40 anos de uma tragédia brasileira

21 de março de 2025

No dia 21 de abril de 1985, morria no Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas de São Paulo, aos 75 anos, o então presidente eleito Tancredo Neves. Foi o desfecho de uma tragédia que, em poucos meses, levou o povo brasileiro da euforia pelo fim da ditadura militar ao desespero de perder o líder civil moderado, que construíra uma transição pactuada após a derrota, no ano anterior, da emenda constitucional que restabelecia as eleições diretas para a Presidência da República.

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Ainda em janeiro daquele mesmo ano, a oposição ao regime militar, então liderada pelo PMDB, aproveitou a mesma estrutura da multitudinária campanha das Diretas Já — que levara milhões de pessoas às ruas nas grandes e médias cidades nacionais — para legitimar a vitória de Tancredo no espúrio colégio eleitoral, que substituía quase 60 milhões de eleitores por 686 votantes, entre deputados federais, senadores e delegados das assembleias legislativas. Aproveitando-se da dissidência de líderes políticos governistas, como José Sarney e Aureliano Chaves, o ex-senador e ex-governador de Minas Gerais Tancredo Neves acaba derrotando o detestado — e demonizado pela mídia — ex-governador paulista Paulo Maluf, pelo acachapante placar de 480 votos contra 180 (com 26 abstenções). 

O clima de comemorações era, então, semelhante ao das vitórias futebolísticas do País em Copas do Mundo. No entanto, em 15 de março, o Brasil se surpreende: quem toma posse em Brasília no lugar de Tancredo é o vice-presidente eleito, Sarney, ao mesmo tempo que o titular do cargo era operado no Hospital de Base, em Brasília, após esconder as fortes dores no abdômen que sentia dias antes. Estava tomando antibióticos às escondidas e se recusava a fazer exames, temeroso de que os militares da linha dura se aproveitassem da situação para tentar um novo golpe. Lembrava-se da frase de Getúlio Vargas, de quem fora ministro da Justiça: “No Brasil, não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse”. Uma situação que se repetiria 38 anos depois, com a tentativa golpista de impedir que Luiz Inácio Lula da Silva subisse a rampa para assumir o terceiro mandato.

Vice na posse

Na fatídica madrugada de 14 para 15 de março, os políticos discutiam quem deveria assumir a Presidência da República — o então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, ou Sarney. Com base na Constituição em vigor, de 1967, decidiu-se que o último deveria tomar posse perante o Congresso Nacional, aguardando o restabelecimento de Tancredo.   

O único incidente na transição de poder ocorreu no Palácio do Planalto, onde o último general-presidente do regime militar, João Baptista Figueiredo, recusou-se a passar o cargo em cerimônia formal e deixou a sede do poder pela porta dos fundos. É o melancólico fim de uma ditadura de 21 anos que censurou, exilou, prendeu, torturou e matou opositores, sem que jamais alguém tenha sido responsabilizado pelos crimes cometidos.

Enquanto isso, porém, a agonia do presidente eleito estaria apenas começando, enquanto a Nação via-se envolvida por uma teia de mentiras sobre o estado de saúde do chefe de Estado que havia escolhido. De acordo com o livro Tancredo Neves: a noite do destino, do jornalista José Augusto Ribeiro, a primeira informação do Dr. Renault Mattos Ribeiro, médico da Câmara dos Deputados, foi de que se tratava de uma faringite. Em 13 de março, porém, já com a participação do cirurgião-geral Francisco Pinheiro da Rocha, amigo de Mattos Ribeiro, a hipótese passa a ser de apendicite. 

Na noite de 14 de março, véspera da posse, a situação se agravou e uma cirurgia de emergência passou a ser inevitável. A família de Tancredo quis levá-lo para operar em São Paulo, mas a dupla Mattos Ribeiro e Pinheiro da Rocha estava irredutível. Não se responsabilizariam nem acompanhariam o doente no avião. O presidente eleito, por fim, foi internado às 22h15 no Hospital de Base. O que deveria ser o prazo de uma hora para o início da operação transformou-se em três. Primeiro, porque Pinheiro da Rocha esquecera os óculos em casa e teve que buscá-los. Segundo, porque os médicos não se entendiam sobre qual sala deveria ser usada — e, àquela altura, o hospital já havia sido invadido por políticos que também eram médicos e queriam se imiscuir no processo. 

A cirurgia, que começava à 1h10, estendeu-se até as 2h45. Nesse ínterim, o plantão do Jornal Nacional, da Rede Globo, furava a bolha dos boatos restritos ao círculo do poder e noticiava que Tancredo estava sendo submetido a uma cirurgia contra uma infecção no intestino. Logo a seguir, o País seria informado que tinha sido extirpado do paciente um divertículo de Meckel. Na verdade, o que fora retirado era um leiomioma, um tumor benigno do tamanho de um limão-galego. Mas a palavra “tumor”, considerada maldita, foi descartada na versão oficial a fim de tranquilizar o País. No livro O paciente, mais completa obra sobre o atendimento médico a Tancredo, o autor, Luís Mir, afirma que uma sutura malfeita nessa primeira operação viria a provocar sangramentos que se agravariam até a morte. Uma marca de imperícia deixada no intestino do presidente, segundo o pesquisador.  

Sucessão de cirurgias

No dia 20 de março, ainda em Brasília, acontecia a segunda cirurgia, a cargo do médico paulista Henrique Walter Pinotti, que assumira a chefia da equipe à frente do caso. Como os boletins médicos falsamente otimistas, lidos pelo porta-voz Antônio Brito, não foram suficientes para convencer a imprensa, o auge da empulhação ocorre em 25 de março, quando os médicos encenam uma foto com o presidente e sua esposa, dona Risoleta, rodeados pelos sorridentes algozes de batas brancas. Nesse mesmo dia, porém, a situação se agrava e Tancredo é levado para São Paulo, onde nem antibióticos e mais cinco cirurgias seriam capazes de deter o quadro piorado, de acordo com o próprio Dr. Pinotti, por uma infecção hospitalar contraída em Brasília.  

Mantido vivo por aparelhos nas semanas finais, o presidente foi alvo de vigílias, novenas, procissões e orações coletivas na porta do hospital e em todo o País. A morte de Tancredo acaba sendo oficializada às 22h23, no Incor, no mesmo dia 21 de abril dedicado à memória do conterrâneo Tiradentes. Levado em avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para Brasília, o corpo é velado no Palácio do Planalto, homenageado em seguida por multidões em Belo Horizonte e, finalmente, enterrado na cidade natal, São João del Rei, interior de Minas Gerais. 

Enquanto adeptos das teorias de conspiração julgam que a morte do primeiro presidente eleito democraticamente pós-ditadura pode ter sido causada de forma intencional, para o neto e herdeiro político, Aécio Neves, não resta dúvidas: “Tancredo morreu por negligência e incompetência”. 

Momentos finais de Tancredo Neves:

ESTA REPORTAGEM FAZ PARTE DA EDIÇÃO #485 (MAR/ABR) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA, DISPONÍVEL NA PLATAFORMA BANCAH.

Herbert Carvalho Débora Faria
Herbert Carvalho Débora Faria