No dia 6 de dezembro, durante a Reunião de Cúpula do Mercosul, realizada em Montevidéu, capital uruguaia, foi anunciada a conclusão das negociações do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE). O tratado era um dos principais pleitos defendidos pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), pela sua grandeza ao abranger uma população de mais de 700 milhões de pessoas e concentrar cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, US$ 22 trilhões, e por ser um pilar fundamental no processo de maior abertura e inserção internacional da economia nacional.
As negociações arrastaram-se por mais de duas décadas, sempre marcadas por questões relacionadas a interesses de grupos econômicos, conjunturas econômica e política dos países no momento das rodadas de negociação e, nos últimos anos, questões ambientais. Em 2019, os dois blocos já haviam anunciado a conclusão das negociações dos componentes comerciais do acordo, mas outros pontos ainda estavam pendentes — o capítulo de indicações geográficas e as regras de implementação, por exemplo — e, com a eclosão da pandemia e de uma nova visão trazida pelo governo Lula em relação ao comércio internacional, temas como compras governamentais, cujas negociações já haviam sido finalizadas, foram reabertos a partir de 2023.
Agora, pode-se dizer que o processo de negociação que se estendeu por 25 anos, finalmente, foi encerrado. A avaliação é de que as incertezas decorrentes de mudanças na ordem global — com um enfraquecimento do multilateralismo — e a expectativa de um comportamento mais isolacionista e protecionista dos Estados Unidos sob a gestão de Trump, além da rivalidade com a China, de certa forma, pressionaram para que houvesse a conclusão das negociações.
Os líderes dos dois blocos prometeram celeridade, e a expectativa é de que o acordo seja assinado no segundo semestre do ano que vem. Então, quais são as etapas a serem cumpridas a partir de agora?
1. Revisão legal: trata-se de uma revisão jurídica dos termos do pacto, com o objetivo de assegurar a coesão e correção linguística do texto. Essa etapa está avançada, considerando que muitos dos tópicos concluídos em 2019 já passaram por essa fase.
2. Tradução: após a revisão legal, ocorrerá a tradução para os 23 idiomas oficiais da UE e para as duas línguas oficiais do Mercosul.
3. Assinatura: ambos os blocos formalizarão o aceite dos termos do acordo, mediante a assinatura prevista para acontecer no segundo semestre de 2025.
4. Internalização: após a assinatura, os dois blocos cumprirão os trâmites internos de aprovação. No caso brasileiro, o Poder Executivo vai encaminhar o texto para a aprovação do Congresso Nacional. Quanto à UE, o acordo deve ser aprovado por 65% do Conselho Europeu, representando 55% da população dos países integrantes da UE, e por maioria simples do Parlamento do continente.
5. Ratificação: após cumprirem os trâmites internos de aprovação, as partes confirmam, por meio da ratificação, o compromisso com os termos do acordo. O aspecto positivo é a vigência bilateral, ou seja, se a UE ratificar o acordo, o Brasil — ou qualquer outro país do Bloco que tenha concluído o processo de ratificação — já poderá aplicar os termos estabelecidos nas suas relações comerciais. Em outras palavras, se o Brasil aprovar a ratificação, não será necessário aguardar Argentina, Paraguai e Uruguai para que o pacto esteja vigente.
6. Entrada em vigor: o acordo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte à notificação de conclusão dos trâmites internos, ou seja, da ratificação.
A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil, com uma corrente comercial de cerca de US$ 92 bilhões em 2023, o que corresponde a 16% do total da balança comercial brasileira, a qual foi levemente superavitária no ano passado: o País exportou US$ 46,3 bilhões — com destaque para alimentos para animais (11,6%); minérios metálicos e sucata (9,8%); e café, chá, cacau e especiarias (7,8%) — e importou US$ 45,4 bilhões, principalmente produtos farmacêuticos e medicinais (14,7%); máquinas em geral e equipamentos industriais (9,9%); e veículos rodoviários (8,2%). Além disso, a UE é responsável por cerca da metade do investimento direto externo no Brasil, cujo fluxo deve se intensificar com o tratado.
Em relação ao comércio de bens, o pacto prevê uma ampla liberalização tarifária, com desgravação imediata ou linear ao longo de prazos que variam entre 4, 8, 10 e 15 anos. Segundo o Ministério das Relações Exteriores (MRE), “essa oferta cobre aproximadamente 91% dos bens e 85% do valor das importações brasileiras provenientes da União Europeia”. Do lado europeu, a oferta é ainda mais abrangente, com desgravação imediata ou linear em prazos de 4, 7, 8, 10 e 12 anos, contemplando em torno de 95% dos bens e 92% do valor das importações europeias de bens brasileiros.
Com o acordo em vigor, as tarifas de importação aplicadas pela UE sobre frutas — como abacate, limão, melão, melancia, uva e maçã — serão completamente eliminadas e não haverá cotas. Com relação à cachaça, comercializada em garrafas inferiores a dois litros, o comércio será liberalizado em quatro anos. Outros itens importantes da pauta de exportação contarão com acesso preferencial, e os exportadores serão beneficiados por intermédio de cotas na venda de carnes, açúcar e etanol, por exemplo.
No caso dos bens industriais, a eliminação das tarifas permitirá que se equalizem as condições de concorrência com outros parceiros com os quais a UE já tenha acordo de livre-comércio.
