1945, o ano que mudou o mundo

23 de maio de 2025

Há 80 anos, a rendição do Japão pôs fim à Segunda Guerra Mundial, uma das maiores tragédias da história recente da humanidade. Acordos entre os polos dominantes redesenharam o mapa-múndi e nasceu uma nova era, polarizada, com regras inéditas de convivência entre as potências. No Brasil, o Estado Novo perdia as bases de apoio e palavras como “redemocratização”, “modernização” e “planejamento” entravam na ordem do dia pela busca por um novo modelo de nação.

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No dia 2 de setembro de 1945, após ter sido golpeado por duas bombas atômicas que destruíram as cidades de Hiroshima e Nagasaki, o Japão rende-se e a Segunda Guerra Mundial chega ao fim. A Europa perde definitivamente a posição hegemônica e as suas últimas colônias logo conquistam a independência. As supremacias econômica e militar mundial passam a ser disputadas entre Estado Unidos e União Soviética.

Abre-se também um novo período na história brasileira. A ditadura do Estado Novo, instaurada em 1937, já não tem bases de apoio. Em 29 de outubro de 1945, o então presidente, Getúlio Vargas, é deposto pelas Forças Armadas — que, paradoxalmente, haviam sido o fiel da balança do seu regime. Palavras como “redemocratização”, “modernização” e “planejamento” entram na ordem do dia em busca de uma remodelação do Estado. A experiência vivida na Europa pelos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB), ao lado de militares aliados bem nutridos, equipados e treinados, deixa marcas profundas num país atrasado que começa a se ver como subdesenvolvido.

Antes mesmo que se instale a Assembleia Constituinte, em 1946, o Brasil que sai do Estado Novo apoia-se na sua legislação trabalhista para industrializar-se e modernizar-se. Ao mesmo tempo, inspirada pelo New Deal, implantado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt nos Estados Unidos durante os anos 1930, a ideologia do planejamento encontra terreno fértil no País. Os obstáculos, porém, são muitos: as chagas da fome, do analfabetismo, do latifúndio e da politicagem dos coronéis, fatores infelizmente ainda presentes hoje em dia, em pleno século 21.

País do futuro

O modelo de substituição de importações, que ganhara força durante a guerra, alcança outro patamar com a implantação da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, ponto de partida para uma industrialização mais ampla. Em paralelo, o êxodo rural impulsiona a forte imigração interna, sem que as cidades estivessem preparadas para receber a massa de novos habitantes. Em consequência, multiplicam-se cortiços e favelas, num forte movimento de periferização das metrópoles em expansão. 

Novos ordenamentos jurídico e político começam a ser esboçados para dar funcionalidade às transformações econômicas e sociais que se avizinham. Pouco antes de ser derrubado, Vargas decreta anistia aos presos políticos, marca a data das eleições e os partidos que dominaram a cena republicana nos anos seguintes organizam-se. Livre após oito anos no exílio e nove na cadeia, o líder comunista Luís Carlos Prestes anuncia, para surpresa geral, uma reviravolta na posição do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e declara apoio incondicional ao governo. Três partidos galvanizam o apoio popular.

Na oposição, a União Democrática Nacional (UDN) reúne o antigetulismo feroz, abrigando elites regionais; a fina flor dos homens de negócio, industriais e cafeicultores do Estado de São Paulo; e o establishment das camadas médias urbanas. Defensora do regime democrático com uma das mãos, com a outra a UDN cozinha golpes de Estado em banho-maria — os seus membros foram incapazes de ir além de uma visão moralista da vida pública.

O Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ambos criados por Vargas, são as outras duas grandes agremiações do período 1946–1964. O primeiro busca capitalizar os 15 anos em que deteve o controle político dos interventores nas unidades da Federação. Partido de profissionais, a sua única finalidade é a de obter e manter o poder, combinando a contagem dos votos recebidos com uma bem calculada repartição de cargos e recursos públicos — como ainda faz o Centrão no chamado presidencialismo de coalizão. “Entre a Bíblia e O Capital [de Karl Marx], o PSD fica com o Diário Oficial”, dizia Tancredo Neves, pessedista da mais alta estirpe. Por outro lado, o PTB é o partido de massas, estruturado por uma mescla de sindicalistas e funcionários públicos, do qual se valeu Vargas para voltar ao poder pelo voto, em 1950.

Em 2 de dezembro de 1945, porém, não são políticos, mas dois militares da ativa que disputam a Presidência da República, com a vitória do general Eurico Gaspar Dutra, eleito pela aliança PSD–PTB, sobre o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN. Desastre total, o governo Dutra dilapida as reservas cambiais acumuladas durante a guerra, com uma política conhecida como “a farra dos importados”, que invade o Brasil com artefatos supérfluos, ou inúteis, de plástico e alumínio. Nas relações internacionais, a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, que se arrastou até os anos 1990, progressivamente congela o Brasil como nação vassala do bloco capitalista ocidental, tendo os Estados Unidos a sua principal influência política, econômica e militar. Em outubro de 1947, o Brasil rompe relações com a União Soviética e o PCB tem o registro cassado.

Poder cultural

Como legado, resta um grupo de artistas e intelectuais de prestígio vinculados ao PCB, que teriam protagonismo na modernização nacional a partir da década de 1950: artistas plásticos como Candido Portinari e Di Cavalcanti; arquitetos com o talento de Vilanova Artigas e Oscar Niemeyer; escritores com o peso de Graciliano Ramos e Jorge Amado; compositores como Dorival Caymmi, Mário Lago e Wilson Batista; e cantores populares como Nora Ney e Jorge Goulart.

O patrimônio cultural que o Brasil exibe ao fim da guerra não é, de modo algum, desprezível. O cinema nacional dá os primeiros passos para competir com a avassaladora presença das produções estadunidenses. A música popular ganha espaço com o surgimento de cantores e compositores. Duas canções são simbólicas do período: Carinhoso, de Pixinguinha, cantada por Orlando Silva, e o samba-exaltação Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, gravado por Francisco Alves. Lá fora, Marlene Dietrich cantava em português Luar do sertão, de Catulo da Paixão Cearense, e O mar, de Caymmi.

O ensino público de qualidade floresce a partir das ideias de educadores defensores de uma escola democratizante e laica, como Anísio Teixeira. A Igreja Católica perde, assim, o monopólio das consciências que deteve desde os tempos da colônia e do Império. O Brasil, enfim, chega à década de 1950, os “Anos Dourados” do capitalismo pós-guerra, ostentando a democrática Constituição de 1946 — que, entretanto, contém fragilidades logo evidenciadas, como a exclusão do direito ao voto dos analfabetos, a não incorporação dos trabalhadores rurais à legislação trabalhista e a interferência cada vez maior dos militares nos rumos da República. Percalços no lento processo de modernização do País, que segue em curso sem perspectivas de superação das mazelas seculares.

ESTA REPORTAGEM FAZ PARTE DA EDIÇÃO #486 (MAI/JUN) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA, DISPONÍVEL AQUI.

Herbert Carvalho
Débora Faria
Herbert Carvalho
Débora Faria