Brasil, ‘hub’ global de data centers?

16 de setembro de 2024

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Talvez você nem perceba, mas a Inteligência Artificial (IA) está em praticamente tudo. O corretor do celular, a biometria para acessar a conta bancária, os algoritmos que recomendam músicas e filmes nos apps, os anúncios de um produto que você deseja comprar. E isso tudo só é possível graças a uma quantidade imensa de dados processados de maneira engenhosa até chegar no seu dispositivo. Com a IA generativa — aquela treinada com bases de dados complexas para a criação de textos, vídeos, fotos e vários outros resultados —, o aumento da demanda por data centers, os locais onde esses dados são processados, se tornou um desafio. 

Atualmente, cerca de 60% do mercado de data centers se concentram em países da Europa e nos Estados Unidos. O Brasil responde por menos de 1% dessa fatia. Hoje, o País tem pouco menos de 200 centros de processamento de dados – mais que o México (172), mas bem menos que os EUA (5,3 mil). Porém, diante da necessidade de novas unidades, especialistas acreditam que o Brasil tem potencial para crescer exponencialmente na área e receber investimentos bilionários no futuro próximo. A agência Arizton Advisory & Intelligence projetou que o setor deve ultrapassar os US$ 7,8 bilhões na América Latina até 2026, com uma taxa de crescimento anual de 7,6% — e o Brasil representando 40% do total. Um relatório do Santander publicado em julho aponta que o País se destaca em termos de geração e disponibilidade de energia limpa e eficiência de custos, além de dispor de uma grande oferta de água. “Com a demanda crescente por armazenagem de dados, grandes companhias vão buscar países que ofereçam uma combinação de baixo custo, boa infraestrutura e energia confiável”, afirma o texto.

Segundo Andriei Gutierrez, presidente do Conselho de Economia Digital e Inovação da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), a capacidade da América Latina ainda é ínfima se comparada a de países como Irlanda e Estados Unidos, mas pode se expandir rapidamente. “Vivemos uma revolução com ‘R’ maiúsculo, em que o centro dinâmico da sociedade sai da manufatura para os serviços digitais”, diz. “O Brasil assumiu uma posição estratégica que vai ser o coração da economia mundial. Temos competência para fazer isso de maneira sustentável”, completa.

Brasil atraente

Apesar de ainda não estarem saturadas, as duas principais regiões do Norte Global que concentram a maior parte dos centros de processamento de dados lidam com limitações no acesso a energia renovável e recursos hídricos, além de, em alguns casos, terem regulamentações restritivas. 

Os números, de fato, são astronômicos. A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) estima que, em 2022, o consumo global de eletricidade dos data centers foi de 460 terawatt-hora (TWh), com a possibilidade de chegar a 1.050 TWh até 2026 — três vezes o consumo anual de energia no Brasil. Quanto ao uso de água, um data center pode gastar, em um dia, o equivalente ao consumo diário de uma cidade de 50 mil habitantes. Além disso, o calor gerado pode até alterar o microclima local, de acordo com Dorgival Olavo Guedes Neto, professor no Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Com tamanha necessidade de energia e água, naturalmente os olhos se voltaram ao Brasil, detentor de 12% de toda a água doce do mundo e uma matriz energética considerada limpa. Além disso, não falta espaço para a instalação de grandes centros de dados num país de dimensões continentais. O Brasil também tem malhas de distribuição de energia e de fibra óptica estáveis e de grandes proporções. Existe, ainda, uma outra motivação, nada tecnológica, para o interesse de empresas de data centers se instalarem no Brasil: a legislação vigente exige que dados sensíveis dos cidadãos brasileiros devem ser mantidos com pelo menos uma cópia em território nacional.

Sustentabilidade no foco

Toda essa discussão levanta temores de que os recursos naturais brasileiros sejam consumidos de forma predatória caso grandes empresas de centro de processamento de dados se instalem no País. Fato é que o avanço da tecnologia se mostra um caminho sem volta, e especialistas apontam que é possível fomentar o setor aliando o incremento tecnológico e a expansão econômica à proteção dos recursos naturais.

A chave é o investimento em fontes renováveis e regras de compensações. “O problema é o impacto que a demanda desses data centers podem ter sobre a malha de geração e distribuição de energia. Sem contar o calor produzido, que precisa ser dissipado”, afirma Guedes Neto. Segundo ele, as unidades já instaladas, ou em fase de construção, não são em uma escala suficientemente grande que preocupe quanto à demanda por recursos naturais. Pesquisadores de grandes empresas e da academia vêm se debruçando sobre o tema nos últimos anos, com boas perspectivas. “A nossa expectativa é que novas soluções surjam para nos ajudar nessa tarefa”, diz o professor.

Guedes Neto aponta que há benefícios, como a melhoria na qualidade dos serviços oferecidos aos usuários — com maior velocidade na resposta dos sistemas — e a geração de emprego, mesmo que em volume restrito, já que são colocações de média e alta complexidades. Há, ainda, a expectativa de efeitos positivos indiretos, como o estímulo ao comércio local. “Países da América Latina são atraídos a sediar empresas como Meta, Google e Amazon porque é um símbolo de avanço tecnológico”, ressalta Marina Otero Verzier, arquiteta e professora visitante na Universidade Columbia, nos Estados Unidos, que pesquisa data centers pelo mundo. “Obviamente, também é uma maneira de atrair investimentos, porque essas empresas puxam outras companhias conectadas, resultando em um status de segurança e estabilidade para as suas economias”, continua. “E ninguém quer ser deixado para trás no desenvolvimento tecnológico.”

Segundo Marina, muitos países incentivam empresas de data center a se instalarem sem entender muito bem o que esses negócios exigem. “Incentivamos que as nações criem regras para essas companhias operarem. Isso não quer dizer impedir o funcionamento, mas que haja responsabilidade e formas de compensação e de desenvolvimento da região”, afirma. Ela cita, por exemplo, que os negócios devem ser incentivados a reutilizar a água ou optar por líquidos de outras origens para resfriar as máquinas.

O desafio da regulação

Apesar das vantagens, o Brasil também enfrenta forte concorrência com outros países (como Índia e Austrália) na disputa novas plantas de data center, além de precisar superar desafios internos relacionados à infraestrutura de transmissão de energia, à carga tributária e à legislação.

O tema está atrelado à discussão sobre o projeto de lei que regulamenta a IA no País, que está em análise na Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Senado. Não há consenso entre os vários lados envolvidos no debate, que já se prolonga há dois anos. Como se não bastasse, o País vem perdendo espaço para o vizinho Paraguai, que se destaca pelas taxas de importação mais baixas e pela alta oferta de energia da Usina de Itaipu. “Poderíamos tirar vantagem desse movimento, revisando certos impostos para incentivar os negócios a vir para cá. Esse é o grande passo”, destaca Márcio Aguiar, diretor da Nvidia, empresa que dominou 83% do mercado de chips de processamento de dados em 2023, ao jornal Valor Econômico.

Gutierrez, da FecomercioSP, se mantém otimista. “Essa indústria tem avançado no Brasil a despeito das dificuldades burocráticas, logísticas, regulatórias e de financiamento. Se tivermos uma coordenação de políticas públicas e um melhor debate regulatório para tornar o ambiente de negócios mais amigável e efetivo, teremos um potencial enorme de fazer o pipeline atual, de cerca de R$ 200 bilhões, virar até R$ 600 bilhões”, afirma.

Amanda Daher Annima de Mattos
Amanda Daher Annima de Mattos