Gestão de resíduos evita desperdícios

08 de março de 2022

A gestão de resíduos, no Brasil, é um problema complexo. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS – Lei 12.305, promulgada em 2010), previa que, em 2014, apenas rejeitos fossem encaminhados aos aterros sanitários. Contudo, percalços forçaram a extensão do prazo para 2024. Por sorte, assistimos a um movimento crescente de empresas que prontamente já empregam tecnologias de resíduo zero para alguns produtos.

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É tido como resíduo aquele material extraído do lixo com possibilidade de destinação como reúso, reciclagem, compostagem e aproveitamento energético; o que sobra é o rejeito, subproduto inaproveitável e que deveria ser disposto em aterros. Segundo especialistas, a nova lei não faz grandes modificações nas diretrizes anteriormente previstas na PNRS, somente torna os prazos abrangentes para o cumprimento da meta de eliminar os lixões dentro de nossas fronteiras. O professor Ronan Cleber Contrera, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), apontou que a postergação dos prazos é advinda da dificuldade de adaptação dos municípios. Apesar do novo marco, a aplicação da PNRS permanece igual; municípios em situação irregular após o término do prazo de adaptação podem ser autuados.

Uma vez que a geração de resíduos cresce à medida que as economias avançam, novas barreiras surgirão, e soluções inovadoras também. Neste estágio, em que articulações de tomada de consciência refletem na pressão dos investidores e da sociedade, à luz da importância crescente dada pelo mercado financeiro às práticas em Environmental, Social and Corporate Governance (ESG), o setor privado vem adotando políticas de gestão de resíduos e combate ao desperdício mais rapidamente (e, muitas vezes, mais eficazes) do que as políticas públicas.

REVERTENDO PERDAS EM GANHOS

Inteligente estratégia de combate ao desperdício foi encontrada pelo Grupo Carrefour Brasil no lançamento de sua Terra Vegetal. O produto está alinhado ao programa de Desperdício Zero do grupo e ao Act for Food, movimento global da rede de supermercados que tem o objetivo de tornar a alimentação saudável e sustentável acessível a todos. “Uma das frentes deste compromisso é direcionada especificamente ao combate ao desperdício, com ações voltadas para aproveitamento dos alimentos sem valor comercial, redução do descarte em aterros sanitários e apoio a famílias em situação de vulnerabilidade social”, conta Marie Tarrisse, gerente de Sustentabilidade do Carrefour Brasil. “Globalmente, temos a meta de reduzir em 50% o desperdício de alimentos e chegar ao nível de aterro zero até 2025.”

À venda em suas lojas, a Terra Vegetal, de marca própria, é gerada da compostagem de frutas, verduras, legumes, ovos e sobras da peixaria e da padaria. Oriundos do setor de perecíveis de 48 unidades em São Paulo, ao serem adotados como matéria-prima, os insumos retornam à cadeia de consumo. Isto implica ganhos em todos os aspectos. Além da qualidade da terra, que é enriquecida e resulta em plantas mais viçosas, seu processo de produção representa o combate ao desperdício de alimentos e reforça o conceito de economia circular, praticada pelo grupo em suas operações, para a utilização total dos alimentos.

O plano é que, mensalmente, de 350 a 400 toneladas de resíduos da rede sejam destinadas à compostagem. Comercializada em embalagens de cinco quilos, ela é própria para jardinagem, horta, gramado e cobertura de solo em geral. Desde o seu lançamento, há um ano, as vendas duplicaram – e, só em 2020, foram vendidos 30,74 mil sacos, o que representou mais de 153 toneladas do produto. “Estamos cientes que, para sermos líderes da transição alimentar, precisamos desenvolver medidas sistêmicas de diminuição de impactos ambientais”, sublinha Marie. “É por isso que trabalhamos incansavelmente para reduzir o desperdício de alimento em toda a nossa cadeia de operação. O Atacadão, por exemplo, conseguiu diminuir, desde 2013, 28% das perdas de mercadorias em lojas, assim entendidos os itens que não podem ser comercializados em decorrência de avarias ou furtos.”

