Cantado nos versos de Djavan como um fruto “guardião”, o açaí foi descrito assim por garantir a subsistência das pessoas do Norte do País e ser uma fruta abundante, barata e nutritiva. “Todo nortista entende este verso”, disse o músico, em entrevista ao Canal Brasil, ao explicar a letra de Açaí, canção lançada por ele em 1982.
De fato, o açaí é um importante fruto do extrativismo nacional, sendo os Estados do Pará e do Amazonas os principais produtores por aqui. Eleito um dos símbolos da biodiversidade da Amazônia, faz do Brasil o maior produtor mundial e exportador de polpa congelada. Os Estados Unidos e a Europa são os principais compradores.
A dificuldade de transporte para escoar a produção nos rios que cortam a Floresta Amazônica, entrave recorrente sentido pelos ribeirinhos que vivem da comercialização de produtos nativos, despertou uma ideia no empresário Irani Bertolini, que atua na região desde a década de 1970. O projeto: construir uma fábrica navegante para comprar e processar a fruta, colhida por famílias residentes em localidades afastadas.
Com um investimento de R$ 30 milhões, a Transportes Bertolini e o grupo Valmont, do setor de agricultura de precisão, construíram uma balsa-fábrica. O negócio foi gestado sob o propósito de unir rentabilidade ao desenvolvimento sustentável daquelas comunidades.
Estudos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) registram o histórico comercial do açaí nas últimas décadas. A fruta era, a princípio, valorizada economicamente por causa do palmito produzido a partir de sua palmeira. Contudo, desde a década de 1990, impulsionado pela cultura fitness, ganhou fama por suas propriedades antioxidantes, alto teor energético e concentração da chamada “gordura boa” na composição.
A fábrica tem, atualmente, capacidade para processar 40 toneladas de frutos e 20 toneladas de polpa congelada de açaí por dia. “A navegação ocorre nas calhas dos rios Solimões, Japurá, Juruá, Purus e Madeira, com geração de renda para cerca de 5 mil famílias ribeirinhas de comunidades isoladas”, explica Fábio Gobeth, assessor da presidência da Bertolini.
Gobeth conta que os maquinários da estrutura de 2 mil metros quadrados funcionam por meio de energia gerada a partir de painéis solares, além de geradores a diesel e baterias.
A cada viagem de aproximadamente 30 dias pelos rios amazônicos, o beneficiamento médio é de 400 toneladas de polpa congelada de açaí armazenada em três câmaras refrigeradas a menos 25 graus. Após a colheita e o processamento, o produto é validado nos laboratórios microbiológico e físico-químico, instalados dentro da embarcação.
A possibilidade de adquirir o açaí́ diretamente do produtor ribeirinho garante a rastreabilidade do fruto, de acordo com a Bertolini. É possível identificar o lote específico produzido por cada um, observar as características individuais e, a partir daí, obter orientações para a melhoria da qualidade da fruta.
A fábrica conta, ainda, com um sistema de tratamento de efluentes após o uso da água em determinados procedimentos. Filtros fabricados com tecnologia similar aos modelos israelenses utilizados pela Organização das Nações Unidas (ONU) na África garantem o tratamento e a geração de água potável. Por meio da água dos filtros, máquinas produzem gelo comestível oferecido às comunidades ribeirinhas para ajudar na conservação de alimentos.
Outra inovação é um sistema de caldeira a vapor que queima 100% de todo o caroço do açaí́ resultante do fim da linha de produção, formando calor e vapor d’água utilizados no processo produtivo. As cinzas também são devolvidas aos produtores para uso como adubo no plantio.
“É um desafio. Estamos aprendendo dia a dia, porque é um modelo único de negócio – que, inclusive, estamos patenteando”, afirma Gobeth, ao mencionar que a liberação de funcionamento da balsa precisou de tratativas específicas quanto a questões trabalhistas e ambientais. Isso, porque, até então, não havia previsão legal para este tipo de produção em estruturas móveis.
A balsa-fábrica é um negócio novo para a Betolini. A empresa atua desde 1976 na linha de reboques e acessórios para caminhões, construção de barcaças, rebocadores e embarcações diversas. Atualmente, mantém mais de 20 armazéns de carga espalhados pelo País e emprega mais de 4 mil funcionários, com um faturamento anual superior a US$ 300 milhões. Segundo Gobeth, a expectativa para 2023 é de R$ 9 milhões em negócios gerados a partir da fábrica flutuante.