Drex: entre privacidade e vigilância

20 de março de 2025

O

O Banco Central (BC) divulgou recentemente um relatório em que detalha os resultados da fase inicial de testes do Drex, a futura moeda digital do País. O maior obstáculo tecnológico, segundo os reguladores, continua sendo o equilíbrio entre a proteção da privacidade e a necessidade de supervisão. O projeto, agora, entra em sua segunda fase.

O Drex foi concebido em 2020 como uma Moeda Digital de Banco Central (CBDC, da sigla em inglês para Central Bank Digital Currency) e projetada para servir como uma versão digital do real. O desenvolvimento começou formalmente em março de 2023, mas a autoridade monetária ainda não definiu uma data de lançamento. O relatório descreve a iniciativa como “tecnologicamente desafiadora”, que exigirá mais monitoramento do que o previsto inicialmente.

A primeira fase de testes, que terminou em outubro de 2024, simulou transações utilizando ativos digitais “tokenizados” para avaliar diferentes soluções tecnológicas. O principal desafio, de acordo com Fábio Araújo, coordenador do Drex no BC, é manter a moeda digital baseada em blockchain descentralizado, que seja programável — para que os participantes possam definir critérios de transação — e privado, em conformidade com as leis brasileiras de proteção de dados e confidencialidade bancária.

Os testes da primeira fase

Um dos experimentos cruciais envolveu um protocolo de entrega contra pagamento (DvP) para títulos públicos federais entre clientes de diferentes instituições financeiras. Os testes também simularam a emissão, a transferência e a queima de moedas Drex, tanto no atacado quanto no varejo. O Drex no atacado, controlado pelo BC, será utilizado para garantir que a moeda digital permaneça atrelada ao real. No varejo, o Drex será emitido por instituições financeiras autorizadas.

Mais de 25 bancos, instituições financeiras e empresas de tecnologia apresentaram 16 propostas e participaram do programa-piloto, seja de forma independente, seja mediante consórcios. Dentre os participantes, estão a Caixa e o Banco do Brasil, além de bancos privados como Itaú e Nubank e corretoras como XP e Santander Asset Management. 

O BC testou diversas arquiteturas de privacidade, incluindo provas de conhecimento zero, segmentação de rede, computação confidencial e controle de acesso. As duas últimas abordagens foram descartadas. Nesses experimentos, a autoridade monetária trabalhou com soluções de privacidade de empresas como J.P. Morgan e Consensys (Anonymous Zether), Parfin (Rayls) e EY (Starlight). O ZKP Nova, da Microsoft, também foi considerado, mas não estava disponível para testes. Todas as soluções testadas preservaram o anonimato das transações — inclusive, ocultaram informações do próprio BC  o que gerou um dilema para os reguladores.

De acordo com o relatório, “é essencial que as autoridades tenham visibilidade e controle sobre o token para cumprir suas obrigações legais, regulatórias ou contratuais”. Afinal, continua o documento, “sem essa capacidade, as autoridades não poderiam monitorar atividades suspeitas, prevenir fraudes ou garantir a conformidade com as leis aplicáveis, comprometendo a segurança e a integridade da plataforma Drex”.

Próximos passos

Na segunda fase, o piloto do Drex testará 13 serviços financeiros que podem ser implementados com a utilização de tecnologias de contratos inteligentes, incluindo vendas de veículos, por exemplo. Inicialmente, foram aceitas propostas adicionais, mas o BC decidiu não expandir a lista de instituições participantes nesse estágio.

Dentre as prioridades, destacam-se testes de escalabilidade do sistema, melhora da integração com plataformas externas e resolução do dilema entre privacidade e supervisão. Ajustes regulatórios futuros também serão necessários, especialmente no que diz respeito aos contratos inteligentes e a outras transações com a moeda digital. Já tramitam no Congresso Nacional projetos de lei com o objetivo de regular esses novos instrumentos financeiros.

O Drex também tem atraído a atenção da oposição no Congresso Nacional. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP) anunciou publicamente que se opõe ao projeto, citando o recente compromisso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de proibir o Federal Reserve (FED) de emitir uma moeda digital. A deputada Caroline de Toni (PL/SC), aliada bolsonarista, pressiona o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para que dê explicações ao Congresso sobre a privacidade do Drex. 

Ambos os parlamentares ligaram, incorretamente, o projeto à administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de o desenvolvimento do Drex ter começado sob a gestão de Roberto Campos Neto, nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para liderar o BC.

Os reguladores têm buscado acalmar as preocupações, insistindo que o Drex só avançará se atender aos mais altos padrões de privacidade, proteção de dados e segurança nas transações.

Potencial e desafios

Willer Marcondes, sócio da Strategy&, unidade de consultoria estratégica da PwC, afirma que os obstáculos tecnológicos enfrentados pelo Drex não são inesperados, dada a escala do projeto. “São problemas técnicos solucionáveis, mas complexos, o que exigirá esforço, investimento e uma simplificação da arquitetura do sistema”, explica.

Até o momento, apenas três países — Nigéria, Jamaica e Bahamas — lançaram com sucesso moedas digitais, de acordo com um rastreador de CBDC do Atlantic Council. Todas são nações bem menores que o Brasil. Enquanto isso, 40 países executam, atualmente, programas-piloto para moedas digitais, e 19 estão em desenvolvimento ativo.

Marcondes acredita que o maior potencial do Drex é o de agilizar transações financeiras que ainda são complicadas. Entre usos mais promissores que serão testados na segunda fase estão o adiantamento de recebíveis e pagamentos internacionais, que podem beneficiar muito as transações financeiras das empresas.

O governo brasileiro avalia também usar a tecnologia blockchain para facilitar transações entre os países do Brics. O setor agrícola, que já desenvolveu um ecossistema de tokens próspero, também pode se beneficiar, particularmente em contratos de troca e em transações que envolvam garantias. “Para um país que é referência global em agronegócio e serviços financeiros, o Brasil pode se tornar um pioneiro nessa área”, acredita Marcondes.

Para os consumidores, o Drex simplificaria transações imobiliárias. Um contrato inteligente vinculado ao Drex, por exemplo, poderia transferir automaticamente os direitos de propriedade após o pagamento. A PwC também identificou aplicações potenciais em microcrédito e programas de fidelidade no varejo.

No entanto, a viabilidade de longo prazo do Drex depende de sua capacidade de oferecer um valor claro para empresas e indivíduos. A adoção real está vinculada à simplicidade e à facilidade de uso — como aconteceu com o sistema de pagamentos instantâneos do Brasil, o PIX, que se tornou onipresente rapidamente.

“Obviamente, há um desafio. Se for necessário explicar tokens ou codificação antes que alguém possa usar o Drex, ele estará fadado ao fracasso desde o início”, adverte Marcondes. Uma preocupação importante é quanto será cobrado das empresas e dos bancos pela utilização da plataforma Drex, pois as transações em blockchain continuam sendo caras. “As pessoas precisam confiar no sistema e ver o seu valor, o que ainda não está completamente claro”, conclui.

A publicação deste conteúdo é fruto de parceria entre a Revista Problemas Brasileiros e o portal The Brazilian Report. Acesse aqui o material original, em inglês.

Letícia Arcoverde | The Brazilian Report Débora Faria
Letícia Arcoverde | The Brazilian Report Débora Faria