A cerca de oito meses do seu início, a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP29, em Baku, no Azerbaijão, acumula mais críticas do que expectativas positivas (que, normalmente, cercam o evento), alçando espaço no topo da agenda de encontros globais como G20 e G7. A crise pré-reunião atrapalha as perspectivas e pode fazer com que anúncios importantes fiquem para a COP30, marcada para 2025, em Belém (PA).
A controvérsia começou ainda em 2023, quando a Armênia — que estava em guerra com o Azerbaijão há alguns anos — renunciou à sua candidatura em favor do vizinho, tornando-se a única opção para receber a conferência. O ponto é que o país, localizado entre a Europa e a Ásia, se consolidou como um dos principais produtores globais de petróleo, ampliando explorações num mundo que busca desesperadamente meios de substituir os combustíveis fósseis por alternativas renováveis. “Precisamos de uma discussão mais realista sobre o que podemos fazer com os setores petroleiros a partir de suas atividades e de como podem se diversificar”, diz a presidente da Fundação Europeia para o Clima, Laurence Tubiana, ao jornal Folha de S.Paulo. Ex-embaixadora francesa na COP, ela defende que as gigantes petrolíferas não ocupem posições centrais nas conferências. “É importante que contribuam, mas não precisam estar no centro”, completa.
Entidades internacionais também apontam que o governo azerbaijano apresenta conhecidos casos de abusos em direitos humanos, como a recente prisão do ativista Gubad Ibadoghlu, em julho do ano passado. Ele é um dos nomes mais influentes da oposição ao presidente Ilham Aliyev, no poder desde 2003 e que acabou de ganhar mais um pleito para governar o país por mais sete anos (segundo dados oficiais, Aliyev recebeu 92% dos votos). Segundo a Human Rights Watch (HMR), além de Ibadoghlu, outros 30 oposicionistas permanecem detidos por acusações políticas.
Também em janeiro, a COP anunciou que o ministro de Recursos Naturais e Ecologia do Azerbaijão, Mukhtar Babayev, será presidente da COP29. Foi o estopim para novas críticas. Veterano da estatal de petróleo do país, a Socar, Babayev faz parte do grupo que colocou a nação euroasiática entre as maiores produtoras globais do fóssil. Com uma área territorial semelhante ao Estado do Ceará e com 10 milhões de habitantes, o Azerbaijão é o 24º maior fornecedor de petróleo do planeta, hoje, segundo o Banco Mundial.
A nomeação de Babayev é uma repetição do que aconteceu na COP28, no ano passado, presidida pelo executivo-chefe da petrolífera dos Emirados Árabes Unidos, Sultan Al Jaber, que também é ministro da Indústria do país. A reunião — imensamente criticada no exterior — aconteceu em Dubai. Sem acabar com um acordo nem um documento assinado pelos participantes, uma reportagem da rede britânica BBC mostrou como o governo catari planejou usar a conferência como rodada de negócios internacionais de petróleo e gás.
As críticas a Babayev surgiram em um contexto de compreensão do lugar do Azerbaijão no mercado global de combustíveis fósseis. Segundo a agência estadunidense para o comércio (ITA, na sigla em inglês), 92,5% das receitas de exportações do país, em 2023, envolveram petróleo e gás. A nação, localizada entre o Leste Europeu e a Ásia Ocidental, se beneficiou da guerra na Ucrânia, depois que a União Europeia (UE) adotou sanções financeiras à Rússia e, em contrapartida, viu o fornecimento de gás russo diminuir. Em países como a Alemanha, a situação se agravou, fazendo com que o bloco procurasse parceiros comerciais alternativos, como o pequeno país do Cáucaso.
Há alguns anos, o governo azerbaijano estendeu contratos de exploração de petróleo e gás em diferentes campos exploratórios do país até 2050 — um ano significativo para toda a agenda ambiental, já que baliza métricas de redução de emissões e de diversificação energética em nível global. Na esteira das críticas, o jornal britânico The Guardian publicou uma extensa reportagem apresentando os planos do país para aumentar a produção de petróleo em pelo menos um terço até 2033. Da mesma forma, há um esforço em ampliar os campos azerbaijanos de gás, que, atualmente, fornecem energia à Europa. Um deles em especial, o de Shah Deniz, no Mar Cáspio, recebeu aportes de US$ 40 bilhões em 2018, mesmo ano em que passou a ser considerado uma das maiores áreas de exploração de gás do planeta.
