O mercado de armazéns de classe A no Brasil está prestes a encerrar um de seus anos mais fortes da história. O aumento da demanda — estimulado principalmente pela acirrada concorrência no comércio eletrônico — manteve o setor aquecido, com taxas de vacância próximas a mínimas históricas, apesar da grande quantidade de novos empreendimentos.
Segundo a consultoria imobiliária JLL, a taxa de vacância no terceiro trimestre de 2025 foi de 7,7%, a menor desde 2013. Para o ano todo, a JLL projeta 8,3%, número estável em relação a 2024, apesar do crescimento contínuo da construção de armazéns de alto padrão e aluguéis com reajustes médios de 11%, bem acima da inflação.
Construtoras e incorporadoras lançaram 2,2 milhões de metros quadrados em novos armazéns nos três primeiros trimestres de 2025. A absorção líquida — área alugada menos o espaço desocupado — atingiu 2,1 milhões de metros quadrados. Até o fim deste ano, a JLL prevê que mais de 3 milhões de metros quadrados de novos armazéns de classe A estarão disponíveis para locação, superando o pico anterior, de 2022.
O crescimento reflete um ciclo sustentado após a pandemia. Os lockdowns da era da covid-19 aceleraram a adoção das compras online no Brasil, enquanto as taxas de juros historicamente baixas impulsionaram uma onda de construções no segmento logístico.
Nesse contexto, as empresas de comércio eletrônico ultrapassaram os operadores logísticos internacionais como principais locatários do setor, representando cerca de 70% dos contratos de locação, número que continua crescendo. “A oferta está aumentando, e a demanda também”, afirma André Romano, gerente de Indústria e Logística da JLL.
Duas empresas impulsionaram grande parte dessa expansão. O Mercado Livre, maior player da América Latina, é o líder incontestável, com aproximadamente 3 milhões de metros quadrados locados em armazéns e contratos em vigor até o fim deste ano — cerca de 7% do estoque total no Brasil. Desde 2023, a empresa mais que dobrou sua área e, agora, opera 19 centros de distribuição em todo o País. Em 2018, a locação era de apenas aproximadamente 50 mil metros quadrados.
A Shopee, poderosa concorrente asiática, também intensificou seus investimentos. A empresa agora ocupa mais de 1 milhão de metros quadrados de espaço em armazéns de classe A, quadruplicando sua área desde 2023 e superando concorrentes como a Amazon e varejistas tradicionais brasileiras, como o Magazine Luiza e a Americanas. Em novembro, a Shopee inaugurou seu 15º centro de distribuição brasileiro, na cidade portuária de Itajaí, em Santa Catarina.
“A Shopee está tentando uma estratégia semelhante à do Mercado Livre”, observa Romano, acrescentando ser comum o Mercado Livre alugar armazéns preventivamente só para impedir que concorrentes os ocupem.
Além dos principais polos logísticos do Brasil — os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro —, a demanda está crescendo acentuadamente em novos corredores logísticos, como Minas Gerais, abrangendo tanto a região metropolitana da capital, Belo Horizonte, quanto a cidade de Extrema, no sul do Estado, na divisa com São Paulo, que agora concentra a segunda maior área de armazéns do País.
Estados como Santa Catarina, Espírito Santo e Pernambuco também emergiram como polos importantes, beneficiando-se do acesso portuário, de localizações estratégicas próximas a grandes mercados consumidores e de incentivos fiscais estaduais.
Tais incentivos, no entanto, estão com os dias contados. A ampla Reforma Tributária brasileira, de 2023, reorganizará todo o sistema até 2033 — consolidando múltiplas taxas e eliminando gradualmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tributo estadual usado há muito tempo para atrair investidores e transformar cidades como Extrema em polos logísticos.
De olho nas novas regras, incorporadoras e operadoras de armazéns começaram a oferecer benefícios para manter os inquilinos, à medida que os contratos se aproximam da renovação. Mesmo assim, segundo Romano, a expectativa é de que aconteça a migração dessas regiões para localidades mais centrais, principalmente o Estado de São Paulo, conforme novos contratos de locação forem avaliados.
A expansão para o interior, porém, não decorre apenas da política tributária. Os modelos de negócios do comércio eletrônico atuais dependem de entregas mais rápidas e redes mais pulverizadas, o que favorece centros de distribuição perto de grandes cidades, polos regionais e armazéns urbanos menores focados na etapa final da entrega ao cliente. Na expansão mais recente do Mercado Livre, 63% do novo espaço foi localizado fora do Estado de São Paulo.
Apesar da forte demanda, os desafios mais significativos podem estar do lado da oferta. O aumento dos preços de construção e as altas taxas de juros elevaram consideravelmente o custo dos novos empreendimentos. Diferentemente dos Estados Unidos, o Brasil tradicionalmente evita contratos de construção sob medida para armazéns — nos quais as construtoras erguem instalações com contratos já firmados e os inquilinos recebem multas elevadas em caso de desistência. A volatilidade econômica e as leis que favorecem os inquilinos tornaram a construção especulativa muito mais comum.
Contudo, esse cenário está mudando aos poucos. “Em certos mercados, as construtoras só querem construir novos empreendimentos com contratos garantidos ou, pelo menos, com locação parcial antecipada”, explica Romano.
Desde a pandemia, a propriedade dos armazéns de classe A no Brasil consolidou-se em um pequeno grupo de grandes fundos de investimento imobiliário — principalmente aqueles administrados pelo Patria Investimentos e pelo BTG Pactual —, juntamente com um pequeno grupo de empresas internacionais de logística.
De modo geral, embora o mercado brasileiro de armazéns esteja sendo controlado pela oferta limitada, qualquer mercado em rápida expansão acaba se corrigindo. “Há forças interessantes em jogo, principalmente os avanços tecnológicos que otimizarão as operações e exigirão menos espaço”, avalia Romano.A JLL calcula que o estoque total de armazéns de alto padrão no País seja de 36,8 milhões de metros quadrados, uma fração do mercado norte-americano, que totaliza 1,52 bilhão de metros quadrados. A imensidão do Brasil e os persistentes gargalos de infraestrutura sugerem um potencial de crescimento substancial.