Logística inteligente

29 de setembro de 2025

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Até o começo deste ano, a empresa de embalagens onde Nicolas Brito trabalha, em Peruíbe — cidade litorânea a cerca de 140 quilômetros de distância da capital paulista —, não se valia de qualquer tipo de ferramenta de Inteligência Artificial (IA). “Mesmo os fluxos mais importantes, na verdade, ainda eram bem analógicos”, observa, citando, como exemplo, as fichas de papel que clientes precisavam assinar para fechar pedidos.

Gerente do negócio há pouco menos de dois anos, Brito assumiu o cargo quase em paralelo com o fim de um curso de logística que ele fez na Escola Técnica Estadual (Etec) local, e que se colou ao término do seu período escolar. “Mas, no colégio, há uns dois anos, eu já via a diferença entre a facilidade que os meus colegas tinham com essas tecnologias e o conteúdo das disciplinas”, aponta. Quando foi contratado, lembra, os processos analógicos do trabalho não pareciam um problema, era só repetição do visto em sala de aula.

Em fevereiro, porém, tudo mudou. A empresa, hoje tocada por 15 funcionários — o que a classifica como micro na definição usada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) —, decidiu implementar softwares não apenas para dinamizar as atividades cotidianas, mas principalmente para coordenar com mais agilidade os fluxos de encomendas para outras cidades, que dá a tônica do faturamento bruto há alguns anos. “A gente vende tanto aqui para os vizinhos (São Vicente, Santos etc.), como para Rondônia, Sergipe, Santa Catarina, Rio…”, elenca, orgulhoso.

Até o dia em que Brito, em uma folga, decidiu testar o ChatGTP.

Otimizando processos

Primeiro, deu um comando à ferramenta — baseada na tecnologia de Processamento de Linguagem Natural (PLN) do laboratório norte-americano OpenAI — sobre como entregar um pedido grande, de cerca de 50 bobinas de plástico-bolha em Vitória, capital do Espírito Santo. “Eu fiquei realmente surpreso com a resposta”, recorda. “A IA não só me deu um caminho melhor do que a gente usava como disponibilizou alguns dados sobre empresas que ofereciam o serviço mais em conta. E ainda se prontificou a elaborar um gráfico de custo-benefício a partir do meu pedido”.

Brito, então, foi mais longe. Pegou algumas fichas que já haviam sido digitalizadas na empresa e pediu para o ChatGPT montar relatórios sobre custos logísticos com diferentes modelos de entrega. A ferramenta devolveu um pequeno texto com cálculos que pareciam esquemas melhorados do que ele fazia diariamente no Excel. “Aquilo me deu um estalo na hora: ‘Por que ainda não estamos usando isso aqui?’”, relata.

De fato, processos logísticos estão entre os mais beneficiados pela popularização de ferramentas baseadas em IA, como o ChatGPT. Além de gratuitas, essas tecnologias ainda têm a capacidade de ajudar negócios — sobretudo de menor porte — a diminuir custos sem perder o nível já alcançado de atendimento.

“Há duas questões que estão mais avançadas nesse processo — roteirização de percursos e aumento de escalabilidade para certos territórios”, elenca Kelly Ferreira, do Conselho de Economia Digital e Inovação da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Segundo a assessora, as empresas estão registrando menos tempo para entregar produtos, o que significa menos gastos com combustíveis e menos desperdícios no trânsito. “Para o cliente, prazos mais rápidos para receber as encomendas”, resume.

Em agosto, a Entidade fez uma pesquisa com empresas do Estado de São Paulo perguntando em quais áreas já existem modelos de IA em operação, além dos desafios de adoção ou departamentos que seriam mais beneficiados com a chegada da tecnologia. Ouviu de 10% das companhias que a Logística sentiria o maior efeito, enquanto a área de Marketing foi a mais citada: 47% dos negócios ouvidos.

O intrigante, no entanto, é que esse número varia muito dependendo do porte da companhia. Entre aquelas com menos de 50 funcionários, isto é, micro e pequenas, a Logística foi apontada por 8,8%. Entre médias e grandes — acima de 50 colaboradores —, essa taxa foi de 16%. “É porque essas empresas têm um volume de vendas e de entregas muito maior”, detalha Kelly. “Pense em uma loja que atue no marketplace. Ter o produto é fundamental para ela, uma vez que o item é comprado online. Se vende e não tem no estoque, é a pior coisa que pode acontecer. Eu tenho visto a IA funcionar muito bem para resolver gargalos como esse, muitas vezes causados por problemas logísticos”, avalia.

