Modernização dos serviços públicos

03 de julho de 2023

Há, atualmente, no Brasil, cerca de 12 milhões de pessoas empregadas no setor público, em todas as esferas de governo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim como na iniciativa privada, as mudanças no mercado de trabalho ocorridas nas últimas décadas (como modificações nos processos de seleção e recrutamento) também afetam os servidores.

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Alterações essas que, segundo especialistas, exigem cautela para a aplicação em larga escala em todas as esferas governamentais, mas que podem contribuir para a melhoria dos serviços prestados à população.

“Mesmo com as dificuldades de mudanças estruturais no serviço público, podemos perceber avanços na gestão de pessoas e carreiras no Estado”, explica Renata Vilhena, professora associada na Fundação Dom Cabral (FDC) e integrante do Movimento Pessoas à Frente, entidade civil plural e suprapartidária de valorização do serviço público que reúne acadêmicos, servidores públicos, órgãos de controle e membros do Judiciário e dos governos federal, estaduais e municipais.

“Uma prática da iniciativa privada que vem sendo cada vez mais utilizada no serviço público é o recrutamento de cargos de liderança por meio de processo seletivo, em detrimento de indicações políticas”, destaca Renata. Segundo ela, a gestão por competências aliada à entrega de resultados individuais e por equipes também tem sido mais considerada nas administrações públicas. Soma-se a essas iniciativas a disseminação e o fortalecimento de escolas de governo para profissionalização do corpo de servidores.

A digitalização de serviços também avança no setor público, o que exige mais organização das administrações na seleção e preparação dos recursos humanos. “Não se anseia mais o ‘atendimento de balcão’, mas pessoas dinâmicas, além de capazes de analisar dados gerados por tecnologias e que procurem inovação”, diz Renata. Esse movimento tende a gerar mais economia aos cofres públicos. Especialistas ainda ressaltam que, além de mais eficiente, a digitalização é mais econômica. “A adoção de canais digitais é 97% mais barata do que a presencial, segundo cálculo do Ministério do Planejamento”, compara Renata.

Na esteira do avanço da tecnologia e das novas formas de trabalho, muitas profissões estão sendo extintas, ao mesmo tempo que outras, inseridas nesse contexto, surgem. “Carreiras que se tornaram obsoletas, como as de digitador, mateiro, técnico de móveis e esquadrias e locutor, entre outras, estão desaparecendo de forma gradual, com a proibição de novos concursos”, afirma a professora.

É necessário, porém, não deixar que as mudanças no ingresso das carreiras e as regras trabalhistas para o funcionalismo piorem as condições laborais dos servidores e comprometam a eficiência dos órgãos — e, em consequência, a qualidade dos serviços prestados à população. O alerta é de Patricia Bianca Clissa, presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC). A companhia representa cientistas que atuam em 17 institutos públicos de pesquisa do Estado de São Paulo, incluindo o Agronômico de Campinas (IAC), o Butantan e o Biológico (IB). “Nas últimas décadas, houve falta de incentivo para ingresso e permanência no serviço público, além de diminuição da reposição dos quadros por meio de concursos, o que provocou perda da qualidade dos serviços prestados”, conta Patrícia. “Isso pode ser observado em vários setores. Basta vermos as filas do INSS provocadas por falta de funcionários, por exemplo”, completa.

Por outro lado, a flexibilização das relações de trabalho no serviço público jé é uma realidade em debate. Um exemplo é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020. O projeto, elaborado pela equipe do ex-ministro da fazenda Paulo Guedes — batizada de “PEC da Nova Administração Pública” —, tinha como proposta original alterar 27 trechos da Constituição e introduzir outros 87. As principais medidas tratam da contratação, da remuneração e do desligamento de pessoal, válidas somente para quem ingressar no setor público após a aprovação das mudanças.

Encaminhada ao Congresso Nacional em 2020, o objetivo da PEC é fazer uma Reforma Administrativa para melhorar a produtividade e a eficiência do serviço público prestado à população. O fim da estabilidade para diversas carreiras e reduções de jornadas e salários em até 25%, em caso de crise fiscal, são algumas das medidas. Também fica aberta a possibilidade de terceirizações de funcionários e contratos temporários de serviço, elementos vistos com cautela, em especial nas áreas que demandam perenidade e continuidade nos projetos, como institutos de pesquisa. A formação de um cientista, alegam os estudiosos, é um processo longo que, muitas vezes, envolve a capacitação por mestrado, doutorado e pós-doutorado, até o profissional ser fixado ou absorvido em um instituto de pesquisa ou uma instituição de ensino superior.

“São mais de dez anos para se formar um cientista. Com a ausência de fixação desses profissionais, acabamos perdendo-os para outros países ou para o setor privado”, argumenta a presidente da APqC. Segundo ela, as fundações de apoio e as Parcerias Público-Privadas (PPPs) possibilitam contratações temporárias de trabalhadores. “Entretanto, em algumas atividades, isso gera prejuízo da qualidade do serviço prestado, uma vez que não gera vínculo do funcionário com a instituição”, alega.

“Uma prática da iniciativa privada que vem sendo cada vez mais utilizada no serviço público é o recrutamento de cargos de liderança por meio de processo seletivo, em detrimento de indicações políticas.” Renata Vilhena, professora associada na Fundação Dom Cabral (FDC) e integrante do Movimento Pessoas à Frente

A PEC da Nova Administração Pública, considerada polêmica entre políticos e administradores públicos, está parada no Congresso Nacional. Auxiliares diretos do presidente Lula — como o ministro da Fazenda, Fernando Haddad — e aliados do petista no Congresso já adiantaram que o governo não concorda com a proposta original do texto e não pretende acelerar a votação da PEC no Congresso. Além disso, a prioridade da atual gestão, neste momento, é a aprovação da Reforma Tributária e não a Administrativa.

Algumas mudanças, entretanto, já estão sendo postas em prática, como a busca pelas igualdades de raça e gênero. Em 21 de março deste ano, Lula assinou o Decreto 11.443, que reserva às pessoas negras pelo menos 30% no preenchimento dos cargos em comissão e funções de confiança, na administração pública federal. Os porcentuais estabelecidos no decreto devem ser cumpridos até 31 de dezembro de 2025. “A iniciativa deve ser celebrada, e a execução, planejada e fiscalizada para que, de fato, ocorra o preenchimento das vagas, sem que a aplicação se restrinja aos ministérios porta-vozes das questões étnico-raciais e de direitos humanos”, afirma Renata, da FDC.

Segundo ela, mesmo com iniciativas como esse decreto, ainda há muitos obstáculos ao mercado de trabalho na área pública, em especial às normas de contratação, às avaliações de desempenho e às questões salariais. “Os principais desafios estão ligados às formas de atração e retenção de mão de obra qualificada, e isso envolve repensar os padrões de seleção, vínculos, progressão e promoção de carreiras”, enumera Renata.

Marcus Lopes Maria Fernanda Gama
Marcus Lopes Maria Fernanda Gama