Artigo

O Estado e a gestão de pessoas

Jessika Moreira
é diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do ÍRIS, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.
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Jessika Moreira
é diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do ÍRIS, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.

A gestão pública brasileira está sempre sob escrutínio — e é natural que esteja, dada a centralidade do Estado para os mais diversos problemas sociais e demandas por seus serviços e políticas. Atualmente, o Brasil conta, dentre o total de trabalhadores, 12,45% de servidores públicos, o que representa metade da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (23,48%) e menos do que países como os Estados Unidos, a França ou, ainda, os sul-americanos de maior IDH, como Chile, Argentina e Uruguai, de acordo com estatísticas da Organização Mundial do Trabalho (OIT), das Nações Unidas (ONU).

Geralmente, porém, a discussão sobre o tema é insuficiente, concentrando-se na variável do gasto público e buscando, sob alegação de ampliar a eficiência, a crítica e a demanda de menor dispêndio com o ativo mais importante: as pessoas responsáveis por esses serviços. Sob outra perspectiva, algumas categorias estão no escopo dos chamados supersalários, tema o qual deve ser discutido (e há caminhos para tal, como no PL 2.127/2021), representando 0,23% dos servidores que recebem a mais do que o teto remuneratório constitucional. Em recente publicação, o Movimento Pessoas à Frente analisou dados do Atlas do Estado Brasileiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), referentes à remuneração dos servidores nos diversos níveis da Federação, constatando que, nos municípios, lugar por excelência da implementação de serviços básicos, os servidores recebem, em média, dois salários mínimos.

Em um país com tantos problemas complexos, que incluem a extrema desigualdade social, a (in)segurança pública, os ataques à democracia, entre outros, torna-se urgente o debate sobre as capacidades estatais e, mais especificamente, a qualidade do funcionalismo ou mesmo aquilo que chamamos de “máquina pública”. Trata-se de não perder de vista a eficiência, pressuposto constitucional desde a Reforma Administrativa de 1998 (Emenda Constitucional 19), mas de trazer aos holofotes a efetividade, ou seja, o impacto real dos serviços e das políticas públicas entregues à população.

Qualquer iniciativa que busque a modernização do Estado e a melhoria da qualidade dessas políticas deve levar em conta a agenda da gestão de pessoas no serviço público. O caminho para isso está em garantir que governos contem com lideranças e equipes diversas, engajadas e bem preparadas para responder aos desafios contemporâneos. Essa preocupação deve se evidenciar por toda a jornada dos servidores, em um método contínuo e integrado que envolva processos de i) atração e seleção de melhores profissionais; ii) coordenação de desempenho e desenvolvimento; e iii) estrutura de governança requerida para gerir políticas de gestão de pessoas. Importa mencionar que, além desses temas, há temáticas transversais — como diversidade, equidade e transparência de dados.

No caso dos servidores que ocupam cargos de liderança, a adoção dessas práticas se torna ainda mais importante pela sua atribuição de administrar recursos, liderar inovações, gerenciar riscos e crises e engajar e inspirar equipes. Diferentemente de outros países, que desenvolveram sistemas de alta direção pública, como França e Chile — conforme publicação do Movimento Pessoas à Frente —, o Brasil não dispõe de uma política nacional para tal.

A fim de que as diretrizes dos governos e os anseios da sociedade se transformem em realidade e se materializem em políticas públicas, as lideranças eleitas dependem de uma equipe de servidores engajados e qualificados. As pessoas são o principal ativo do Estado — e um melhor Estado só pode ser construído a partir de uma visão estratégica para os servidores, alinhada com os valores públicos que se esperam de um Estado democrático.

Para saber mais
Acesse  aqui a biblioteca digital do Movimento Pessoas à Frente e confira, dentre outros, os estudos Sistema de alta direção no Brasil e Propostas para uma Política Nacional de Lideranças em Governos

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