No Grupo Boticário, a gestão de resíduos também visa a gerar impacto socioambiental positivo. Até 2030, o reaproveitamento de 150% de todo resíduo sólido e a promoção de iniciativas sociais estão dentre as metas. “O Boticário acredita que os resíduos devem ser repensados em toda cadeia de valor, buscando formas inovadoras de potencializar a economia circular”, afirma Eduardo Fonseca, diretor-executivo de ESG e Assuntos Institucionais do grupo. “A atuação responsável em relação aos recursos naturais é a única forma de buscar crescimento econômico. Não existe sucesso nos negócios se não vier acompanhado de sustentabilidade e responsabilidade social. Deste modo, há mais de 15 anos, temos o Boti Recicla, o maior programa de Logística Reversa (LR) do Brasil, com pontos de coleta nos mais de 4 mil pontos de venda.”

Em sua operação, a empresa atingiu 96,9% de reciclagem, em 2020, das embalagens colocadas no mercado – e continuará a jornada para alcançar 100%. O portfólio vai priorizar a não geração de resíduos (desmaterialização), iniciativa que já faz parte da estratégia: existem refis para várias linhas, as quais utilizam 69% menos plástico que o frasco tradicional. O plano prevê ampliar a refilagem à perfumaria. A cartela será ainda mais reciclável com o lançamento de maquiagens monomateriais em 2022. Atualmente, 100% das embalagens são produzidas de material reciclado. A empresa estuda materiais alternativos.

Fonseca observa que o público consumidor está cada vez mais consciente e exigente, cobrando das empresas uma postura condizente com o que acreditam, com os seus propósitos. Uma pesquisa da Mintel, de 2019, detectou que 57% dos consumidores avaliam valores éticos das marcas antes de adquirir um produto. “Neste sentido, lançamos a plataforma Beleza Transparente. Pesquisadores e cientistas transmitem todo o nosso conhecimento à sociedade”, enaltece o diretor-executivo. Hoje, o vidro representa 60% do peso das embalagens que o Boticário insere no mercado anualmente. O grupo irá incentivar a coleta, a reutilização e a reciclagem do produto. Ainda, no espectro do amparo social, o programa Empreendedoras da Beleza, lançado no ano passado, até agora promoveu capacitação e auxílio financeiro para mais de 11 mil mulheres (cis e trans), autônomas na área da beleza, em situação de vulnerabilidade.

Focada em melhorias para o lar, a Leroy Merlin não deixou de pensar um modo para solucionar a questão dos resíduos têxteis – no caso, provenientes dos uniformes sem condições de uso de seus colaboradores. Em 2021, 3 mil cobertores populares já foram produzidos com base no material. O projeto Postera, lançado em 2017, garante a reinserção da matéria-prima no processo de descaracterização. Andressa Borba, diretora de Desenvolvimento Responsável da Leroy Merlin, conta que, desde a implantação, mais de 28 toneladas de resíduos assumiram nova finalidade. “Este projeto é muito importante para nós e, por isso, queríamos encontrar um parceiro que pudesse oferecer a destinação correta para tecidos e EPIs, bem como tivesse um propósito social. A Retalhar foi a parceira ideal.”

“Há oito anos”, introduz Jonas Lessa, um dos donos, “detectamos a gravidade dos desperdícios da indústria têxtil, inclusive nos resíduos pós-consumo, nos quais nos especializamos. Há um risco latente relacionado à segurança e à reputação das marcas, o que as levam a adotar alternativas à vida útil de um material cuja produção demandou diversos recursos e ainda gera mais poluição”. O tecido é triturado e desfibrado; as fibras passam por uma blendagem e, então, são agulhadas para a fabricação dos cobertores. “O mesmo tecido pode, antes do desfibramento, ser transformado em novos produtos pela técnica do upcycling e até mesmo em um novo tecido para a produção de uniformes”, acrescenta Lessa.

