Artigo

O poder dos dados na gestão de pessoas

Jessika Moreira
é diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do ÍRIS, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.
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Jessika Moreira
é diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, especialista em Políticas Públicas para Cidades Inteligentes pela Universidade de São Paulo (USP) e cofundadora do ÍRIS, Laboratório de Inovação e Dados do Governo do Ceará.

A revolução tecnológica nos trouxe a um cenário no qual temos cada vez mais informações sobre o mundo, com base em quantidades astronômicas de dados, possibilitando análises também cada vez mais precisas e profundas. No caso da gestão pública, as consequências desse “novo mundo” se deram, em especial, a partir da potencialização da transparência — ao mesmo tempo, como quero destacar neste texto, a governança, o planejamento e a promoção de um Estado mais efetivo ganharam nova escala com o uso de dados e evidências.

O ativo mais importante à disposição da administração pública são as pessoas que planejam, criam e implementam políticas públicas. Nesse sentido, a gestão de pessoas no setor público é fundamental para os resultados apresentados aos cidadãos em termos de garantia de direitos e promoção de um país mais justo e menos desigual. E, no mundo do Big Data e da Inteligência Artificial (IA), não podemos deixar de lado as soluções tecnológicas para promover uma abordagem estratégica: o chamado people analytics é peça contemporânea essencial para todos os governos.

Coletar, analisar e disponibilizar dados relacionados aos servidores públicos são, em conjunto, uma importante ferramenta para tomar decisões mais assertivas para a gestão de pessoas nas suas várias etapas: informando processos de recrutamento e seleção; implementando políticas de gestão de desempenho; apoiando formações e outras medidas de desenvolvimento dos servidores; planejando melhor o dimensionamento da força de trabalho; e executando uma boa alocação dos recursos humano, seja para posições de lideranças, seja para as equipes.

Ao se deparar com o universo do uso de dados na gestão de pessoas, a primeira grande preocupação é identificar o perfil dos servidores públicos brasileiros. Os dados mais recentes dos quais dispomos (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de setembro de 2024) são, em grande maioria, números gerais e quantitativos. Sabemos que o setor público emprega 12 milhões de profissionais, representando 12,2% da força de trabalho brasileira, dos quais cerca de 60% estão nos municípios, por exemplo. São poucas (e sem padrão para comparação), porém informações essenciais, como gênero, raça, cor, origem étnica, escolaridade, experiências prévias, alocação, remuneração e, ainda, outros dados que poderiam ter grande valia para a gestão. 

No âmbito federal, a Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) criaram um ambiente legal propício (e complementar) para boas práticas de transparência, possibilitando o desenvolvimento de iniciativas como o Painel Estatístico de Pessoal, que disponibiliza a maioria dessas informações sobre os servidores do Executivo federal de forma fácil e acessível à população e aos gestores públicos. 

Nos Estados e municípios, contudo, o quadro demanda mais atenção. Estudo do Movimento Pessoas à Frente (MPF) de 2023 já mapeou alguns dos principais desafios no que se refere a dados acerca de cargos de liderança: além da falta de padrão, apenas sete Estados apresentam, em seus portais da transparência, informações desagregadas a respeito das atribuições previstas para essas posições. 

Foi nesse contexto que o MPF reuniu cerca de 40 especialistas das mais diversas áreas no Grupo de Trabalho (GT) de Transparência de Dados de Gestão de Pessoas no Setor Público, cujo resultado foi recentemente lançado na forma de um guia de referência para gestores públicos entenderem e implementarem uma boa governança de dados em seus órgãos. O processo de construção do material, que durou 13 meses, foi documentado em artigo premiado no XIII Congresso Consad de Gestão Pública.

A grande lição aprendida nesse processo foi que é preciso construir capacidades institucionais nos 26 Estados (mais o Distrito Federal) e nos mais de 5,5 mil municípios, além de avançar no sentido de ter como base os dados que a própria administração pública gera no seu dia a dia de atuação. Quanto mais tecnológicos os desafios, mais humanas as soluções; e a transparência, mais do que um fim, é um meio para construir um melhor Estado, ao permitir que as análises informem as políticas públicas.

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