Tipo exportação

09 de maio de 2025

C

Cotidianamente, produtos e serviços brasileiros atravessam as fronteiras para serem consumidos em outros países, e vice-versa. Mas o Brasil também tem exportado um outro tipo de bem: os trabalhadores. A contratação de brasileiros por empresas internacionais cresceu 53% durante 2024, colocando o País em quinto lugar como exportador de talentos, no Relatório Global de Contratações Internacionais 2024, realizado pela Deel, plataforma de tecnologia para recursos humanos e folha de pagamento. Vagas em tecnologia e engenharia de software lideram a demanda internacional. O levantamento baseou-se em mais de 1 milhão de contratos, de 35 mil clientes, em 150 países.

Há várias maneiras de exportar talentos. Talvez a mais antiga e tradicional seja a expatriação, quando uma multinacional transfere um funcionário para outra nação sem quebra de vínculo empregatício. Em geral, trata-se de executivos com cargos de alto escalão. “Esse profissional normalmente retorna — e volta mais experiente, com uma bagagem profissional e cultural diferente, o que é muito bom para ele e para o País”, afirma Débora Bigio, consultora de Recursos Humanos com ampla experiência em processos de expatriação.

Segundo ela, esse tipo de movimentação traz coerência interna para grupos que atuem em diversos países. Portanto, as grandes multinacionais sempre promoveram, e continuarão promovendo, expatriações. Contudo, a especialista aponta que as práticas do mercado vêm se alterando desde a pandemia de covid-19. “Antes, as empresas ofereciam pacotes gigantescos para esse funcionário, incluindo aluguel e escola para os filhos, mas era extremamente caro. Hoje, as pessoas parecem mais dispostas a mudar, o colaborador entende que também ganha. Com essa mudança de mentalidade, as companhias ainda apoiam, mas não pagam mais 100% das contas do expatriado”, relata.

Outra forma de trabalhar para o exterior, que deslanchou a partir das relações remotas, é a configuração em que o colaborador permanece fisicamente no Brasil e presta serviços para empresas estrangeiras. Embora muitas companhias venham pedindo algum retorno ao escritório, em áreas em que profissionais são disputados, o modelo 100% home office mantém-se.

“O mundo inteiro está à procura de pessoas para vagas na área de Tecnologia da Informação (TI), e esses serviços podem ser executados totalmente a distância. Vejo também que começa a acontecer o mesmo com profissionais de design e marketing digital”, pontua Ildeberto Rodello, professor de Tecnologia e Sistemas de Informação na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEA-RP/USP). Ele explica que, além de ser fluente em inglês, é preciso alguma adaptação aos fusos horários. “Em geral, os profissionais estão em casa trabalhando por tarefa, não por carga horária, e a produtividade é medida pela execução. Só precisam estar presentes em algumas reuniões”, avalia.

Ganho em moeda forte

O primeiro fator de atração para esse modelo costuma ser o salário. No relatório da Deel, as empresas que mais contrataram brasileiros estão sediadas nos Estados Unidos, na Suíça e no Reino Unido, nações com moeda forte em relação ao real. São companhias que podem facilmente oferecer salários acima da média brasileira. Além disso, um salário em dólar representa ganho expressivo, mesmo que seja considerada apenas a diferença cambial. Só em 2024, a moeda estadunidense valorizou 27% frente ao real.

Mas critérios ligados à própria carreira também entram na conta dos profissionais. “Muita gente considera desafiador trabalhar para o exterior, às vezes com tecnologias de ponta, em equipes multiculturais. É bom para o currículo e ainda comprova o domínio de outro idioma”, ressalta Rodello.

As empresas de fora que buscam a força de trabalho brasileira encontram uma série de facilidades técnicas para a contratação e vantagens no perfil dos nossos talentos. “Temos profissionais bem formados, flexíveis, que conseguem encontrar soluções criativas e que se dão bem com todo mundo. Hoje, há metodologias que permitem o trabalho coletivo remoto. Para completar, com a existência dos bancos globais, é muito fácil fazer pagamentos em outros países”, detalha o professor. 

Novo CEP

Quem sai do País num sistema de expatriação costuma trazer na bagagem de volta bem mais do que os ganhos financeiros: conhecimento. E quem trabalha para fora de forma remota continua contribuindo para a economia nacional, assim como pode multiplicar localmente a própria experiência de outras formas, como dar aulas. Há também uma fatia importante dos talentos que mudam para o exterior de forma definitiva. “Vejo um movimento crescente de pessoas partindo para outros países porque deixaram de acreditar no Brasil, tanto por insatisfação com a conjuntura política como por terem sofrido traumas com a violência urbana”, afirma Bjorn Frederick, diretor da consultoria de educação corporativa Movendo Latam e professor na FIA Business School.

Nessa competição mundial pelos melhores profissionais, em que a qualidade de vida também conta, os empresários brasileiros podem se sentir impotentes. No entanto, Frederick opina que, com flexibilidade e dirigentes atentos, é possível reter talentos. “Um gestor não pode ser pego de surpresa por um colaborador que decide ir para a Nova Zelândia colher frutas. Os líderes devem conhecer as ambições dos seus principais talentos, saber dialogar”, observa o especialista. E, se for o caso, permitir que o funcionário continue prestando serviços ainda que mude de país. Há, ainda, a opção de oferta de um período sabático.

Mais do que mudar de localização geográfica, o que muitos desejam é ter equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. “Ouço, sobretudo dos mais novos, que eles buscam um ambiente corporativo mais saudável e previsível. Às vezes, quando vão visitar a matriz, o que mais invejam é ver que as pessoas encerram o expediente às 17 horas, algo que não acontece no Brasil”, destaca Frederick.

Para quem está ingressando no mundo laboral, ou entrou recentemente, o leque de opções está maior. “Faz parte das características da juventude querer viver experiências, como a de mudar para outro país. E a tecnologia vai moldando comportamentos à medida que dá condições facilitadas para essa geração. É mais fácil que os jovens de agora consigam seguir o caminho da internacionalização do que era há 20 anos”, afirma Blenda Campos, cofundadora da consultoria de treinamento Polline.

Não é para todos

Embora não haja dúvidas de que atualmente os jovens sejam mais globalizados do que nunca, a possibilidade de trabalhar no exterior não é distribuída de forma igualitária. Para oportunidades lá fora, é preciso ter boa formação em uma área de alta demanda global, além de ser fluente em uma língua estrangeira. “Existem muitos Brasis dentro do Brasil. Não dá para comparar o jovem da periferia com o de classe média alta, são perspectivas de vida muito diferentes”, pontua Maristela Gomes, sócia da Polline.

A tendência de crescimento da exportação de talentos pode parecer um caminho sem volta, mas as mudanças na economia e na educação induzidas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, podem provocar solavancos nos próximos anos. Barreiras comerciais e desaceleração econômica talvez esfriem a disputa mundial por trabalhadores, pondera Rodello, da FEA-RP. “Já houve certo recuo na área de TI, porque há muitos projetos em que os desenvolvedores brasileiros elaboram equipamentos produzidos, por exemplo, na Índia, para serem exportados para os Estados Unidos. Existe uma grande incógnita no momento”, indica o professor. De qualquer forma, as empresas nacionais não devem perder o foco principal: é preciso valorizar os próprios talentos.

Luciana Alvarez Annima de Mattos
Luciana Alvarez Annima de Mattos