Dados da plataforma de serviços de entregas Loggi mostram que praticamente metade (47%) das entregas dentro do Brasil, no âmbito da empresa, é realizada em até dois dias úteis, e que 40% desses pacotes são enviados por Pequenas e Médias Empresas (PMEs) localizadas no Estado de São Paulo.

Há algumas semanas, durante reunião do Conselho de Economia Digital e Inovação da FecomercioSP, Diego Cançado, vice-presidente da Loggi, afirmou que, no último ano, a empresa estima que a IA tenha gerado uma redução de 1,67 milhão de quilômetros rodados em entregas, levando em conta apenas o modal rodoviário. “Não estamos falando só de economia, mas também de um número muito importante para o debate ambiental, por exemplo”, ressalta.

IA para quê?

Dados como o apresentado por Cançado refletem que os negócios, em especial os de logística, olham para a IA a partir de demandas distintas. “Há companhias mais focadas no e-commerce, por exemplo, e que procuram jeitos de otimizar o que chamamos de ‘última milha’”, explica Paulo Roberto Bertaglia, diretor-executivo da consultoria em gestão de negócios Berthas e professor do MBA em Cadeias de Suprimento na Atlantis University, na cidade de Miami, nos Estados Unidos.

O diretor refere-se à etapa final de entrega de produtos, quando já estão na mesma cidade ou no entorno do cliente final. “Nessa etapa final, vale dizer, as empresas estão até conseguindo identificar os padrões de atraso por região ou por tipo de produto. Isso ajuda a reduzir custos em um dos trechos mais caros da cadeia e a elevar a experiência do cliente”, continua.

Pelos dados da Loggi, São Paulo e Minas Gerais lideram, respectivamente, tanto em volume de pacotes enviados quanto de recebidos. Esse resultado corrobora um estudo realizado pela FecomercioSP em 2024, que mostrou, entre outras coisas, como São Paulo é o maior consumidor e maior emissor de produtos do comércio eletrônico brasileiro — um a cada dois itens intercambiados no País sai do Estado.

Entretanto, no caso das micro e pequenas, ferramentas modeladas em IA podem oferecer um serviço mais simples e essencial: monitoramento. “Não é mais um diferencial, mas um requisito. Para as empresas, significa reduzir os custos, mas também aumentar a confiabilidade do cliente. No B2B [sigla que se refere a negócios cujos clientes são outros negócios, ou business to business], essa previsibilidade é vital para alinhar a produção, os estoques e os compromissos contratuais”, complementa Bertaglia.

Para Kelly, da FecomercioSP, além do mais, há algo de transparência aí. “O cliente quer se manter atualizado da melhor forma possível sobre sua compra. Ele quer ser notificado no celular, quer ter uma programação de horário de chegada, quer ver o automóvel da entrega chegando…”. Para Cançado, da Loggi, a IA não só otimiza a interação com os clientes, traz mais qualidade ao serviço. Segundo ele, atualmente, quase oito em cada dez (77%) dos atendimentos da empresa se dão à revelia de intervenção humana.

Brito, gerente da empresa de embalagens em Peruíbe, sente essa melhoria na interação com o cliente no dia a dia. Atualmente, a maior parte das entregas é realizada por empresas de logística rodoviárias que oferecem algum tipo de monitoramento da navegação. “Mas é frequente eu atender cliente reclamando que o serviço de entrega não está mais mostrando onde os produtos estão, ou que o painel não está sendo atualizado”, comenta. “E, aí, parece que o problema vem daqui”, continua.

Nem tudo é positivo. Kelly aponta a dificuldade que o mercado tem de encontrar mão de obra que reúna conhecimento sobre os parâmetros da IA. “Sem falar nos custos, que permanecem muito elevados, dependendo da ferramenta utilizada”.

Bertaglia, da Berthas, por sua vez, afirma que existem erros técnicos – nos algoritmos, por exemplo. “Quando alimentados com dados históricos enviesados, eles geram distorções em decisões críticas”, pontua. Além disso, diz ele, há outros pontos de atenção. “Existe a ilusão de que a tecnologia resolve tudo sozinha, e isso leva a escolhas desconectadas da realidade operacional”, adverte. “E há uma resistência de motoristas, operadores e gestores que, muitas vezes, se sentem ameaçados. Para superar esses desafios, é essencial preparar as pessoas para o futuro”, finaliza.

Vinícius Mendes
Annima de Mattos
Vinícius Mendes
Annima de Mattos