Quando o empresário e fazendeiro mineiro Moacyr de Carvalho Dias (1920–2017) morreu, boa parte do que foi noticiado pela imprensa descrevia-o como o “inventor do requeijão em copo”. Esta descrição diz mais sobre o Brasil do que propriamente sobre Dias. Afinal, muito antes de discursos sustentáveis que pregam o reúso consciente tornarem-se praxe, o copo de requeijão já era instituição nos lares brasileiros. Nos anos 1950, Dias revolucionou a maneira de embalar o requeijão. E, sem querer, invadiu armários de cozinha e louceiros com o característico copo — que, depois de abrigar o requeijão, servia de água a cerveja gelada, passando pelo cafezinho.
“O reaproveitamento de embalagens é muito comum no Brasil, em especial os copos”, analisa o publicitário e administrador de empresas Marcos Bedendo, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Ele recorda que, ao longo da história de alguns produtos, esse reaproveitamento foi, inclusive, objeto de ações de marketing, com itens decorados e colecionáveis, por exemplo. Segundo o professor, o consumidor sempre enxergava valor no copo. “No entanto, podemos entender que o valor era limitado, já que, hoje, salvo raras exceções, todas as marcas de requeijão adotaram copos plásticos, os quais, costumeiramente, não são reutilizados”, compara. “Então, percebe-se que há algum valor, mas que não se trata um diferencial relevante, pois, se fosse, ainda teríamos a maioria dos produtos sendo vendidos em copos de vidro”, pondera.
Dias começou a carreira profissional como leiteiro. Com duas carroças, distribuía leite em Poços de Caldas, sua cidade natal, no interior de Minas Gerais. Logo teve a ideia de eliminar os vasilhames, comercializando a bebida em saquinhos plásticos. Mas foi o requeijão que fez dele um personagem histórico. Na época, o produto era vendido em tabletes embalados em papel-alumínio, como as barras de manteiga. Quando já à frente da Laticínios Poços de Caldas — desdobramento de uma empresa da qual o pai foi um dos fundadores —, começou a pensar em uma nova fórmula para o laticínio que o deixasse mais cremoso, a ponto de poder ser embalado em copos, o que facilitaria o transporte e o armazenamento, além de aumentar a durabilidade.
Foram centenas de testes até chegar à consistência e ao sabor ideais. “Eu comecei a enumerar cada receita. No começo, fazia uma por dia; depois, passei para três e acabei fazendo seis por dia”, contou Dias, em entrevista pouco tempo antes de morrer. “Quando cheguei na 606, achei que tinha dado certo.” Isso foi no dia de número 155 do processo — e, por isso, o requeijão cremoso começou a ser vendido sob o nome Experiência 155, conforme conta o site oficial da empresa.
O empresário definia o seu produto como “muito primo-irmão da manteiga, porque, quando a gente desnata o leite, obtém dois produtos: o leite desnatado e o creme de leite. O requeijão é a massa do leite desnatado trabalhado em uma panela de face dupla, a vácuo, aquecida a vapor, que recebe creme de leite fresco no processo”, ensinou.
Se é primo-irmão da manteiga, como Dias costumava ressaltar, no paladar também se tornou paixão nacional para ser passado no pãozinho fresco. A invenção, que combinou nova fórmula e embalagem inovadora, conquistou o País e tem espaço muito semelhante aos da manteiga e da margarina na mesa brasileira do café da manhã. O sucesso foi tanto que chamou a atenção da gigante multinacional Danone, a partir dos anos 1970, quando essa empresa francesa fincou o pé no País, por meio de uma parceria com a firma de Dias.
Segundo Bedendo, da ESPM, o principal ponto para explicar o êxito do requeijão cremoso foi o produto em si — o copo veio como bônus. “Há uma questão de preferência do consumidor pelo produto mais cremoso, pelo sabor e pela facilidade de uso. E, eventualmente, a questão do custo”, afirma o especialista. Contam, ainda, outros fatores, como conservação e assepsia, que podem ser melhores no produto em copo, aponta.
Mesmo com a embalagem plástica dominando os pontos de venda, o copo de requeijão é símbolo nacional. “A maioria das pessoas, ao pensar em requeijão, lembra do formato em copo. Então, em plástico ou vidro, trata-se de uma referência da categoria requeijão, que pode ser considerado um ícone”, observa o professor.
Além do requeijão em copo, Dias deixou outro legado, que era o seu grande orgulho em vida. Obcecado pela preservação de aves silvestres, construiu, em Poços de Caldas, um criadouro de animais ameaçados de extinção, com o objetivo de reproduzi-los e reintroduzi-los em seu habitat. Quando morreu, em 2017, o empreendimento somava cerca de 4 mil aves de mais de 300 espécies.