Vale destacar que o acordo vai além de aspectos tarifários. O capítulo sobre facilitação de comércio tem o objetivo de reduzir custos, simplificar processos e promover a integração de sistemas — como o Portal Único — e o reconhecimento mútuo dos programas de Operador Econômico Autorizado (OEA). O capítulo de medidas sanitárias e fitossanitárias tem a meta de trazer mais transparência e previsibilidade às exigências. O de serviços e investimentos trará mais segurança jurídica.
Há também capítulos sobre compras governamentais; propriedade intelectual, com o reconhecimento de indicações geográficas como “cachaça” e “queijo canastra”; Pequenas e Médias Empresas (PMEs) que estabeleçam programas de capacitação, parcerias e participação em licitações públicas, aumentando e facilitando a sua integração às cadeias globais; comércio e desenvolvimento sustentável, reforçando o compromisso com o cumprimento do Acordo de Paris e da Agenda 2030; entre outros pontos.
De acordo com a nota divulgada pelo MRE, considerando o ano de 2023 como base, o acordo Mercosul–UE terá, em 2044, um efeito positivo de 0,34% (R$ 34 bilhões) sobre o PIB brasileiro; um aumento de 0,76% no investimento (R$ 13,6 bilhões); redução de 0,56% no nível de preços ao consumidor; aumento de 0,42% nos salários reais; e expansões de 2,46% (R$ 42,1 bilhões) nas importações totais e de 2,65% (R$ 52,1 bilhões) nas exportações totais.
Como destacado anteriormente, o governo Lula trouxe uma visão diferente sobre alguns aspectos do comércio internacional e reabriu as negociações de pontos que já haviam sido concluídos em 2019, solicitando ajustes, como ocorreu com o capítulo de compras governamentais.
Conforme consta na nota divulgada pelo MRE, o governo enxerga as compras governamentais “como um instrumento de política industrial e de desenvolvimento econômico”. Por esse motivo, adotou uma posição protecionista referente às compras realizadas pelo Estado e, no Acordo Mercosul–UE, defendeu a completa exclusão das compras realizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na avaliação da FecomercioSP, essa medida e o novo posicionamento do Brasil são um retrocesso.
Acordos internacionais de compras governamentais, além de propiciarem os benefícios de uma economia mais aberta — redução de custos, aumento da produtividade e competividade, avanços tecnológicos, etc. —, melhoram o processo de compras públicas, resultando em mais credibilidade e transparência, tornando-se uma ferramenta anticorrupção. Recentemente, o País retirou a oferta de adesão ao acordo de compras governamentais da Organização Mundial do Comércio (OMC), e a Entidade posicionou-se sobre o tema.
Outro retrocesso foi o tratamento diferenciado para o setor automotivo, que terá um período mais longo de eliminação tarifária e a criação de uma salvaguarda. Segundo a nota do MRE, “caso venha a haver um aumento de importações europeias que causem dano à Indústria, o Brasil pode suspender o cronograma de desgravação de todo o setor ou retomar a alíquota aplicável às demais origens (hoje de 35%) por um período de três anos, renovável por mais dois, sem a necessidade de oferecer compensação à União Europeia. A avaliação levará em conta parâmetros como nível de emprego, volumes de venda e produção, capacidade instalada e grau de ocupação do setor automotivo”.
A FecomercioSP avalia que a indústria automobilística já é protegida há pelo menos 50 anos, e isso não resultou em ganhos de competitividade e produtividade. Além disso, a Indústria conta com vultosos incentivos fiscais e, de maneira geral, será beneficiada com a implementação da Reforma Tributária. Assim, esse protecionismo excessivo continuará penalizando o consumidor brasileiro, que não terá acesso a modelos de automóveis de melhor qualidade e maior conteúdo tecnológico.
A experiência internacional mostra (e a FecomercioSP acredita nisso) que a abertura comercial é o caminho para reduzir o custo Brasil, bem como para incrementar a produtividade e competitividade no País, beneficiando os consumidores e o setor produtivo, para gerar renda e emprego, aumentar a eficiência de alocação do capital, permitir acesso a recursos mais baratos e com maior conteúdo tecnológico, propiciar ganhos de escala e alcançar um crescimento econômico sustentável em longo prazo.
Na visão da Entidade, a pandemia abriu uma nova janela de oportunidades para o Brasil, ao evidenciar o elevado grau de concentração da cadeia de produção no continente asiático, com setores em todo o mundo enfrentando desabastecimento de determinados itens. Assim, há um rearranjo em curso da produção mundial, frente ao surgimento de cadeias de valor locais e regionais, movimento que pode beneficiar a Nação se o País alterar a sua estrutura tarifária, ampliar os acordos de livre-comércio e seguir com a agenda de reformas estruturais e de melhoria do ambiente de negócios.
Nesse contexto, a Federação celebra a conclusão das negociações do Acordo Mercosul–UE, defendido há anos pela Entidade e pilar fundamental do processo de abertura comercial, e torce para que a ratificação ocorra de maneira célere. Além do potencial de alavancar a competitividade da economia nacional, esse fato novo pode fazer com que outras negociações em curso progridam mais rapidamente.
A FecomercioSP parabeniza a diplomacia do Estado brasileiro e demais ministérios envolvidos pela conquista, num longo percurso de defesa dos interesses do País, bem como pela pertinente compatibilização destes com os dos demais países do Mercosul, face às pressões dos diferentes grupos de interesses dos Estados-membros da União Europeia.
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