Uma escola onde o aluno escolhe os temas em que deseja se aprofundar e pode estudar no próprio ritmo, com orientação e incentivo — e sem a pressão das notas, aprendendo, de forma prática, em projetos colaborativos. Essa é a proposta do TUMO, que, na verdade, é um complemento da escola regular para estudantes de 12 a 18 anos. A rede nasceu na Armênia e, hoje, conta com 14 centros em atividade em outros países. A ideia desembarcou em Portugal em 2024, país que já tem duas unidades em funcionamento, em Coimbra e Lisboa. Em setembro, a terceira será inaugurada na cidade do Porto.
A reportagem da Revista Problemas Brasileiros, que visitou o TUMO de Lisboa em uma tarde de aulas, pôde presenciar o ambiente de descontração que em nada diminui a seriedade que os adolescentes têm ao realizarem as tarefas. Os cursos oferecidos são de programação, animação, fotografia, cinema, música, robótica, design gráfico e desenvolvimento de jogos. Dentre as oito opções, os estudantes podem escolher quatro.
Atualmente, com cerca de 800 jovens estudando na unidade, a expectativa é dobrar a oferta no próximo ano letivo. “Sinto-me muito feliz no TUMO. Sinto que faço parte dessa comunidade gigante. Fiz um grupo de amigos incrível, logo no primeiro dia. Nós não temos uma turma fixa, mas acabei por criar meu grupo com outros alunos do Artur [o seu tutor]. Fazemos as atividades juntos, ajudamos uns aos outros, apesar de as atividades serem do tipo self-learning”, relata Matilde Marques, de 17 anos, aluna do último ano do ensino básico de Portugal.
Os únicos pré-requisitos para participar do TUMO é ter entre 12 e 18 anos e estudar em uma escola regular. Não há processo seletivo e os cursos são gratuitos, bancados por uma série de patrocinadores. No caso da unidade de Lisboa, o custeio provém de oito empresas e fundações. As escolas de Coimbra e do Porto têm patrocinadores próprios.
Os estudantes, ou os “tumonautas”, como são chamados, frequentam a escola por quatro horas semanais, que podem ser divididas em duas vezes (nos dias úteis) ou em uma única vez (aos sábados). Não há turmas fechadas como nas escolas regulares, mas cada jovem tem um tutor responsável, o learning coach. Ele que é o responsável por promover as interações sociais, facilitando o surgimento de grupos.
Ao chegarem, os jovens cumprem um módulo autoinstrucional por tema, o que dá a base conceitual para os assuntos em que se inscreveram. O avanço acontece no ritmo que desejarem, na ordem que preferirem, sempre com o apoio do tutor. Ao fim de cada módulo, eles inscrevem-se para as oficinas, nas quais vão aplicar, em projetos práticos e colaborativos, os conhecimentos adquiridos. Essas atividades são comandadas por profissionais com experiência real nas respectivas áreas, que assumem o papel de workshop leaders.
“Fracasso” ou “reprovação” são palavras inexistentes no TUMO. O estudante vai seguindo no próprio ritmo e sempre avança. Em todos os temas há diferentes módulos, com desafios cada vez maiores em profundidade e complexidade. Quando o jovem não consegue cumprir os objetivos de uma determinada oficina, pode refazê-la, sem que isso seja encarado como um problema. O espaço interno é moderno e amplo, com o objetivo de acolher múltiplos usos.
Não há salas de aulas como nas escolas tradicionais: os alunos estudam em um grande auditório ou em espaços abertos, equipados com pufes e mesas. Quem deseja mais privacidade e concentração, pode optar por cabines com isolamentos visual e acústico. Há, ainda, salas para as oficinas práticas e um estúdio de gravação e edição de som.
A escola tem poucas regras, todas fundamentadas e explicadas aos jovens logo no início das atividades, o que facilita o cumprimento. O uso do celular é proibido, pois todos os equipamentos e as ferramentas digitais que os estudantes precisam são fornecidos pela escola. Também não se pode comer nas dependências, por questões de higiene e para não estragar os equipamentos. Ao finalizar um módulo de estudos, não há certificado ou diploma. Em vez disso, os alunos recebem portfólios com o que realizaram — e é esse o documento que podem apresentar às faculdades ou futuros empregadores para comprovar os conhecimentos e as competências que adquiriram.
