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Caminho sustentável após a crise

Otaviano Canuto
é diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington
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Otaviano Canuto
é diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington

O covid-19 está derrubando o PIB brasileiro em 2020, e a provável recuperação no ano que vem não será capaz de mantê-lo no mesmo índice do ano passado. Isso depois de três anos nos quais a queda durante a recessão de 2015-2016 não chegou a ser inteiramente revertida.

Também em 2020, o déficit público está subindo vertiginosamente, como seria de se esperar, por conta das políticas públicas necessárias para mitigar a catástrofe causada pelo coronavírus e da diminuição na receita tributária. Assim como no resto do mundo, a combinação de um declínio no PIB e de déficit público mais alto vai elevar a dívida pública como proporção do PIB.

O problema é que, no Brasil, o ajustamento gradual das contas públicas, iniciado com a aprovação do teto de gastos, ainda não havia trazido a dívida pública para patamares confortáveis.

As necessidades de financiamento do setor público – déficit nominal e rolagem de amortizações da dívida – não deverão encontrar dificuldades neste ano. No futuro, porém, tudo dependerá de como evoluírem a proporção da dívida pública em relação ao PIB e o próprio PIB. Presume-se o retorno ao arcabouço de gestão fiscal, em vigor antes da pandemia, mas os desafios estarão mais complexos do que antes. O crescimento econômico só será maior, porém, se os investimentos privados subirem, inclusive na infraestrutura, até porque o espaço fiscal para aportes públicos continuará apertado.

O horizonte plurianual das decisões de investimento em infraestrutura – além das perspectivas econômicas de curto prazo menos alvissareiras –  torna a participação do setor privado neles uma oportunidade de contornar a falta de espaço fiscal na próxima década. Investimentos em infraestrutura e outros de longo prazo trariam melhorias tanto na demanda agregada quanto na produtividade. Para que isso aconteça, contudo, a agenda de reformas  –  tributária, ambiente de negócios, ajuste fino do arcabouço regulamentário dos setores –  deve retornar à vanguarda.  

Também vale atentar para o vínculo entre reformas estruturais e investimentos privados e as mudanças nos montantes e no perfil dos fluxos de capital estrangeiro para o Brasil no passado recente. Embora seja esperado um saldo positivo em conta-corrente no balanço de pagamentos do País em 2020, a tendência é de déficits. As entradas de capital mais do que cobriram tais déficits correntes no passado recente e, de fato, devem ser responsabilizadas pela dramática acumulação de reservas externas em território nacional, a partir de meados dos anos 2000.

Contudo, uma mudança de sinal na conta de capitais do balanço de pagamentos ocorreu desde que o Brasil perdeu seu grau de investimento, em 2015, com saídas acentuadas durante a pandemia. O fluxo de investimentos em carteira – ações e renda fixa – tornou-se negativo após a recessão de 2015/2016, e a transição para taxas de juros domésticas mais baixas diminuiu a atratividade da União como destino de busca de rendimentos em juros.

O retorno parcial de investimentos em carteira nas últimas semanas não deve ser confundido como volta às condições anteriores, pois refletiram uma reversão do excesso nos ajustes de carteiras provocados pelo choque financeiro global em março, seguido pela contrarreação agressiva pelo Federal Reserve Bank. Os investimentos diretos externos, por sua vez, provavelmente não preencherão o vazio na ausência de novas oportunidades.

Portanto, uma combinação de um retorno crível ao caminho do ajuste fiscal e reformas estruturais favoráveis ​​ao investimento privado também teria um efeito positivo adicional de possibilitar novas rodadas de entradas de capital estrangeiro. Isso reforçaria a probabilidade da economia brasileira sair da crise de covid-19 para entrar numa rota de crescimento com endividamento público sustentável.

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