Em 2025, o mundo celebra o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quântica, marcando um século de avanços nesse campo fascinante. Contudo, ainda que essas tecnologias sejam importantes para a segurança e a soberania dos países, o Brasil anda para trás. Um estudo recente revelou que nossa posição global em pesquisas na área caiu da 19ª para a 22ª na última década — e a despeito do talento de nossos cientistas, a falta de investimento contínuo freia o progresso nacional nessa área revolucionária.
O Brasil pode “perder o bonde” de uma das áreas de fronteira da ciência mundial, as tecnologias quânticas, se não tornar o assunto estratégico nos próximos anos. É o que mostra um levantamento inédito da BORI-Elsevier, que analisou a produção científica na área na última década. Os dados mostram uma queda na participação brasileira no cenário mundial: o País, que ocupava a 19a posição na pesquisa em ciência e tecnologia quânticas em 2014, caiu para o 22o lugar em 2023. Há, porém, de acordo com especialistas, pesquisa de ponta sendo conduzida em território nacional — e um fôlego de investimento pode alavancar os trabalhos brasileiros sobre ciência quântica.
As informações fazem parte de uma série de retratos que a Agência BORI e a editora científica Elsevier vêm fazendo em parceria para munir o debate público com informações relevantes para políticas científicas e para tomadas de decisão. Foram considerados na análise os artigos científicos sobre ciência e tecnologia quânticas publicados de 2014 a 2023, bem como o vínculo institucional dos pesquisadores que assinam os trabalhos.
Os números são da base Scopus/Elsevier, e, para os cálculos, foi usada a ferramenta analítica SciVal/Elsevier. Para se ter uma ideia do que isso significa, considerando todas as áreas do conhecimento, o Brasil ocupou o 14o lugar mundial em termos de produção científica em 2023. A produção na área Quântica — responsável pelo 22o lugar — está, portanto, abaixo da média nacional.
As possibilidades de aplicação das tecnologias quânticas ainda estão em fase embrionária, mas há expectativas de uso, no futuro, em setores fundamentais para a segurança e a soberania nacionais, que dependem da inviolabilidade de informações criptografadas. Na prática, a sua máquina de uso pessoal deve continuar a mesma nos próximos anos, mas o modo como processamos e analisamos problemas complexos ou como protegemos informação crítica pode ser completamente transformado quando computadores quânticos estiverem disponíveis.
No topo das pesquisas em ciência e tecnologia quântica, mostra o relatório Bori-Elsevier, estão China e Estados Unidos — que também lideram a produção científica mundial considerando todas as áreas do conhecimento (desde 2020, a China passou os EUA e se tornou o país com maior número de artigos científicos produzidos mundialmente). Juntos, China e EUA concentram metade da produção de conhecimento sobre temáticas quânticas em 2023 (a produção mundial foi de 12.045 novos trabalhos científicos na área naquele ano).
Em 2023, pesquisadores chineses publicaram 3.494 estudos sobre ciência e tecnologias quânticas. Isso dá quase dez novos trabalhos por dia. As pesquisas levaram o país a lançar, em 2016, o Micius, considerado o “primeiro satélite quântico do mundo”. A novidade: enquanto satélites comuns utilizam ondas de rádio para enviar mensagens, o Micius emite os fótons emaranhados de maneira mais segura. É como se fossem à prova de hackers.
Já nos EUA, logo atrás da China, foram publicados 2.370 novos artigos científicos na área em 2023. Para se ter uma ideia do que isso significa, pesquisadores brasileiros assinaram, no mesmo ano, 143 novos trabalhos — atrás de países como a Polônia, mas na frente de potências científicas como Israel. O Brasil é o único país da América Latina no topo da produção científica na área.
Olhar para ciência quântica é importante, assunto esse que estará cada vez mais em evidência, uma vez que a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o 2025 como o Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quântica (IYQ), o que significa que serão incentivadas atividades de conscientização pública sobre a importância do campo interdisciplinar e suas aplicações. Além disso, o ano de 2025 marca os cem anos do estabelecimento da mecânica quântica. “Sabemos que o volume de publicação de artigos de um país reflete, dentre outros fatores, o volume de investimento realizado em pesquisa alguns anos atrás. Isto é, são efeitos de médio, e não de curto prazo”, analisa Dante Cid, vice-presidente de Relações Institucionais para a América Latina da Elsevier.
