Há 80 anos, a rendição do Japão pôs fim à Segunda Guerra Mundial, uma das maiores tragédias da história recente da humanidade. Acordos entre os polos dominantes redesenharam o mapa-múndi e nasceu uma nova era, polarizada, com regras inéditas de convivência entre as potências. No Brasil, o Estado Novo perdia as bases de apoio e palavras como “redemocratização”, “modernização” e “planejamento” entravam na ordem do dia pela busca por um novo modelo de nação.
No dia 2 de setembro de 1945, após ter sido golpeado por duas bombas atômicas que destruíram as cidades de Hiroshima e Nagasaki, o Japão rende-se e a Segunda Guerra Mundial chega ao fim. A Europa perde definitivamente a posição hegemônica e as suas últimas colônias logo conquistam a independência. As supremacias econômica e militar mundial passam a ser disputadas entre Estado Unidos e União Soviética.
Abre-se também um novo período na história brasileira. A ditadura do Estado Novo, instaurada em 1937, já não tem bases de apoio. Em 29 de outubro de 1945, o então presidente, Getúlio Vargas, é deposto pelas Forças Armadas — que, paradoxalmente, haviam sido o fiel da balança do seu regime. Palavras como “redemocratização”, “modernização” e “planejamento” entram na ordem do dia em busca de uma remodelação do Estado. A experiência vivida na Europa pelos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB), ao lado de militares aliados bem nutridos, equipados e treinados, deixa marcas profundas num país atrasado que começa a se ver como subdesenvolvido.
Antes mesmo que se instale a Assembleia Constituinte, em 1946, o Brasil que sai do Estado Novo apoia-se na sua legislação trabalhista para industrializar-se e modernizar-se. Ao mesmo tempo, inspirada pelo New Deal, implantado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt nos Estados Unidos durante os anos 1930, a ideologia do planejamento encontra terreno fértil no País. Os obstáculos, porém, são muitos: as chagas da fome, do analfabetismo, do latifúndio e da politicagem dos coronéis, fatores infelizmente ainda presentes hoje em dia, em pleno século 21.
O modelo de substituição de importações, que ganhara força durante a guerra, alcança outro patamar com a implantação da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, ponto de partida para uma industrialização mais ampla. Em paralelo, o êxodo rural impulsiona a forte imigração interna, sem que as cidades estivessem preparadas para receber a massa de novos habitantes. Em consequência, multiplicam-se cortiços e favelas, num forte movimento de periferização das metrópoles em expansão.
Novos ordenamentos jurídico e político começam a ser esboçados para dar funcionalidade às transformações econômicas e sociais que se avizinham. Pouco antes de ser derrubado, Vargas decreta anistia aos presos políticos, marca a data das eleições e os partidos que dominaram a cena republicana nos anos seguintes organizam-se. Livre após oito anos no exílio e nove na cadeia, o líder comunista Luís Carlos Prestes anuncia, para surpresa geral, uma reviravolta na posição do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e declara apoio incondicional ao governo. Três partidos galvanizam o apoio popular.
Na oposição, a União Democrática Nacional (UDN) reúne o antigetulismo feroz, abrigando elites regionais; a fina flor dos homens de negócio, industriais e cafeicultores do Estado de São Paulo; e o establishment das camadas médias urbanas. Defensora do regime democrático com uma das mãos, com a outra a UDN cozinha golpes de Estado em banho-maria — os seus membros foram incapazes de ir além de uma visão moralista da vida pública.
O Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ambos criados por Vargas, são as outras duas grandes agremiações do período 1946–1964. O primeiro busca capitalizar os 15 anos em que deteve o controle político dos interventores nas unidades da Federação. Partido de profissionais, a sua única finalidade é a de obter e manter o poder, combinando a contagem dos votos recebidos com uma bem calculada repartição de cargos e recursos públicos — como ainda faz o Centrão no chamado presidencialismo de coalizão. “Entre a Bíblia e O Capital [de Karl Marx], o PSD fica com o Diário Oficial”, dizia Tancredo Neves, pessedista da mais alta estirpe. Por outro lado, o PTB é o partido de massas, estruturado por uma mescla de sindicalistas e funcionários públicos, do qual se valeu Vargas para voltar ao poder pelo voto, em 1950.
Em 2 de dezembro de 1945, porém, não são políticos, mas dois militares da ativa que disputam a Presidência da República, com a vitória do general Eurico Gaspar Dutra, eleito pela aliança PSD–PTB, sobre o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN. Desastre total, o governo Dutra dilapida as reservas cambiais acumuladas durante a guerra, com uma política conhecida como “a farra dos importados”, que invade o Brasil com artefatos supérfluos, ou inúteis, de plástico e alumínio. Nas relações internacionais, a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, que se arrastou até os anos 1990, progressivamente congela o Brasil como nação vassala do bloco capitalista ocidental, tendo os Estados Unidos a sua principal influência política, econômica e militar. Em outubro de 1947, o Brasil rompe relações com a União Soviética e o PCB tem o registro cassado.
Como legado, resta um grupo de artistas e intelectuais de prestígio vinculados ao PCB, que teriam protagonismo na modernização nacional a partir da década de 1950: artistas plásticos como Candido Portinari e Di Cavalcanti; arquitetos com o talento de Vilanova Artigas e Oscar Niemeyer; escritores com o peso de Graciliano Ramos e Jorge Amado; compositores como Dorival Caymmi, Mário Lago e Wilson Batista; e cantores populares como Nora Ney e Jorge Goulart.
O patrimônio cultural que o Brasil exibe ao fim da guerra não é, de modo algum, desprezível. O cinema nacional dá os primeiros passos para competir com a avassaladora presença das produções estadunidenses. A música popular ganha espaço com o surgimento de cantores e compositores. Duas canções são simbólicas do período: Carinhoso, de Pixinguinha, cantada por Orlando Silva, e o samba-exaltação Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, gravado por Francisco Alves. Lá fora, Marlene Dietrich cantava em português Luar do sertão, de Catulo da Paixão Cearense, e O mar, de Caymmi.
O ensino público de qualidade floresce a partir das ideias de educadores defensores de uma escola democratizante e laica, como Anísio Teixeira. A Igreja Católica perde, assim, o monopólio das consciências que deteve desde os tempos da colônia e do Império. O Brasil, enfim, chega à década de 1950, os “Anos Dourados” do capitalismo pós-guerra, ostentando a democrática Constituição de 1946 — que, entretanto, contém fragilidades logo evidenciadas, como a exclusão do direito ao voto dos analfabetos, a não incorporação dos trabalhadores rurais à legislação trabalhista e a interferência cada vez maior dos militares nos rumos da República. Percalços no lento processo de modernização do País, que segue em curso sem perspectivas de superação das mazelas seculares.