A Leroy Merlin implementou também o projeto OrgâniCO2, focado em reduzir a pegada de carbono relacionada ao transporte e ao aterramento de resíduos orgânicos, mediante a criação de centrais de compostagem que possibilitam o tratamento desses resíduos no próprio local. Todo o composto é destinado a hortas orgânicas na mesma unidade de negócio ou na comunidade do entorno. Nas hortas, a colheita é levada a uma feira gratuita, disponível para colaboradores e parceiros de negócio. Em um ano, são mais de 60 toneladas que deixam de ir para o aterro. “Nossos consumidores querem se alinhar a empresas que estejam preocupadas com valores ESG. Estamos em 12 Estados brasileiros e é nosso papel prover o melhor e contribuir para o nosso entorno”, afirma Andressa Borba.

JEANS SUSTENTÁVEL

Outros bens de consumo ocupam o topo da lista em reflexos ambientais e sociais, quando entra em cena a indústria têxtil. A Riachuelo, uma das maiores varejistas de moda brasileira, apresenta um case de destaque em ações sustentáveis. A plataforma Moda Que Transforma engloba iniciativas para mitigar os impactos ambientais dos processos convencionais das confecções da indústria, principalmente o jeans. A marca conta com o maior parque fabril da América Latina, considerando suas fábricas em Natal e Fortaleza. A fábrica da capital cearense concentra toda a produção de jeans 100% mais sustentável, com energia totalmente renovável e menos químicos e consumo de água nos processos, além de algodão e fibras têxteis mais sustentáveis. Há uma redução de até 90% no consumo da água em comparação aos processos convencionais e uma redução de até 85% na utilização de químicos.

“Sabemos como a produção de jeans é ambientalmente impactante. No entanto, adotamos tecnologias inovadoras para esta produção. Em Fortaleza, de toda a água consumida na fábrica, 70% são reutilizados em diferentes áreas da fábrica: 5% se destinam aos sanitários; 10%, aos jardins; e 55%, novamente à lavanderia industrial”, explica Valesca Magalhães, gerente de Sustentabilidade da Riachuelo. “No quesito energia, em 2020, 48% do consumo total de energia da Riachuelo foram provenientes de fontes renováveis, por meio da aquisição de energia de fontes limpas.”

INVESTIR PARA MUDAR

Confira, a seguir, pequenas empresas que desenvolveram iniciativas contra o desperdício como negócio em diferentes segmentos.

Fruta Imperfeita: serviço de assinatura de cestas de frutas e legumes fora do padrão do mercado. Atua com o propósito de diminuir o desperdício de alimentos por meio da disseminação do consumo consciente, conectando produtores e consumidores. @fruta.imperfeita

Gooxxy: uma greentech (startup ambiental) que viabiliza a distribuição dos produtos encalhados para o varejo. A ideia funciona baseada em uma plataforma que conecta comerciantes, grandes e pequenos, diretamente aos estoques das fabricantes. @gooxxycom

D4Sign: oferece um serviço de assinaturas eletrônicas que reduz o custo e os resíduos em papel e impressões em 100%. Elimina também os gases do efeito estufa gerados pelos veículos que transportam documentos e contratos entre destinos. @d4sign_

BeGreen: primeira fazenda urbana da América da Latina, opera com estufas sustentáveis em grandes centros. Cultiva hortaliças hidropônicas, 100% livres de agrotóxicos e com distribuição local para encurtar distâncias, evitando desperdícios na cadeia. @begreen.farm

CONSUMO CONSCIENTE

O conceito de tecnologia disruptiva é a cartada do aplicativo gratuito b4waste para combater o desperdício de alimentos e cosméticos. Na prática, conecta os estabelecimentos que precisam encontrar um destino para produtos próximos do vencimento, e o consumidor, que ganha acesso a marcas de prestígio com descontos de, no mínimo, 50%. Com atualização diária, o consumidor pode optar por receber alertas. @b4waste

RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA

O Sistema Campo Limpo, uma parceria da Associação Brasileira de Automação – GS1 Brasil com o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV), evita o descarte de 94% de embalagens plásticas na natureza ou em aterros sanitários. Aqui, a solução encontrada foi implantar códigos de rastreamento no recolhimento das embalagens de defensivos agrícolas em propriedades rurais. @inpev

Eduardo Ribeiro Estêvão Vieira
Eduardo Ribeiro Estêvão Vieira