Desafio da educação começa na primeira infância

18 de junho de 2024

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Os problemas educacionais do Brasil se concentram, sobretudo, nos extremos da etapa básica — isto é, na primeira infância, englobando creches e escolas infantis, e na transição do ensino fundamental para o médio. O diagnóstico é do economista André Portela, que leciona Políticas Públicas na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e esteve presente na reunião da Frente Empresarial de Modernização do Estado, da Federação do Comércio de Bens, Serviços do Estado de São Paulo (FecomercioSP)

Mas não só isso: no seu diagnóstico, há gargalos enormes também nos currículos profissionais, uma agenda que o País abandonou, enquanto outros países têm investido cada vez mais na modalidade. Com isso, o foco do dinheiro público fica, em primeiro plano, no ensino superior — e, em um segundo nível, no fundamental. “Diversas pesquisas recentes têm mostrado que investir em educação infantil, na primeira infância, é fundamental para a acumulação de capital humano. Os impactos desses investimentos sobre a juventude e a vida adulta das pessoas são duradouros, de longo prazo”, explicou Portela. “É por isso que muitas políticas educacionais ao redor do mundo estão se voltando para essa agenda hoje”, completou. 

Segundo o economista, que também coordena o Centro de Microeconomia Aplicada (C-Micro) e dirige o Centro Regional para Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e África Lusófona (FGV-EESP-Clear), apesar dos avanços significativos nos últimos anos na universalização do ensino fundamental, o Brasil ainda convive com problemas graves tanto na ordem da quantidade quanto da qualidade do ensino. O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) — teste que avalia o desempenho de estudantes entre 15 e 16 anos aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 81 países — mostrou que a média brasileira foi de 379, em 2022, ocupando a 65ª colocação no ranking geral. Em 2000, o País obteve uma média de 368. “De um lado, ainda temos gargalos no acesso à escola, além do fluxo de estudantes, que passa por índices de repetência, atrasos, abandonos etc. Da mesma forma, há graves questões na qualidade, sobretudo no que diz respeito ao aprendizado dos alunos. Parece-me que isso esteja um pouco relacionado ao resultado da universalização tardia da educação no Brasil”, analisa Portela. 

Na reunião, o coordenador da frente, o economista Antonio Lanzana, que também coordena o Conselho Superior de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, apresentou alguns dados que expressam, de forma clara, a posição brasileira na Educação global. Por exemplo, em 2021, o País gastou 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB) com a área, abaixo dos 6,3% investidos em 2015. Entre os países da OCDE, a média de investimento de cada nação, por aluno, é de US$ 11,5 mil, enquanto a nacional é de US$ 4,3 mil. Portela, por sua vez, apontou alguns desafios que, por ora, são mais urgentes. O principal, de acordo com o economista, é a recuperação das “vítimas da pandemia” de covid-19. O argumento dele é que a crise sanitária entre 2020 e 2023 afetou significativamente o ciclo de vida de um conjunto de pessoas no mundo, inclusive no Brasil. 

Trata-se de um fenômeno comum em contextos de grandes choques, como guerras ou crises econômicas. “O problema é que a pandemia impactou as escolas e o mercado de trabalho”, explicou. “De um lado, atingiu em cheio a entrada de crianças de 7 a 10 anos nas escolas, que perderam muito do contato com os professores e com os espaços educacionais. Eles precisam passar por um processo de reforço. De outro, muitos jovens que terminaram a escola durante a pandemia tiveram uma formação incompleta. Agora, com cerca de 20 anos, eles não conseguem acessar o mercado de trabalho porque não reúnem as competências que as empresas exigem, muito por causa desse gargalo”, completou.

O economista da FGV também destacou outro problema que deve ser discutido com mais ênfase no debate educacional do País: as métricas de avaliação dos docentes. É fato que os salários estão defasados e devem ser ajustados na medida do possível, mas faltam formas de avaliar os resultados que esses profissionais entregam, refletidos nos desempenhos dos alunos. “Não adianta só aumentar a remuneração. É preciso estimular a produtividade educacional.”

Esse diagnóstico foi corroborado por Paulo Delgado, também membro do conselho da FecomercioSP, que questionou as dificuldades em implementar medidas como essas no Brasil. Ainda segundo Portela, a dificuldade está em como equilibrar os salários de acordo com os níveis profissionais existentes. “É preciso uma estrutura em que haja uma exigência dos docentes em novas habilidades, em que as escolas sejam sensíveis e abertas à pressão do mundo externo para dentro desse espaço. Isso certamente teria impacto sobre sua eficiência”, finalizou.

Redação PB Annima de Mattos
Redação PB Annima de Mattos