Rio de Janeiro, cidade da Bolsa?

29 de agosto de 2024

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Usando um coletraderos coletes acolchoados famosos entre agentes do mercado financeiro —, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, anunciou o Projeto de Lei (PL) que cria incentivos fiscais para a instalação de uma Bolsa de Valores na capital fluminense, que competirá com a B3, sediada em São Paulo. No vídeo publicado nas redes sociais, Paes, de quebra, ironizava o estilo de vida dos profissionais da Avenida Faria Lima, polo do mercado paulistano: “Aqui, o beach tennis é na praia de verdade”, provoca. O vídeo satírico sobre os “Faria Limers” anuncia as condições para que a Americas Trading Group (ATG), empresa de tecnologia focada na negociação de ativos financeiros, controlada pelo Mubadala Capital, fundo soberano de Abu Dhabi, inicie sua operação de mercado de capitais na cidade em 2025. 

Para especialistas ouvidos pela Problemas Brasileiros, o aumento da concorrência no setor deve ser positivo, pois poderá acarretar menores taxas e aumento de liquidez. No entanto, há adversidades latentes, como a necessidade de pontos de diferenciação claros entre a nova Bolsa e a B3.

Rio, de novo, no circuito financeiro

A inauguração da nova Bolsa do Rio terá um quê de “volta para casa”, uma vez que a capital fluminense já contou com sua própria operação para o mercado de capitais. Em 1820, era inaugurada a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ), a segunda do País, à época. O auge carioca se deu entre as décadas de 1960 e 1970, quando o Brasil passava por um período de forte crescimento econômico. 

A hiperinflação das décadas seguintes, porém, fez as movimentações especulativas crescerem de forma exorbitante, até o momento em que as negociações foram suspensas. “O principal especulador, naquele momento, era Naji Nahas. Corretoras quebraram após um dos seus ataques especulativos, e a BVRJ suspendeu as operações. Na reabertura, os papéis haviam perdido muito valor”, conta Alexandre Pires, professor de Economia no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais de São Paulo (Ibmec-SP). “A Bolsa perdeu credibilidade, pujança e liquidez, o que se agravou com o congelamento de poupanças nos anos 1990. Isso foi bom para a então Bovespa se expandir em market share”, relembra.

Só em 2002 que a Bolsa carioca viu, enfim, uma resolução, quando passou por uma fusão com a paulista. No entanto, a parceria marcou o fim do pregão na capital fluminense. 

Outro começo

A volta de uma Bolsa de Valores ao Rio de Janeiro ocorre em meio ao anúncio de incentivos fiscais, que reduziram o Imposto sobre Serviços (ISS) de 5% para 2% nas atividades desempenhadas pela Bolsa. Chicão Bulhões, secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico, lembra que a cidade é sede da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regulamenta o setor, e de várias corretoras. Por isso, nada mais natural que a Bolsa voltasse ao Rio após o fomento do setor público.

“Nós queremos atrair mais investimentos para a cidade, por isso, propomos a redução de ISS para o mercado financeiro, além do setor de tecnologia, de empresas instaladas na região do Porto Maravilha e do mercado voluntário de crédito de carbono, para citar outros dois exemplos”, afirma Bulhões. “Além disso, melhoramos o ambiente de negócios com a simplificação da legislação municipal para a abertura de empresas com a Lei de Liberdade Econômica e o Alvará a Jato. Isso quer dizer que quase 300 atividades econômicas passaram a ser consideradas de baixo risco, e empresários que exerçam essas atividades podem obter licença de funcionamento de forma rápida, com segurança jurídica”, completa o secretário.

De acordo com Claudio Pracownik, presidente da ATG, graças à redução da tributação municipal, a nova Bolsa, que tem previsão de inauguração para o ano que vem, deverá gerar pelo menos 200 empregos diretos, além de promover um ecossistema de inovação na cidade. “Data centers entraram em contato, empresas de tecnologia querem trabalhar aqui. A Bolsa gera um ecossistema de serviços ao redor, com muito resultado indireto também. A reabertura pode ser, de alguma forma, o início da recuperação do mercado financeiro do Rio de Janeiro”, afirma.

O presidente do ATG ressalta que a nova Bolsa levará o País a um novo estágio de maturidade no mercado de capitais para que receba, novamente, uma “inundação de investimentos”, firmando-o em um patamar mais próximo ao dos países desenvolvidos. “Nosso papel é trazer competitividade. Dos 20 países com as maiores economias, só dois não contam com duas Bolsas: nós e a Espanha. Um mercado de competição é muito bem-vindo, pois reduz preço, expande os negócios e traz mais eficiência e segurança”, explica.

Pracownik avalia, ainda, que o ressurgimento de uma segunda Bolsa no Brasil deverá, principalmente, diminuir taxas de operação e elevar a liquidez dos ativos. “Quando se tem duas Bolsas, há aumento do volume do mercado. Fica mais seguro. Se uma sair do ar, por exemplo, um gestor poderá fazer um hedge [ferramenta de proteção contra grandes variações de preços dos ativos] na outra”, exemplifica. Inicialmente, a nova Bolsa deverá operar cotas de fundos e índices, além de equities (participação acionária). A ATG aguarda validações legais dos órgãos reguladores, como a CVM. Procurada, a autarquia afirma que não comenta casos específicos.

Desafios à vista

A nova operadora da Bolsa, contudo, também enfrentará alguns obstáculos. Segundo Pedro Gonzaga, analista da gestora Mantaro Capital, a empresa precisará ter um diferencial claro em relação à B3 para sobreviver e gerar benefícios reais aos agentes do mercado de capitais. “Acreditamos que esse diferencial poderá ser um menor preço de negociação e eventuais facilidades para investidores de alta frequência. Isso pode levar a B3 a melhorar o próprio serviço e reduzir o preço, além de se beneficiar do incremento do volume negociado e de arbitragens entre cada ambiente”, destaca. O analista afirma que a Bolsa do Rio, porém, ainda não divulgou uma proposta de valor diferenciada para tipos específicos de emissores. “Seria interessante para emissores e para a nova Bolsa que não houvesse limites para a negociação, com a possibilidade de uma mesma ação ser comercializada em dois ambientes, maximizando a liquidez potencial”, sugere.

A estimativa de Pires, do Ibmec-SP, é que a nova Bolsa viabilize a operação quando tiver o equivalente a 4% do volume da B3, o que é possível mesmo com a “seca” de IPOs — quando novas empresas passam a oferecer as próprias ações em Bolsa — que atinge o mercado. “IPOs não são o melhor indicador de viabilidade, porque dependem de muitos fatores, sobretudo das expectativas de investidores para a ampliação de um negócio já em atuação ou o alcance de um novo”, afirma. Para o economista, apesar de o lançamento estar previsto para o ano que vem, uma real disputa entre Bolsas deve demorar alguns anos. “Se houver custos menores, empresas que movimentam grandes volumes podem começar a ofertar mais na futura Bolsa carioca. A disputa direta pelo mercado da B3 deve ocorrer num horizonte estratégico bem mais distante, para mais de cinco anos”, prevê o professor.

Vinícius Pereira Débora Faria
Vinícius Pereira Débora Faria