Trocando em miúdos, as publicações científicas de 2023 podem ser reflexo de recursos aplicados na pesquisa há cinco anos (ou mais). Como houve um corte generalizado nas verbas para a ciência como um todo no País na última década, todas as áreas do conhecimento sofreram com isso — inclusive a pesquisa em ciência e tecnologia quântica. O problema é que quem não desenvolver essa tecnologia não terá como adquiri-la no futuro, diferentemente do que acontece com outras áreas, como as vacinas. “Se existir um computador quântico no futuro, este não estará à venda”, explica Gustavo Wiederhecker, físico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Programa Quantum Technologies InitiAtive (QuTIa), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O QuTIa é um dos programas mais novos da Fapesp: foi lançado no fim de 2023 para apoiar pesquisas voltadas ao desenvolvimento de um ecossistema de tecnologias quânticas em áreas como Saúde, Agricultura e Segurança Cibernética e a soluções para problemas computacionais complexos. “A computação quântica não é sobre resolver os mesmos problemas que a clássica resolve de forma mais rápida. Trata-se de ir além e abarcar problemas importantes intratáveis na computação clássica”, explica Wiederhecker. É o caso, por exemplo, de aplicações na otimização de rotas logísticas, de simulação de novos compostos químicos (como medicamentos e insumos agrícolas) ou dos sensores quânticos, que já estão sendo utilizados e que devem revolucionar, no futuro, o campo de imagens médicas e de prospecção de recursos no subsolo.
Fora de São Paulo — Estado que produz cerca de metade da ciência nacional em todas as áreas —, também há pesquisas importantes. É o caso de Salvador, na Bahia, onde está instalado o Quantum Industrial Innovation (QuIIN), do Centro de Competência Embrapii Cimatec em Tecnologias Quânticas. A iniciativa é coordenada pela física Valéria Loureiro da Silva, profissional de referência. Ela participou da 5a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, ocorrida em Brasília, em julho de 2024, onde se discutiu o futuro da ciência no País.
Na ocasião, cientistas e políticos decidiram quais áreas científicas receberão mais atenção e investimentos nos próximos anos. Durante o evento, Valéria enfatizou que, para avançarmos em tecnologias do tipo, precisamos de pessoas muito bem treinadas. É como tentar construir um foguete sem engenheiros especializados — não funciona. E o QuIIN foi criado justamente para formar esses profissionais. Além disso, ela reiterou a necessidade de o País investir em pesquisa de forma constante. Não adianta injetar dinheiro apenas uma vez e, depois, esquecer. A ciência de qualidade que temos precisa de apoio contínuo para crescer e dar resultados.
De fato, o País começou a olhar para o assunto há mais de duas décadas, a partir de 2001, com a criação do Instituto do Milênio de Informação Quântica, um programa do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI) financiado pelo Banco Mundial. À época, foi formado um corpo de profissionais que, por sua vez, educou muitos dos cientistas em atividade hoje em dia. Agora, já se fala na criação de um Programa Nacional de Tecnologias Quânticas, tanto que, em maio de 2024, um pouco antes da 5a Conferência, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, criou formalmente um grupo de trabalho para propor uma iniciativa brasileira. A ideia é justamente priorizar a independência no setor das tecnologias quânticas em segmentos como segurança cibernética, transformação digital e semicondutores.
Como não se sabe se o computador quântico vai existir um dia, investir na área é apoiar a chamada “ciência básica”. É aquela que pode virar alguma coisa — ou não. E quem mais investe nesse tipo de pesquisa sai na frente. Isso ajuda a explicar o bom posicionamento mundial da Alemanha em termos de quantidade de artigos científicos na área. Conhecido por investir de maneira significativa em ciência básica, o país concentra quase mil trabalhos sobre ciência quântica publicados em 2023, o que o coloca em quarto lugar no mundo na área. “A Alemanha conta com um instituto como o Max Planck, que é um epicentro desse campo no mundo”, explica Wiederhecker (o físico Max Planck, que dá nome ao instituto, aliás, é considerado “o pai da física quântica”: foi laureado com o Nobel de Física em 1918 por suas contribuições na área).
Além de físicos, as pesquisas quânticas envolvem engenheiros, biólogos e muitas outras especialidades. No caso brasileiro, por exemplo, chama atenção que historicamente mais de um terço (36%) da produção científica tem se concentrado especificamente em astronomia e astrofísica. Por quê? “A mecânica quântica nos deu a base para entender as informações codificadas na luz emitida por elementos químicos na atmosfera de estrelas e entender a origem desses elementos desde o Big Bang”, explica o astrofísico Ricardo Ogando, do Observatório Nacional.
O próximo desafio, de acordo com Ogando, é entender como conectar a mecânica quântica à teoria da gravidade e, assim, potencialmente explicar componentes do Universo como a matéria escura e a energia escura, cujas observações astrofísicas ainda carecem de entendimento. Ou seja: basicamente todos os campos da ciência estão de olho nessa área.Mesmo que o computador quântico não se torne uma realidade no futuro — ou que demore muito para sair do papel –, pesquisadores destacam que os caminhos da ciência para compreender a área podem ter efeitos colaterais positivos no desenvolvimento de novas tecnologias. Tentando entender uma área do conhecimento, a ciência avança de maneira significativa. Então, de um jeito ou de outro, investir nessa área da ciência terá sempre um saldo positivo.
*Ana Paula Morales é jornalista e pesquisadora. Sabine Righetti é pesquisadora do Labjor-Unicamp. Ambas são co-fundadoras da Agência BORI.