Artigo

Elegemos nossos prefeitos… E agora?

Jessika Moreira
é diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do ÍRIS, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.
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Jessika Moreira
é diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do ÍRIS, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.

Em meu artigo de estreia, publicado no início de outubro neste mesmo espaço, pontuei a importância estratégica da gestão de pessoas no serviço público na busca do fortalecimento do Estado. Garantir serviços e políticas públicas de qualidade e promover uma melhor gestão requerem lideranças e equipes diversas, preparadas e engajadas com os valores de um Estado democrático, com ações baseadas em dados e evidências, além de um programa integrado de iniciativas voltadas ao contínuo desenvolvimento dos servidores públicos.

Neste momento, em que foram eleitos os novos prefeitos, prefeitas e vereadores — responsáveis pelos serviços públicos que afetarão nossas vidas diariamente, pelos próximos quatro anos —, chama a atenção a ausência do tema de gestão de pessoas nos debates locais. As discussões abordaram, claro, assuntos importantes, como Saúde, Educação, Mobilidade Urbana e Assistência Social, mas sem observar que, em comum, essas áreas detêm os recursos humanos como ativo central na construção de respostas efetivas para as demandas sociais. Os próximos meses serão fundamentais, portanto, com a montagem das equipes, e, principalmente, a escolha do secretariado e ocupantes de cargos de liderança, estes com a responsabilidade de transformar as agendas eleitas nas urnas em medidas concretas para a população de suas cidades.

Cabe ressaltar que cerca de 60% dos servidores públicos brasileiros estão alocados nos municípios. São 6,5 milhões de trabalhadores, cujo crescimento médio anual — de 4,4% entre 1985 e 2021 —, demonstra a divisão de tarefas esculpida pela estrutura federativa brasileira: cabe ao nível local a execução direta das políticas públicas voltadas à população, principalmente as de atenção básica.

A magnitude da importância dos servidores municipais pode ser vista na dependência da maioria dos brasileiros em relação aos serviços públicos. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 71,5% da população brasileira depende do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja principal porta de entrada é gerida pelos municípios por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Esses equipamentos são responsáveis, em conjunto, por 60,9% dos primeiros atendimentos realizados pelos cidadãos.

É importante destacar também que os eleitos terão, em conjunto, cerca de R$ 988 bilhões para gerenciar. Foi essa a cifra corrente dos municípios em 2022, segundo o último relatório Multicidades, da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos. Desse total, R$ 574,77 bilhões, ou 55% de toda a despesa municipal, foram destinados para Saúde, Educação e Assistência Social. Por outro lado, os servidores municipais são os de menor remuneração na Federação brasileira — cuja média salarial não passa de dois salários mínimos, ficando em R$ 2.550,40, abaixo dos R$ 4.541,74 nos Estados e dos R$ 10.410,41 na União, conforme dados do Atlas do Estado Brasileiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). É importante destacar que há grande desigualdade entre os municípios nesse caso e sob diversas outras variáveis, mas, no que se refere aos rendimentos em comparação aos demais níveis federativos, essa assimetria não está atrelada ao nível de escolaridade. Um servidor com pós-graduação no município recebe, em média, o equivalente ao funcionário estadual com nível superior completo e ao federal com ensino médio completo.

Dessa forma, se os candidatos recém-eleitos desejam, de fato, construir uma gestão com potencial de transformar as cidades e garantir cidadania aos munícipes, devem se preocupar, em primeiro lugar, em criar condições institucionais para implementar políticas públicas efetivas. Diversos especialistas e estudos apontam que um corpo de servidores mais qualificado e em número suficiente gera efeitos positivos significativos, além de melhores resultados fiscais, administrativos e orçamentários, bem como a diminuição de irregularidades na gestão dos recursos públicos.

O Movimento Pessoas à Frente, atento a esse cenário, elaborou o documento Gestão de Pessoas para Lideranças Municipais — Guia de recomendações e boas práticas, com o objetivo de apontar diretrizes direcionadas especialmente aos atores responsáveis pela execução da administração pública das cidades e pela priorização da agenda de gestão de pessoas nos instrumentos de planejamento e implementação de políticas públicas. A publicação aborda temas centrais, como gestão de lideranças, gestão de desempenho e desenvolvimento, equidade étnico-racial e de gênero, transparência e uso de dados de gestão de pessoas e de contratações temporárias, além de trazer casos de sucesso e evidências que embasam as recomendações.

A eleição de prefeitos, prefeitas e vereadores representa apenas o início de um ciclo de gestão pública que precisa ser muito bem estruturado, para atender às expectativas da população e também promover um impacto real sobre a construção de municípios mais justos. As discussões mundiais acerca das cidades do futuro partem do pressuposto de que a maioria das pessoas vive em centros urbanos.
Segundo o Relatório Mundial das Cidades da ONU Habitat, 55% da população global vive em cidades, cifra que deve alcançar 68% em 2050. O Brasil já tem 61% de seus habitantes em concentrações urbanas segundo o Censo 2022 do IBGE, e chegará a 85% em 25 anos, de acordo com a ONU Habitat.

O sucesso da próxima administração, diante dos inúmeros desafios contemporâneos — que englobam a concentração urbana, as mudanças climáticas, a Quarta Revolução Industrial e as históricas desigualdades sociais —, dependerá da capacidade dos gestores para garantir um ambiente institucional e um conjunto integrado de medidas de gestão de pessoas que valorizem o desenvolvimento contínuo dos servidores, e adotem práticas de liderança buscando resultados concretos materializados em bons serviços e políticas públicas para os cidadãos.

Este último ponto merece mais atenção. O conjunto de demandas inadiáveis clama por uma política séria de lideranças públicas: o Poder Público precisa selecionar pessoas aptas nas dimensões técnica, política e gerencial (diversas e representativas da população brasileira), com capacidades institucionais ao seu alcance para que haja sucesso nas novas gestões municipais.

Para saber mais

Acesse aqui a biblioteca digital do Movimento Pessoas à Frente e confira, dentre outros, o documento Gestão de Pessoas para Lideranças Municipais — Guia de recomendações e boas práticas.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.