Pedro Santa-Clara, professor de Finanças na Nova School of Business and Economics e diretor do TUMO Portugal, afirma que montar uma unidade da escola é uma operação complexa, mas que, desde a primeira experiência, em Coimbra, nunca faltaram interessados, sejam alunos, sejam professores, sejam investidores no projeto.
No momento da entrevista, estava em curso o processo de recrutamento para professores na unidade do Porto e havia dez vezes mais candidatos do que vagas. “Vivemos um tempo em que a educação está um bocado em crise, um tempo em que o que é importante aprender está a mudar”, afirma Santa-Clara. Os jovens anseiam por mudança, e professores e empresas também querem fazer a sua parte, com participação ativa na transformação. “As pessoas percebem que o modelo tradicional de aulas e exames tem muitas lacunas, pois não desenvolve, de fato, as competências mais humanas, que são as mais importantes”, argumenta.
Mais do que ensinar fotografia, robótica ou programação, a ideia do TUMO é desenvolver nos adolescentes a capacidade de aprender a aprender, com pensamento crítico e criatividade. E, segundo Santa-Clara, é por isso que o modelo tem sido um sucesso, não só em Portugal, mas também no mundo. “Cada vez mais o mundo precisa de pessoas com responsabilidade e iniciativa. No TUMO, os estudantes responsabilizam-se por fazer pesquisas e realizar o seu trabalho, o que acaba por desenvolver, inevitavelmente, competências como resiliência, criatividade, colaboração e autoconfiança”, opina o professor.
Para a tumonauta Matilde, por exemplo, a experiência de estudar no projeto mostrou-se essencial para ela melhorar as tomadas de decisão. “Um dos momentos que me marcaram foi estar extremamente indecisa quanto a escolher entre cinema e robótica”, conta a estudante, que inicialmente dizia gostar da primeira opção e não da segunda, mas começou a se interessar pelo assunto. “Eu já estava estressada, mas uma professora veio ter comigo, falou que eu podia tomar a decisão e, se não gostasse, voltar atrás. Aprendi que uma decisão não vai ser assim tão importante na minha vida, que posso mudar de ideia, e isso tirou um peso”, relata.
Outra vantagem do modelo é aproximar os jovens de assuntos que despertem a curiosidade, mas que tenham pouco espaço na educação regular. A estudante brasileira Vida Rodrigues, de 18 anos — que mora em Portugal e frequenta o TUMO de Coimbra desde a abertura —, decidiu se inscrever pela sua atração por cinema. “Sonho em trabalhar com cinema. Nos workshops, tive a oportunidade de produzir um curta. Também atuei e participei da redação do roteiro. Esse tipo de experiência, sem dúvida, prepara para o futuro”, destaca.
Vida, que também tem aprendido sobre fotografia, música e desenvolvimento de jogos, ressalta que o modelo é muito diferente de todos que já tinha experimentado e que a proposta lhe “impulsiona a explorar”. Outra vantagem, aponta ela, é que o formato proporciona interações sociais produtivas. “O espaço compartilhado é muito legal. E as turmas vão se misturando, estamos sempre trabalhando em equipes, o que nos leva a conhecer muitas pessoas diferentes”, afirma.
Tanto Matilde quanto Vida se preparam para as provas nacionais de ingresso no ensino superior. Ainda que estejam focadas em ter bons resultados nessa avaliação, ambas garantem que frequentar o programa não as atrapalha. Ao contrário, acreditam que a atividade extra ajuda nos estudos formais. “É um momento da vida que me deixa ansiosa, mas quando estou aqui, no TUMO, fico em paz, divirto-me ao fazer coisas que gosto. Chego em casa com mais ânimo para estudar, com mais capacidade de concentração”, garante Matilde. “É tão bom que, se pudesse, continuaria frequentando o TUMO, mesmo depois de acabar a escola”, confessa Vida.
