Entre milhões de escolas mundo afora, na imensa variedade de estrutura, recursos, metodologias e culturas, quatro instituições de ensino brasileiras foram escolhidas como finalistas da premiação World Best Schools 2024, que reconhece e celebra as melhores do mundo. Iniciativa da T4 Education, uma organização educacional britânica, a competição seleciona dez finalistas em cinco categorias: Colaboração da Comunidade, Ação Ambiental, Inovação, Superação das Adversidades e Apoio à Saúde. Os vencedores serão divulgados em novembro.
Com recursos escassos, às vezes obtidos por doação, num bairro formado por famílias em vulnerabilidade social, a Escola Estadual (E.E.) Deputado Pedro Costa, na Vila Isolina Mazzei, zona norte de São Paulo, concorre na categoria Colaboração da Comunidade — graças a um trabalho que, a partir do esporte, transformou a interação entre os alunos e a cidade. Além da escola paulistana, disputam: na categoria Ação Ambiental, a E.E. Professora Maria das Graças Escócio Cerqueira, de Itaituba (PA); em Inovação, o Colégio Militar de Manaus (CMM); e em Superação das Adversidades, o Núcleo de Ensino da Unidade de Internação de Santa Maria, do Distrito Federal. Somente no quesito Apoio à Saúde há ausência do Brasil entre as finalistas. Em comum, as escolas nacionais destacadas desafiam o estereótipo do que é ser boa: não há abundância de recursos materiais ou boas colocações no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Na avaliação de Roberta Bento, sócia da consultoria SOS Educação, faz sentido examinar além de fatores como notas em avaliações padronizadas e infraestrutura. “A instituição britânica escolheu os critérios com base em alguns pressupostos próprios de ações que consideram fundamentais na educação. A escola é um ambiente tão complexo, com necessidade de agir em tantas áreas simultaneamente, que há muitos recortes possíveis”, afirma.
Se, agora, a E.E. Pedro Costa entrou no radar global, anos atrás era invisível, uma vez que o seu endereço nem sequer aparecia nos mapas da Uber. Até mesmo os moradores do bairro desconheciam o que se passava dentro dos muros. “Uma vez, uma senhora no ponto de ônibus me viu saindo da escola e perguntou o que era aquele lugar. Naquele dia, o meu grande sonho se tornou fazer a escola ser conhecida no bairro”, conta Janaína Freire, que há 18 anos trabalha na unidade — e, atualmente, é diretora da instituição. Ela ressalta que a escola ter passado a operar em tempo integral foi um fator decisivo para o ganho de visibilidade. “Na região, há colégios da rede municipal que oferecem mais, como material e uniforme, então, as famílias preferiam outras unidades. Mas o tempo integral nos permitiu novos projetos. Isso fez muita diferença”, explica.
Amante de xadrez, o professor de Educação Física Leonardo Alcântara decidiu ensinar o esporte aos estudantes. “Há uma visão estereotipada de que o jogo seja elitista, mas eu trabalho com todas as crianças de forma lúdica, do primeiro ao quinto ano, e dá certo. Claro que nem todos gostam, mas são capazes e participam”, conta. Conforme o interesse da criançada foi crescendo, a escola passou a levar os alunos a campeonatos externos, criar tabuleiros com materiais reciclados e envolver também as famílias, pois muitos passaram a ensinar as regras do jogo aos pais e praticar também em casa. “Para mim, o xadrez é interessante porque ensina estratégia, a pensar antes de agir e, sobretudo, o respeito pelos demais participantes”, diz o professor. O tamanho sucesso da empreitada acabou inspirando outro professor de Educação Física, Luiz Fernando Junqueira, a dar a largada a um novo projeto esportivo, desta vez de atletismo. A atividade começou de forma improvisada, com a criatividade à frente nos materiais necessários. “No dia que cheguei com um colchão de casal em cima do carro para o salto em altura, todo mundo ficou curioso”, lembra Junqueira, que também criou dardos de espumas usadas como flutuadores de piscina.
A curiosidade logo virou empolgação e, de novo, fez as atividades extrapolarem os muros da escola. Quando os alunos participaram de uma copa regional, professores e pais se encontraram reunidos num grande clube da cidade, vivendo em comunidade. E o bairro também passou a se envolver. “Estamos sempre pedindo uma quadra emprestada de uma entidade que fica do outro lado da rua. Além disso, os comerciantes das redondezas, muitas vezes, acabam ajudando com materiais e lanches para os eventos”, relata Janaína, diretora da Pedro Costa.
