens iniciam a vida laboral muito cedo, e geralmente o fazem para ajudar no sustento das famílias”, explica. Outro impacto, de acordo com a socióloga, se dá sobre a trajetória profissional, já que o início precário e instável influencia o tipo de ocupação que será desempenhada durante toda a vida adulta.
Camila reforça, ainda, o peso da desigualdade nas estatísticas. Uma pesquisa realizada pelo Dieese, confirma que o perfil dos sem-sem varia conforme a renda familiar: do total de jovens de famílias mais humildes, 24% estavam nessa situação. Entre os de famílias mais ricas, eram apenas 6%. “Quando comparamos jovens de famílias ricas e pobres, há uma grande diferença nos motivos para não estudar ou trabalhar”, explica. No caso das famílias mais ricas, os jovens conseguem se preparar com tranquilidade para ingressar na educação superior, por exemplo, realizando cursos pré-vestibulares, sem a necessidade de trabalhar. Já os jovens de famílias humildes têm mais dificuldades nessa etapa, pois buscam ocupação desde cedo e conjuntamente com os estudos.
Evasão escolar no centro
Há cem anos, no texto de 1924, a Constituição brasileira garantia a edução primária como um direito dos cidadãos e um dever do Estado. Já a Carta de 1988 ampliou o alcance, determinando que o Estado deve prover educação em todos os níveis de formação. No entanto, o Censo Escolar de 2023 mostra que 8,8 milhões de brasileiros de 18 a 30 anos não concluíram a escola. Considerando todas as faixas etárias, são 68,1 milhões sem a escolarização básica. O ensino médio é o campeão da evasão escolar, em que 7% dos alunos do primeiro ano desistiram dos estudos e 4,1% foram reprovados.
A maioria, no entanto, tem vontade de voltar às salas de aula, segundo a pesquisa Juventudes Fora da Escola, realizada pela Fundação Roberto Marinho em parceria com o Itaú Educação e Trabalho e o Datafolha. Os resultados mostra que 73% dos jovens que deixaram os estudos têm intenção de concluir a educação básica. Contudo, a prevalência desse desejo fica menor conforme o tempo passa: entre quem tem 15 a 19 anos, a intenção de voltar é de 79%, caindo para 68% entre aqueles com 25 a 29 anos — justamente a faixa etária abordada no estudo de Tafner.
A necessidade de trabalhar foi a razão mais citada (41,7%) para o abandono da escola, justificativa mencionada por 53,4% dos homens e 25,5% das mulheres que deixaram de estudar. A falta de interesse nos estudos é o segundo principal motivo citado pelos homens (25,5%). A taxa entre as mulheres é de 20,7%. No caso das mulheres, é a gravidez que aparece como segundo principal motivo (23,1%). Na sequência, com 9,5%, elas citaram que “tinham de realizar afazeres domésticos ou cuidar de pessoas”. Só 0,8% dos homens citou essa razão.
Questão de gênero
O desemprego no Brasil atinge 5,2 milhões de jovens entre 14 e 24 anos, a maioria mulheres, pretos e pardos. Os números são da Subsecretaria de Estatísticas e Estudos do Trabalho, do Ministério do Trabalho, que cruzou dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do IBGE. Dentre os desocupados, 52% são mulheres e 66% são pretos e pardos. Nesse levantamento, os nem-nem somam 7,1 milhões e, do total, 60% são mulheres, a maioria com filhos pequenos, enquanto 68% são pretos e pardos.
“A maioria nessa situação é formada por jovens mulheres e negras, que estão, na verdade, exercendo trabalhos muito importantes e não reconhecidos como deveriam na sociedade: os de cuidado com pessoas e de tarefas domésticas”, reforça Camila, do Dieese. Então, para essas mulheres, ainda há o impacto adicional dessas barreiras, pelo não compartilhamento de responsabilidades, pelo machismo e pela discriminação, impedindo-as de seguir estudando e crescer profissionalmente. “Essas jovens, na verdade, precisaram sair do mercado de trabalho e desistir da busca por uma ocupação (ou de estudar) para exercer o cuidado de pessoas, seja com os filhos, seja com outras pessoas da família, como idosos e enfermos, além de afazeres domésticos. Todos papéis impostos historicamente às mulheres na sociedade”, reforça.
Vale lembrar que um quinto das meninas brasileiras que engravidam na adolescência afirma não saber como evitar filhos — e a mesma fração volta a engravidar antes de atingir a maioridade, segundo uma pesquisa do Ministério da Saúde, que entrevistou 1.177 mulheres, das cinco regiões do País, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS).