Os jovens não são mais como eram antigamente. A chamada geração Z — dos nascidos entre 1997 e 2012 e que agora têm entre 13 e 28 anos — inclui desde meninas e meninos dando os primeiros passos na adolescência a jovens já estabelecidos no mercado de trabalho, iniciando as próprias famílias, mas ainda às voltas com o ser adulto. Em comum, cresceram imersos na tecnologia, familiarizados com computadores, internet e dispositivos eletrônicos. Geralmente, também sentem os efeitos da conexão que os mantém num fluxo constante de informações, mas cada vez mais isolados socialmente do mundo real, em ansiedade constante. Um desafio para eles — e para quem lida com eles nos mais diversos espaços.
Os jovens não são um grupo à parte: fazem parte do tecido social, convivem com as outras gerações, mas carregam consigo uma visão de mundo diferente da vista nas gerações anteriores. Dos mais velhos, recebem rótulos nada estimulantes, como preguiçosos, distraídos, desinteressados, a geração “mi-mi-mi”. Mas, para começo de conversa, a data de nascimento pode ser a única coisa que defina a juventude como massa uniforme. Gênero, raça e origem social tornam os jovens um grupo etário heterogêneo em essência. E, contradizendo o senso comum, alimentam, sim, uma série de interesses, iniciativas e ambições.
Se em gerações anteriores o conflito geracional se dava especialmente dentro de casa, o mundo do trabalho pode ser visto como o atual campo de embate, seja nas divergências com chefias e autoridades — daqueles que já embarcaram na vida adulta —, seja nas ambições dos que ainda estão na escola. É uma geração em que a antes tão desejada estabilidade do emprego formal vem perdendo popularidade, inclusive com o desprezo pela CLT.
Uma pesquisa do Datafolha indica que, entre os jovens com idades entre 16 e 24 anos, a quantidade de pessoas que preferem ter carteira assinada em vez de trabalhar por conta própria caiu de 82% para 66%, comparando medições nos anos de 2022 e 2025. Entretanto, o ponto que passa despercebido é que nem sempre a decisão de não buscar um emprego com carteira assinada é uma simples rejeição ao modelo.
Rozana Barroso, de 26 anos, trabalha desde os 14 e nunca teve carteira assinada. “Comecei como camelô, depois fui vender títulos de capitalização. Eram, na verdade, subempregos. Por muito tempo, eu sonhava, sim, em ter mais estabilidade”, conta. Na falta de boas oportunidades de emprego formal, acabou empreendendo e, hoje, é sócia de uma empresa de gestão de comunicação em redes sociais, a Odô Mídias, e de uma loja virtual de camisetas. “Acho que os jovens acabam associando o regime CLT à escala 6×1, a passar horas num transporte público superlotado e, muitas vezes, desconhecem os direitos trabalhistas. Não acho que o problema seja a carteira assinada, mas a falta de qualidade de vida, de direito à cidade”, argumenta a jovem. Muitos acabam, então, perseguindo uma miragem que vem do outro lado da tela, de uma vida mais fácil, com altos ganhos e rotina flexível. “A figura do influencer digital, que vende a vida perfeita, tem grande apelo nessa geração. Mas vendem como se fosse uma coisa fácil. E não é”, pontua Rozana.
Mesmo diante do menor desemprego na série histórica, a desocupação entre os jovens mantém-se mais alta que em outras faixas etárias. No segundo trimestre de 2025, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa geral era de 5,8% e de 12% entre jovens de 18 a 24 anos. Ainda assim, a idealização que vem das redes e a rejeição ao molde mais tradicional de trabalho vêm se traduzindo em dificuldade de recrutamento para os empregadores.
A falta de mão de obra começa a preocupar, sobretudo no varejo, a porta de muitos para o mundo do trabalho. Na avaliação de Kelly Carvalho, do Conselho de Economia Digital e Inovação da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), é mesmo difícil alinhar as expectativas dos dois lados. “Não é que os jovens sejam menos comprometidos. Eles buscam um equilíbrio entre vidas pessoal e profissional. Para o empregador conquistá-lo, é importante ter o foco mais em resultados do que em jornadas a serem cumpridas”, avalia. Portanto, quem puder oferecer mais flexibilidade tem mais chances de encontrar bons trabalhadores. “Adotar um modelo híbrido pode ser difícil para as pequenas empresas, mas deve-se pensar que já existe uma integração entre canais físicos e digitais, o que pode permitir certa flexibilidade”, pondera Kelly.
Ela também recomenda atitudes que ajudam no relacionamento com a geração Z, como deixar claro quais são os valores da empresa e mostrar como cada trabalho impacta positivamente a sociedade. Dar feedbacks constantes, sem esperar as avaliações anuais, também faz sentido para esse grupo, que está acostumado ao imediatismo. “Os processos e a forma de viver desses jovens vieram para ficar. Cada vez mais eles serão a força de trabalho, assim como a clientela. Uma companhia que não conseguir se adaptar estará com os dias contados”, opina.
O conceito de juventude ganhou força no fim do século 18, quando as transformações sociais consolidaram essa fase da vida como um momento de mudanças e definições em busca de felicidade e um modo autêntico de ser que, mesmo em outros tempos, sempre foi motivo de conflito com quem chegou antes. Em empresas mais tradicionais, os desencontros acabam sendo mais intensos. “É a primeira geração que se desenvolveu conversando por mensagens de texto, que manda emoji sem precisar mudar a expressão do rosto. A comunicação independe do que o corpo demonstra”, reforça Milena Brentan, psicóloga da consultoria MB People. “Quando esse jovem cai num ambiente corporativo formal, onde é preciso dar sorrisos ‘amarelos’, a chance de desconforto é grande”, observa.
Até hábitos mais saudáveis dos jovens deste começo de século 21 — que consomem menos bebidas alcoólicas, por exemplo — afasta-os dos clássicos happy hours, momento classificado pelas gerações mais velhas como fundamentais na vida corporativa. Segundo levantamento do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), dois em cada dez jovens consomem álcool, no máximo, uma vez por mês e quase metade não bebe nunca.
Segundo Milena, as empresas devem aprender junto com os jovens como lidar com eles e seus hábitos. A psicóloga, que também é professora, conta que, recentemente, ao ver um aluno ao celular durante a aula, de início, viu a ação como insubordinação ou desinteresse. Mas ele estava pesquisando um conceito citado por ela. “Era, na verdade, um ato de interesse”, relembra.
Marcos Olliver, líder de Pessoas e Propósito da consultoria Deloitte Brasil, está à frente de uma pesquisa anual sobre geração Z e millennials (a geração Y, dos nascidos entre o início dos anos 1980 e meados de 1990) no mercado de trabalho. Ele ressalta que é importante conhecer o perfil dos trabalhadores e suas ambições para que o clima empresarial seja bom. “Nas gerações anteriores, havia um desejo claro de subir na carreira. Agora, eles desejam uma combinação que vai além da carreira — desenvolvimento, aprendizado, propósito e impacto com o que fazem. Eles querem mais equilíbrio com outras necessidades da vida”, afirma.
Se essa suposta falta de ambição pode parecer estranha para os mais velhos, é justamente a ambição da carreira pela carreira, do lucro pelo lucro, que não faz sentido para essa juventude. “Temos atualmente quatro gerações trabalhando juntas. E todos precisam se transformar. A vantagem dos Z e dos millennials é que eles estão mais acostumados a transitar num mundo sem previsibilidade, sabem que precisam de atualização constante”, indica Olliver.
Dentre os entrevistados brasileiros ouvidos pela Deloitte, um terço dos que não têm curso superior não pretende fazer uma faculdade atualmente. Não que não queiram se aperfeiçoar — o alto custo é a preocupação. “O compromisso financeiro de um curso longo pesa nesse desejo. Cursos de tecnologia mais rápidos, que não necessariamente são de graduação, mas que especializam o profissional, têm sido vistos como uma porta de empregabilidade”, sinaliza.
De fato, as instituições de ensino superior já começam a sentir a falta de interesse da geração Z, ao menos na forma tradicional da academia. O total de matrículas em cursos presenciais no Brasil, que eram de 6,15 milhões em 2013, caiu para 5,06 milhões em 2023. A Educação a Distância (EaD), em compensação, só cresce. Contudo, não se trata simplesmente do tipo de modalidade de ensino, mas de proposta pedagógica.
Depois de muito esforço para ser aprovado no vestibular e dois anos de curso, Jimmy Hanyu, de 24 anos, desistiu de cursar Biotecnologia na Universidade de São Paulo (USP), considerada a melhor instituição da América Latina, ao entender que queria ser empreendedor. “Quando entrei, meu sonho era fazer ciência, descobrir a cura para uma doença”, lembra. No entanto, começou a participar de atividades na empresa júnior da faculdade e logo se viu mais motivado pelos desafios dessa área do que pela proposta do curso. “Assumi um posto numa confederação mundial de empresas júnior, falava com gente de vários continentes, discutia estratégias de negócios. Mas, depois, tinha de ir para a aula, algumas tratando de coisas muito básicas da biologia”, acrescenta.
Desistir do curso na USP não foi desistir de estudar, mas abrir mão de um diploma de renome para seguir um caminho alinhado com as suas ambições. “Meus colegas queriam ser acadêmicos, os professores eram todos pesquisadores. Não tinha com quem trocar. Por causa de um vídeo online, conheci a proposta de uma faculdade de Administração focada em empreendedorismo e decidi mudar”, prossegue Jimmy, que, agora, é sócio de um novo negócio e está no último ano da Link School of Business. “Estou empreendendo desde o primeiro semestre”, conclui o jovem, fundador do The Six, que tem a proposta de promover conexões entre desconhecidos na vida real.
Os jovens de 15 a 29 anos estão sendo moldados por uma realidade permeada pela tecnologia em todos os tempos e espaços. Definir a própria identidade e encontrar o seu lugar num mundo de circunstâncias tão incertas acaba provocando uma outra mudança importante em relação às gerações anteriores — esta é a juventude mais ansiosa e infeliz da história.
Pesquisas realizadas por várias décadas e em mais de 40 países mostravam que o “pico da infelicidade” costumava acontecer na meia-idade, ali pelos 45 ou 50 anos. Agora, porém, novos estudos mostram que essa infelicidade migrou na régua etária e atinge em cheio a geração Z. Dados coletados entre 2020 e 2025 encontraram, pela primeira vez, uma tendência crescente de tristeza e ansiedade, ou seja, os mais jovens têm a pior saúde mental e as pessoas vão ficando mais felizes conforme envelhecem. O estudo sobre a nova curva da felicidade foi publicado em agosto deste ano, no periódico Plos One e é assinado por pesquisadores da University College London, do Institute for Fiscal Studies e da Darmouth College.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também tem dados preocupantes indicando que 16% das doenças e lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos ocorre por questões de saúde mental. Em todo o mundo, a depressão é a principal causa de doenças e incapacidades entre adolescentes e o suicídio é a terceira maior causa de morte entre quem tem de 15 a 19 anos. “Tenho sugerido a pais e professores que se imaginem com 15 anos e recebendo apenas notícias negativas sobre o futuro, sobre o planeta, a segurança, os empregos que vão acabar por causa da Inteligência Artificial”, conta Gustavo Estanislau, psiquiatra do Instituto Ame Sua Mente. “Esse jovem vive em estado de alerta. Como mecanismo de sobrevivência, ele pode se esquivar e se conectar só com o presente. No fundo, ele deixa de planejar porque tem medo do futuro”, explica.
Não à toa, a juventude, antes retratada como rebelde e questionadora, passa a ser vista como acomodada e passiva. Cresce, ainda, o conservadorismo, um valor de aparente incoerência quando se pensa no estereótipo da juventude e as conquistas ligadas a ela em muitas décadas. Atualmente, encontram eco entre os mais novos movimentos misóginos como os red pill, que defendem uma masculinidade dominante, ou as tradwives, de mulheres que defendem um modo tradicional de viver ao optarem por ficar em casa para cuidar da família, sem ter trabalho remunerado, abrindo mão de carreira ou outras conquistas históricas pela autonomia feminina.
“O diálogo está enfraquecido na nossa sociedade. As pessoas posicionam-se num papel estático, num personagem fechado, e não querem conversar, achar o meio-termo. Não querem passar por um processo de amadurecimento”, enfatiza Estanislau. Para evitar isso, o psiquiatra recomenda que os mais velhos — sejam pais, sejam professores, sejam empregadores — dialoguem com as gerações mais novas, mas sem ideias pré-concebidas de que jovens são preguiçosos, estão na “aborrecência” e coisas do tipo. Até porque jovens deprimidos e ansiosos são um risco para eles e para a sociedade de forma geral. “Em fragilidade emocional, eles tendem a aceitar opiniões apenas para fazerem parte de um grupo, para serem aceitos. Com um nível de saúde mental mais preservado, o jovem consegue se defender melhor de chamados para coisas extremas”, aconselha.
Um verdadeiro mosaico de crises — ambiental, laboral, mental e de desinformação — molda a juventude atual. Marina Roale, chefe de Pesquisa da consultoria Consumateca, destaca que a Z é a primeira geração que só conhece o mundo com internet, o que inclui os problemas que a rede traz. “Diferentemente dos millennials, que pegaram visão promissora da internet, otimista e até romântica, a Z chega na crise, com mais consciência dos problemas”, pontua.
Viver conectado desde que se entende por gente gera outro problema que, para as gerações anteriores, estaria longe de se ligar a essa fase da vida: a solidão. “Eles criam menos vínculos, foram acostumados a exercer a sociabilidade no digital e têm dificuldade de criar intimidade na esfera física. No momento em que estão formando a psique adulta, acostumaram-se a se editar o tempo inteiro, perdendo a espontaneidade”, analisa Marina.
Com menos amizades e tanta incerteza à porta, o foco no dia a dia toma conta dos pensamentos e das ações dos mais novos. “Quando olhamos para a América Latina, os jovens estão soterrados pelas próprias questões individuais, estão no modo sobrevivência”. Ela cita, por exemplo, o sonho de sair da casa dos pais — desejo legítimo e compartilhado com gerações anteriores — mas sabem do custo disso e duvidam serem capazes dessa conquista. A avaliação vem de achados de estudos realizados pela Consumoteca. A avaliação vem de dados de estudos realizados pela Consumoteca.
Sob a ansiedade de não saber se serão capazes de atingir objetivos de longo prazo, a efemeridade torna-se marca geral, perpassando tanto relacionamentos interpessoais quanto as relações de consumo. “É uma geração que se assume consumista — e é difícil cobrar controle de um jovem que cresce num mundo de vitrines virtuais, unboxings [ato de desembalar encomendas compartilhado nas redes sociais por meio de vídeos] e ostentação nas redes. Segundo Marina, é típico da geração Z consumir online como uma jornada de entretenimento. Fazem muitas compras de baixo valor, o que produz a sensação de novidade constante. “É um prazer rápido”, completa.
Com tanta gente em busca de entender quem é a geração Z, há algo fundamental que liga os jovens de hoje aos de qualquer outro tempo: juventude não é uma massa única, logo, suas características, receios e desejos dependem de fatores que extrapolam a data de nascimento, como mostra a iniciativa Atlas das Juventudes, uma plataforma que reúne dados sobre elas. “Quando começamos, o nome seria Atlas da Juventude, no singular. No entanto, quanto mais mergulhamos nas pesquisas, mais ficava claro que não se trata de um grupo homogêneo”, afirma Laura Boeira, articuladora de parcerias e redes do Instituto Veredas, que participou da elaboração do projeto.
As linhas que demarcam as diferenças entre os jovens também variam de acordo com o olhar. “Se a gente pensar no acesso à saúde, se tem cuidados básicos, vai depender de que em parte do território nacional, ele mora. Se a gente pensa em acesso a cultura e lazer, muda se ele vive nas periferias ou no centro das cidades. Se eu falo de educação e salário, aí o peso vem da classe social e da raça”, salienta.
O Brasil tem, atualmente, 50 milhões de pessoas com idade entre 15 e 29 anos, o que representa um quarto da população. Essas juventudes, numerosas e diversas, precisam ser olhadas como potência de desenvolvimento, defende Laura. “Há problemas reais de saúde mental, temos de falar dos que não estudam nem trabalham, que já têm sido chamados de “sem-sem” porque o que falta é perspectiva e oportunidade. No entanto, se focarmos só nas ausências, correremos o risco de desvalorizar os jovens. Então, fica difícil que eles acreditem em si mesmos”, pondera. Isso porque, apesar de todas as dificuldades do presente, as juventudes brasileiras mantêm a esperança. Na pesquisa do Atlas, a média de “felicidade futura” do brasileiro de 15 a 29 anos é de 9,3, índice superior ao de qualquer outra nação pesquisada. “Às vezes, parece que o País não acredita neles, mas eles têm o mérito de conseguir acreditar”, reforça a pesquisadora.
No Brasil, a geração Z ainda representa um bônus demográfico, que precisa ser bem aproveitado. Para isso, deve haver políticas públicas de apoio aos jovens e conscientização da sociedade. É esse apoio que permitirá que desenvolvam autoconfiança e cresçam. Com boas condições de base, eles podem alimentar desejos e realizá-los. Afinal, se tem algo único em ser jovem é ter tempo à frente para concretizar sonhos.
Os exemplos reais estão por toda parte. Jimmy conta que começou a produzir conteúdos por causa de uma ex-namorada e seu sonho de empreendedor nunca foi só pelo dinheiro. “Quando o meu primeiro vídeo viralizou, eu tinha só 14 anos, mas naquela época entendi que, se fizesse algo com amor, tudo daria certo”, diz. Rozana tem certas ambições semelhantes às das gerações passadas, como ter uma casa própria, mas deseja, sobretudo, ajudar quem veio antes e a ajudou a conquistar o que tem hoje. “Meu grande sonho é ajudar a dar uma vida melhor para os meus avós paternos, que me criaram”, confessa. Esses jovens fazem parte de uma geração que aprende, resiste, se reinventa e ensina transformação e adaptação. Cabe aos mais velhos aprenderem.