A relação entre escola, famílias e comunidade é poderosa, defende Taís Bento, também sócia da SOS Educação. “Se eu tivesse de premiar a melhor instituição, o envolvimento da família seria o principal critério, pois tem o poder de destravar uma reação em cadeia positiva. Não tem como responder aos desafios de hoje sem essa parceria. Contudo, trabalhar junto faz parte de um processo complexo, e não adianta a escola chamar os pais só quando surgirem problemas”, destaca a especialista.
Cooperação e sustentabilidade
O envolvimento com os lares e a visibilidade social foram consequências também do trabalho ambiental desenvolvido na E.E. Maria das Graças Escócio Cerqueira, de Itaituba, no Pará. “Saio na rua e pessoas desconhecidas me cumprimentam”, afirma a professora Eliude Ramos, responsável pelo projeto Guardiães da Floresta, achando certa graça na fama que conquistou.
Além de disputar o título de melhor escola, a unidade já foi finalista em outras premiações nacionais, como Professor Transformador, da Bett Educar, e das Olimpíadas de Restauração da Natureza, da World Wide Fund for Nature (WWF). E pensar que tudo começou com uma feira de ciências — cujo tema, escolhido por Eliude e seus alunos de inclusão, foi sustentabilidade. Ainda, lançaram um brechó virtual, que se tornou presencial nos dias do evento. “Montamos uma página no Instagram e, além de mostrar as roupas, fizemos conteúdos para ensinar algumas frases em Libras [Língua Brasileira de Sinais] para as pessoas que quisessem interagir com os alunos surdos durante a feira”, conta.
A resposta ao brechó foi tão positiva que a professora acabou inscrevendo a iniciativa numa outra feira de ciências (agora, regional). A turma, ao apresentar o painel, distribuiu sementes de um ipê oriundo da própria escola. Essas sementes, então, despertaram uma nova curiosidade nos estudantes. Como fazê-las germinar? A professora abraçou o desejo das crianças e seguiu com a ideia de plantá-las e distribuir as mudas no próximo Dia da Árvore.
“O que era para ser uma lembrancinha virou um novo projeto, com 300 mudas. Naquela época, ficamos sabendo das Olimpíadas das WWF e decidimos participar”, relembra a professora. Como o evento exigia um trabalho ainda maior, outros alunos da escola foram se envolvendo, novos professores se juntaram à missão e a comunidade passou a ajudar. “A página — que, antes, era de roupas — virou lugar de troca e doação de sementes com a cidade toda”, conta Eliude. Os alunos, após visitas a parques nacionais, passaram a entender a importância da preservação do meio ambiente. A professora, ainda que não se arrisque a afirmar que o projeto terá um impacto de longo prazo sobre a conservação da floresta, vê, hoje, uma grande mudança no comportamento dos adolescentes. “Tenho um aluno autista que diz que será biólogo ou engenheiro ambiental. Ao menos essa diferença eu sei que a escola proporcionou”, explica, orgulhosa.
Segundo Roberta, da SOS Educação, é importante ressaltar que as instituições de ensino não devem assumir a responsabilidade pelo meio ambiente, mas a questão pode ser usada como elemento de união. “Quase todo mundo entende a magnitude do tema. Por isso, vejo que isso pode ser um elo entre família, professores e parceiros”, afirma.
Na linguagem de quem aprende
Essas duas experiências — esporte e sustentabilidade — mostram, sobretudo, que não há receita pronta para criar uma boa escola e um projeto de aprendizagem que envolva, de fato, crianças e adolescentes. Apontam, também, a relevância da sensibilidade e da iniciativa por parte dos educadores — e que música e cultura, inclusive, podem ser instrumentos de transformação.
No Núcleo de Ensino da Unidade de Internação de Santa Maria, do Distrito Federal, foi o rap que motivou adolescentes e jovens privados de liberdade a se manterem focados nos estudos, com a esperança de uma vida melhor no futuro. O CMM, no Amazonas, por sua vez, estabeleceu uma parceria forte com os pais dos educandos como forma de garantir que todos sigam o ano escolar — independentemente de onde estiverem —, mesmo no Ensino a Distância (EaD), modalidade essa que acaba sendo necessária por causa das transferências de região, tão comuns na carreira militar. Com uma abordagem mais participativa, a taxa de alunos matriculados que concluíram o ano letivo em EaD sofreu sensível evolução entre 2002 e 2017, passando de 80% para 96%.
Como em toda a premiação, há sempre algo de arbitrário, mas a proposta da T4 é reconhecer boas propostas e convidar à reflexão. “Premiar a melhor escola não é o mesmo que premiar a melhor geladeira; não existe uma resposta simples. Mas esse tipo de evento é positivo, porque nos faz rever as definições de uma boa instituição de ensino”, conclui Roberta.