Dispor de uma boa infraestrutura física, um projeto atrativo, tecnologias de ponta e alunos entusiasmados — tudo isso seria em vão se as pessoas que estão lá para guiar o aprendizado não fossem qualificadas para trabalhar no modelo. Portanto, a formação das equipes é um passo fundamental. Paulo Calhau, que lidera oficinas de fotografia em Coimbra, tinha mais de 20 anos de experiência como professor quando se candidatou a uma vaga no TUMO. “Correu a notícia de que abriria uma unidade e logo percebi que seria algo importante na cidade — e eu quis fazer parte disso”, lembra ele. “Sempre me interessei por questões pedagógicas, por inovação, e pelas artes, em especial fotografia, cinema e design”, declara.
Calhau destaca que foi fácil entrar na lógica do TUMO, porque era algo que vinha ao encontro de suas crenças como educador, o que não o isentou de passar por uma formação intensiva. “Estivemos duas semanas na Armênia, na ‘casa-mãe’, para absorver a cultura e as dinâmicas, além de conferir as práticas”, recorda. Depois disso, sempre que precisa, tem acesso à equipe armênia para esclarecer dúvidas, assim como a uma equipe de coordenação local bastante ativa. “Sempre que precisei, todos demonstraram muita disponibilidade e já fizemos reuniões online para debater determinadas questões”, acrescenta.
De acordo com o professor, é difícil comparar as aprendizagens do projeto com as da escola tradicional, pois trata-se de propostas muito diferentes. “Na escola, o professor busca que todos atinjam certos níveis mínimos em um certo trabalho. No TUMO, tenho de desafiar o jovem a superar-se e conhecer-se, descobrir quais são seus talentos e vocações, bem como no que pode melhorar”, enfatiza.
Segundo Calhau, em um momento da vida em que os estudantes se veem obrigados a fazer escolhas para o futuro, a proposta do programa faz uma grande diferença. Ele acredita que os trabalhos colaborativos tendem a transcorrer mais facilmente no TUMO do que na escola, porque não há comparações nem classificações, ou notas, envolvidas no processo. “Como trabalhamos sempre na lógica de projetos, é muito fácil colocar os alunos para se comunicarem. E aqui não vivemos o drama de tentar nivelá-los. Eles têm idades diferentes, vêm de realidades diferentes e trocam livremente”, observa.
Até mesmo a equipe de apoio incorpora a criatividade e a colaboração na rotina de trabalho. Para se fazer conhecer pela comunidade local, a equipe de Comunicação do TUMO Lisboa lançou mão de uma série de estratégias, passando por divulgação na imprensa tradicional e redes sociais, visitas a escolas e até distribuição de sorvetes nas ruas.
“A gente oferecia um sorvete em troca de um minuto de atenção para explicar a proposta”, conta Catarina Ferreira, gerente de Marketing da unidade. E ela, que desde a adolescência mantém como hobby a pintura a óleo, também passou a liderar algumas oficinas pontuais para os interessados. “Faz parte da nossa filosofia não ter pressa. Então, há sempre coisas para fazer além dos temas, como atividades extras de pintura, cerâmica e programação. Aproveitamos o conhecimento que a nossa equipe tem”, avalia.
Os nomes dos patrocinadores ficam registrados logo na entrada das escolas, uma forma de reconhecer quem viabiliza o projeto. Dentre os mecenas, pessoas que contribuem individualmente, grandes bancos e um órgão público.
Em Coimbra, o TUMO concretiza-se graças a Critical Software, Paulo Marques e Pedro Bizarro, Licor Beirão, Oxy Capital, Câmara Municipal de Coimbra, Altice Portugal, Banco BPI — Fundação “la Caixa’’, Fundação Santander e Fundação Calouste Gulbenkian. Em Lisboa, o apoio vem do BPI — Fundação “la Caixa”, da Claude and Sofia Marion Foundation, da Fundação Galp, do Grupo José de Mello, da Vanguard Properties, da Fundação PHC, da Fundação Santander Portugal, da Hovione, do MEO e da Worten.