O Banco Central (BC) divulgou recentemente um relatório em que detalha os resultados da fase inicial de testes do Drex, a futura moeda digital do País. O maior obstáculo tecnológico, segundo os reguladores, continua sendo o equilíbrio entre a proteção da privacidade e a necessidade de supervisão. O projeto, agora, entra em sua segunda fase.
O Drex foi concebido em 2020 como uma Moeda Digital de Banco Central (CBDC, da sigla em inglês para Central Bank Digital Currency) e projetada para servir como uma versão digital do real. O desenvolvimento começou formalmente em março de 2023, mas a autoridade monetária ainda não definiu uma data de lançamento. O relatório descreve a iniciativa como “tecnologicamente desafiadora”, que exigirá mais monitoramento do que o previsto inicialmente.
A primeira fase de testes, que terminou em outubro de 2024, simulou transações utilizando ativos digitais “tokenizados” para avaliar diferentes soluções tecnológicas. O principal desafio, de acordo com Fábio Araújo, coordenador do Drex no BC, é manter a moeda digital baseada em blockchain descentralizado, que seja programável — para que os participantes possam definir critérios de transação — e privado, em conformidade com as leis brasileiras de proteção de dados e confidencialidade bancária.
Um dos experimentos cruciais envolveu um protocolo de entrega contra pagamento (DvP) para títulos públicos federais entre clientes de diferentes instituições financeiras. Os testes também simularam a emissão, a transferência e a queima de moedas Drex, tanto no atacado quanto no varejo. O Drex no atacado, controlado pelo BC, será utilizado para garantir que a moeda digital permaneça atrelada ao real. No varejo, o Drex será emitido por instituições financeiras autorizadas.
Mais de 25 bancos, instituições financeiras e empresas de tecnologia apresentaram 16 propostas e participaram do programa-piloto, seja de forma independente, seja mediante consórcios. Dentre os participantes, estão a Caixa e o Banco do Brasil, além de bancos privados como Itaú e Nubank e corretoras como XP e Santander Asset Management.
O BC testou diversas arquiteturas de privacidade, incluindo provas de conhecimento zero, segmentação de rede, computação confidencial e controle de acesso. As duas últimas abordagens foram descartadas. Nesses experimentos, a autoridade monetária trabalhou com soluções de privacidade de empresas como J.P. Morgan e Consensys (Anonymous Zether), Parfin (Rayls) e EY (Starlight). O ZKP Nova, da Microsoft, também foi considerado, mas não estava disponível para testes. Todas as soluções testadas preservaram o anonimato das transações — inclusive, ocultaram informações do próprio BC o que gerou um dilema para os reguladores.
De acordo com o relatório, “é essencial que as autoridades tenham visibilidade e controle sobre o token para cumprir suas obrigações legais, regulatórias ou contratuais”. Afinal, continua o documento, “sem essa capacidade, as autoridades não poderiam monitorar atividades suspeitas, prevenir fraudes ou garantir a conformidade com as leis aplicáveis, comprometendo a segurança e a integridade da plataforma Drex”.
Na segunda fase, o piloto do Drex testará 13 serviços financeiros que podem ser implementados com a utilização de tecnologias de contratos inteligentes, incluindo vendas de veículos, por exemplo. Inicialmente, foram aceitas propostas adicionais, mas o BC decidiu não expandir a lista de instituições participantes nesse estágio.
Dentre as prioridades, destacam-se testes de escalabilidade do sistema, melhora da integração com plataformas externas e resolução do dilema entre privacidade e supervisão. Ajustes regulatórios futuros também serão necessários, especialmente no que diz respeito aos contratos inteligentes e a outras transações com a moeda digital. Já tramitam no Congresso Nacional projetos de lei com o objetivo de regular esses novos instrumentos financeiros.
O Drex também tem atraído a atenção da oposição no Congresso Nacional. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP) anunciou publicamente que se opõe ao projeto, citando o recente compromisso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de proibir o Federal Reserve (FED) de emitir uma moeda digital. A deputada Caroline de Toni (PL/SC), aliada bolsonarista, pressiona o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para que dê explicações ao Congresso sobre a privacidade do Drex.
Ambos os parlamentares ligaram, incorretamente, o projeto à administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de o desenvolvimento do Drex ter começado sob a gestão de Roberto Campos Neto, nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para liderar o BC.
Os reguladores têm buscado acalmar as preocupações, insistindo que o Drex só avançará se atender aos mais altos padrões de privacidade, proteção de dados e segurança nas transações.
Willer Marcondes, sócio da Strategy&, unidade de consultoria estratégica da PwC, afirma que os obstáculos tecnológicos enfrentados pelo Drex não são inesperados, dada a escala do projeto. “São problemas técnicos solucionáveis, mas complexos, o que exigirá esforço, investimento e uma simplificação da arquitetura do sistema”, explica.
Até o momento, apenas três países — Nigéria, Jamaica e Bahamas — lançaram com sucesso moedas digitais, de acordo com um rastreador de CBDC do Atlantic Council. Todas são nações bem menores que o Brasil. Enquanto isso, 40 países executam, atualmente, programas-piloto para moedas digitais, e 19 estão em desenvolvimento ativo.
Marcondes acredita que o maior potencial do Drex é o de agilizar transações financeiras que ainda são complicadas. Entre usos mais promissores que serão testados na segunda fase estão o adiantamento de recebíveis e pagamentos internacionais, que podem beneficiar muito as transações financeiras das empresas.
O governo brasileiro avalia também usar a tecnologia blockchain para facilitar transações entre os países do Brics. O setor agrícola, que já desenvolveu um ecossistema de tokens próspero, também pode se beneficiar, particularmente em contratos de troca e em transações que envolvam garantias. “Para um país que é referência global em agronegócio e serviços financeiros, o Brasil pode se tornar um pioneiro nessa área”, acredita Marcondes.
Para os consumidores, o Drex simplificaria transações imobiliárias. Um contrato inteligente vinculado ao Drex, por exemplo, poderia transferir automaticamente os direitos de propriedade após o pagamento. A PwC também identificou aplicações potenciais em microcrédito e programas de fidelidade no varejo.
No entanto, a viabilidade de longo prazo do Drex depende de sua capacidade de oferecer um valor claro para empresas e indivíduos. A adoção real está vinculada à simplicidade e à facilidade de uso — como aconteceu com o sistema de pagamentos instantâneos do Brasil, o PIX, que se tornou onipresente rapidamente.
“Obviamente, há um desafio. Se for necessário explicar tokens ou codificação antes que alguém possa usar o Drex, ele estará fadado ao fracasso desde o início”, adverte Marcondes. Uma preocupação importante é quanto será cobrado das empresas e dos bancos pela utilização da plataforma Drex, pois as transações em blockchain continuam sendo caras. “As pessoas precisam confiar no sistema e ver o seu valor, o que ainda não está completamente claro”, conclui.