Sementes do futuro

06 de junho de 2025

O Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo. Por isso, é urgente buscar formas de minimizar os efeitos do aquecimento global sobre a produção agrícola — somente as chuvas no Rio Grande do Sul causaram perdas de R$ 3 bilhões. Isso significa também preservar a segurança alimentar de uma população de 215 milhões de pessoas e garantir a produtividade de um setor responsável por um quarto do PIB.

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E se houvesse uma forma de adaptar e preservar sementes das mais variadas espécies para que sobrevivam a intempéries e pragas ao longo do tempo? O que parecer ficção distópica, já é realidade há quase 50 anos no Banco Genético da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A empresa aplica ciência de ponta num acervo que funciona como um seguro para produtores rurais de todos os portes diante de cenários como ondas de calor, mudanças radicais no regime de chuvas, seca e perda de nutrientes no solo.

“O programa de recursos genéticos da Embrapa, composto por centenas de coleções, preserva ativos estratégicos fundamentais para o Brasil”, explica o agrônomo Juliano Pádua, supervisor do Banco Genético. “Nosso acervo genético auxilia diretamente o desenvolvimento de cultivares mais resilientes e adaptados aos novos cenários climáticos. Da mesma forma, o material genético animal conservado é muito importante para o melhoramento de raças”, complementa. Além de sementes, a Embrapa também armazena amostras genéticas de animais e microrganismos, uma verdadeira arca do tesouro de DNA. No total, estão distribuídos, pelo Brasil, 164 bancos de vegetais, 59 coleções de conservação animal e 25 acervos de microrganismos.

Os desafios são variados. Em um artigo divulgado pela Associação Brasileira de Estudos Regionais (Aber), a professora Viviani Silva Lírio e a doutoranda Gislene Joselita de Souza Fonseca, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), afirmam que os efeitos das mudanças climáticas na segurança alimentar são complexos e multifacetados, e o Brasil, como um dos maiores produtores agrícolas do mundo, lida com desafios específicos. “As mudanças climáticas podem levar a uma redução significativa das áreas adequadas para a produção de grãos, essenciais para a segurança alimentar”, pontuam as pesquisadoras. Ainda segundo o artigo, a vulnerabilidade do setor agrícola é agravada pela dependência de práticas tradicionais, que podem não ser resilientes às novas condições climáticas.

As acadêmicas alertam que os problemas causados pelo clima para a produção de alimentos podem dar início a um círculo vicioso, com consequências diretas na saúde da população. “As mudanças climáticas afetam a segurança alimentar por meio de efeitos indiretos, como flutuações nos preços dos alimentos, redução dos meios de subsistência e aumento da desnutrição”, destacam. A variação nos preços pode limitar o acesso a alimentos, especialmente para populações de baixa renda, enquanto a deterioração das condições de saúde, em decorrência da desnutrição, compromete o aproveitamento adequado dos nutrientes disponíveis.

Considerando somente a produção brasileira de grãos, em 1977, foram registradas 47 milhões de toneladas, que se expandiram para 312 milhões de toneladas atualmente. A produtividade agrícola aumentou 58% desde 2000 — no mesmo período, o crescimento foi de 37% nos países emergentes e de 32% nas economias avançadas.

Quase ‘cinquentão’

Criado em 1976 sob o nome oficial de Coleção de Base de Germoplasma-Semente (Colbase), o Banco Genético da Embrapa reúne, hoje, mais de 150 mil amostras de aproximadamente 1,1 mil espécies, abrangendo grandes culturas agrícolas, como arroz, feijão, soja, milho e trigo, além de espécies nativas brasileiras de interesse ecológico. Segundo Pádua, do Banco Genético, após visitar vários bancos ao redor do mundo, a equipe da Embrapa identificou a necessidade de se estabelecer uma infraestrutura para conservar cópias de segurança das amostras mantidas pela empresa. Ao longo dos anos, o sistema de conservação de recursos genéticos evoluiu, agregando à conservação de sementes a criopreservação — técnica que usa o congelamento mediante temperaturas muito baixas para conservar materiais biológicos — de plantas e as conservações animal e de microrganismos.

Para garantir a longevidade das amostras, as sementes são dessecadas para reduzir o teor de umidade a 5% e armazenadas a 18ºC negativos, o que garante a viabilidade de germinação por décadas. Para espécies que se propaguem vegetativamente, ou seja, sem sementes — como a batata, o morango, a cana-de-açúcar e a mandioca —, são utilizadas técnicas de conservação in vitro e de criopreservação de mudas em nitrogênio líquido a 196ºC negativos. “Na conservação in vitro, são utilizadas técnicas de cultura de tecidos. Um fragmento da planta é mantido em um tubo de ensaio com um meio de cultura que fornece nutrientes, mas que também garante que seu crescimento seja lento. Assim, é possível conservar plantas por meses ou até mesmo alguns anos”, descreve Pádua.

Cooperação internacional

A Embrapa mantém intercâmbio de conhecimento com diversos bancos internacionais que fazem parte do Grupo Consultivo Internacional de Pesquisa para a Agricultura (CGIAR), composto por centros de pesquisas de todo o mundo. Essas parcerias envolvem do intercâmbio de material genético ao desenvolvimento e à avaliação de novos cultivares. “Muitos espécimes coletados no Brasil são encaminhados para o Banco Mundial de Sementes de Svalbard”, conta o agrônomo. O silo norueguês, localizado em uma ilha próxima ao Polo Norte, é o maior desse tipo no mundo. Lá estão mais de 23 mil amostras coletadas no Brasil. Há ainda acordos entre a Embrapa e o Centro Internacional de la Papa (CIP) — responsável por conservar e desenvolver tecnologias relacionadas a batata, batata-doce e outras raízes e tubérculos, e que concedeu à Embrapa a responsabilidade de conservar cópias de segurança —, bem como o Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat), o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT) e o Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz (IRRI).

ESTA REPORTAGEM FAZ PARTE DA EDIÇÃO #486 (MAI/JUN) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA, DISPONÍVEL AQUI.

Diego Sartorato Débora Faria
Diego Sartorato Débora Faria