Aliyev, o presidente do Azerbaijão, confirmou toda essa expectativa em dezembro, quando, durante uma entrevista, disse que seu país estava “se movendo confiante em direção ao objetivo” de dobrar as exportações de gás à Europa até 2027.
Na mesma época, a ONG Global Witness, especializada em temas envolvendo petróleo, afirmou que o Azerbaijão investiu um valor quatro vezes maior do que todas as despesas militares, desde 2020, em apenas dois projetos de exploração fóssil e de campos de gás. “À medida que reforçamos o discurso do colapso climático, acabamos sendo cada vez mais questionados sobre colocar nosso futuro nas mãos do Azerbaijão, um petroestado apoiado por grandes empresas petrolíferas”, vociferou Dominic Eagleton, porta-voz da Global Witness, em nota divulgada à imprensa na ocasião. “Nós precisamos que as políticas sobre o clima sejam feitas por líderes climáticos, e não por países com grande interesse em manter o mundo dependente do consumo de petróleo e gás”, completou, em entrevista por e-mail à PB.
Se a sede da COP29 já era alvo de críticas significativas, a situação ficou ainda mais tensa quando o nome de Babayev surgiu como presidente da conferência. Antes de ser ministro de Estado, ele trabalhou por três décadas na Socar, a petrolífera azerbaijana responsável por executar os projetos de expansão do governo de Aliyev. Nascido em Baku enquanto a nação caucasiana ainda era parte da União Soviética, Babayev serviu ao Exército Vermelho antes de estudar Ciência Política em Moscou. Entrou na Socar em 1994, chegando ao cargo mais relevante dentro da empresa em 2008, quando passou para a vice-presidência de Ecologia. À época, recebeu a missão de lidar com áreas de solo contaminado por causa da exploração de petróleo.
Relatórios publicados nos últimos meses têm enfatizado como Babayev encabeçou a agenda verde azerbaijana desde então, inclusive organizando a primeira conferência sobre ecologia da história do país na década passada. Em paralelo, porém, teve papel crucial na legitimação do desenvolvimento da indústria petrolífera para além dos impactos climáticos. Oficialmente, a ONU afirma que Babayev foi convidado para presidir a COP29 pelo seu papel como negociador — e que seu perfil pode ajudar a conferência a apresentar resultados mais objetivos.
Especialistas em relações internacionais afirmam que o Azerbaijão quis receber a COP29 por uma combinação de fatores relacionados às políticas interna e externa. Em primeiro lugar, o país pretende usar o início do sétimo mandato de Aliyev para melhorar a reputação no cenário internacional. Quando a UE assinou um acordo com a nação caucasiana para receber gás natural, em substituição às exportações russas, o bloco foi bastante criticado no Ocidente. Nos últimos anos, inclusive, não foram poucas as vezes que jornais europeus e norte-americanos se referiram ao regime azerbaijano como “autocrático”.
Assim, observadores entendem que a COP é uma oportunidade crucial para o mandatário do Azerbaijão ampliar o discurso oficial em torno da agenda ambiental. “É uma oportunidade para mostrar as ações climáticas do país, posicionando-o não só como um líder de recursos energéticos tradicionais, mas também em tecnologias verdes”, explica o analista do Instituto do Oriente Médio (MEI, na sigla em inglês), Rauf Mammadov. Não foi à toa que o presidente declarou que 2024 será o “ano da solidariedade verde” no país.
Mammadov adiciona outra camada à análise: a proximidade com a Europa. “O Azerbaijão é o único fornecedor de gás natural dos europeus para além da Rússia e, assim, tem um papel central na segurança energética do continente”, explica. Em 2023, foram exportados 12 bilhões de metros cúbicos de gás natural à UE, volume que foi de 8 bilhões em 2021. Essa é, aliás, uma agenda parecida com a de países como Armênia e Geórgia, antigos satélites soviéticos.
Por fim, há um objetivo mais estritamente econômico, relacionado à indústria de renováveis. Nesse caso, a COP pode ser uma forma de o Azerbaijão atrair investimentos internacionais para a sua nascente agenda verde, como a de hidrocarbonetos. Dessa forma, a conferência seria o pontapé inicial de um projeto mais amplo de diversificação energética local, posicionando a nação como um ponto estratégico na região.