Café sem açúcar

25 de novembro de 2024

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O aroma envolvente do café é um convite para começar bem o dia na maioria dos lares brasileiros. Mas seu sabor ficou um pouco mais amargo diante das recentes altas do preço do grão no mercado internacional. E o açúcar, que poderia dar um alívio, segue na mesma toada. Os fãs da bebida já sentem no bolso o que os números provam: desde 2011, a saca de café não alcançava valores tão altos, reflexo das mudanças climáticas, que prejudicam a atual safra e atingem não só a produção de café, mas também a de outros alimentos, como o açúcar e o azeite. O preço da saca do café arábica disparou 74% na comparação entre outubro de 2023 e outubro deste ano. Só em setembro, o preço final para o consumidor subiu 4,02% — tornando o cafezinho um dos vilões da inflação.

É verdade que a cotação internacional do grão parece ter arrefecido em outubro, porém segue em patamar elevado e a tendência é de manutenção nos próximos meses. “A maior demanda da China e a queda na produção global, por causa do clima no Brasil, são alguns dos fatores que levaram ao aumento dos preços”, avalia João Abdouni, analista da Levante Inside Corp. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que cuida dos estoques de diversos produtos agrícolas brasileiros, posiciona-se da mesma forma e não espera quedas expressivas na cotação do café. O Brasil é líder na produção do grão, mas há outros players importantes, como a Colômbia e países do Sudeste Asiático.

No Vietnã, por exemplo, a colheita concentra-se entre outubro e janeiro. Entretanto, por lá, chuvas e estiagem desordenadas também prejudicaram a produtividade dos cafezais. Na Colômbia, a produção se concentra no último trimestre, o que pode contribuir para o crescimento das exportações colombianas e limitar os preços internacionais. No Brasil, a questão já bate em 2025. O tempo quente e seco dos últimos meses gerou preocupação em relação à florada da safra a ser colhida no próximo ano.

A Conab, porém, afirma que ainda é cedo para mensurar os danos à lavoura. O retorno das chuvas a partir de outubro ameniza a preocupação do mercado. “Diante das incertezas climáticas no início da floração da safra 2025, a tendência é de acomodação dos preços ao redor dos patamares atuais, até que o mercado tenha uma perspectiva mais clara sobre o volume da produção do próximo ano. Além do mais, não há perspectiva de mudança no cenário de curto prazo quanto à limitação da oferta na Ásia, à alta do dólar no Brasil e ao aquecimento das exportações brasileiras nos primeiros meses de 2025”, declara a Conab, por meio de sua assessoria de imprensa.

Made in Brazil

O café chegou ao Brasil em 1727, há quase 300 anos. O fruto foi introduzido inicialmente no Pará e, de lá, foi se deslocando até chegar à Região Sul, especificamente ao Paraná. Atualmente, o café é produzido em 16 Estados e está presente nas cinco regiões geográficas do País. A produção brasileira de 2024 é estimada em 54,8 milhões de sacas, uma queda de 0,5% em comparação ao ciclo anterior. A queda é pouca, mas diante do atual contexto de produção limitada e demanda aquecida, a tendência é de restrição dos estoques. E lá vai o preço para cima.

De acordo com dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, referentes à safra 2024–2025, o Brasil é o maior produtor mundial de café, com uma participação de 39,7% do total ofertado, seguido por Vietnã (16,5%), Colômbia (7%) e Indonésia (6,2%). Os demais produtores, juntos, representam 30,7%. Dentre os principais exportadores, o Brasil também lidera, com 32,1% do mercado global, seguido por Vietnã (18,2%), Colômbia (8,3%), Indonésia (5,2%) e demais países somados, com 36,2%.

O chefe-adjunto de Transferência e Tecnologia da Embrapa Café, Lucas Tadeu Ferreira, aponta que, quando o Consórcio Pesquisa Café — que é coordenado pela Embrapa e congrega 46 instituições de pesquisa — foi criado, no fim dos anos 1990, o Brasil produzia entre 30 e 40 milhões de sacas ao ano, com uma produtividade média de 8,5 sacas por hectare. “Passados 25 anos, a produtividade aumentou para mais 30 sacas, e a produção gira em torno de 60 milhões de sacas por ano, das quais consumimos em torno de 35% e exportamos 65%”, compara o especialista. Ferreira reforça que o método nacional de cultivo usa as mais modernas tecnologias disponíveis, da seleção de sementes e mudas ao beneficiamento. A produtividade reflete-se também na área ocupada pelos cafezais: nos anos 1990, o País contava com cerca de 2,5 milhões de hectares, número que caiu para 1,9 milhão, mesmo com o aumento do resultado em sacas de café.

Ouro branco?

O açúcar, outro produto que ajudou a construir a economia brasileira, atualmente está perdendo parte de sua doçura, também com preços recordes no mercado internacional. No pico da alta, em meados de setembro, os contratos com entrega em março de 2025, os mais negociados na Bolsa de Valores de Nova York, subiram 5,69%, com cotação de US$ 0,2153 por libra-peso.

O economista Leonardo Alencar, head de Agro, Alimentos e Bebidas da área de Research da XP Inc., destaca que há uma demanda crescente, bem atendida até 2020. No entanto, em decorrência de sucessivos problemas climáticos, a oferta começou a ficar abaixo da demanda. “A dinâmica climática piorou no Brasil nos últimos anos, com o fenômeno La Niña, de 2020 a 2022, apresentando seca intensa em alguns momentos e geada em outros. Isso afetou a capacidade do Brasil de aumentar a produção de açúcar”, ressalta. Assim como com o café, outros importantes produtores de açúcar também sentem o baque do aquecimento global, como Índia e Paquistão.

A Índia é um importante produtor mundial do produto, mas, com a quebra da safra e os preços mais altos, o governo local optou por limitar — e chegou a zerar — as exportações para segurar os preços no mercado interno. A Europa, que consome muito, também produz bastante, mas com custos muito mais elevados do que os concorrentes emergentes. “O mundo passou por uma dinâmica de menor oferta, e isso elevou o preço do açúcar”, pontua Alencar. Há a possibilidade de o país asiático liberar para o mercado externo o seu excedente — e o Brasil, como o maior exportador, conseguiria equilibrar a sua oferta em relação à demanda.

Ao cenário climático, que já não era dos melhores, somou-se um novo fator a partir de agosto: as queimadas, que atingiram importantes áreas produtoras brasileiras de cana-de-açúcar, especialmente no interior de São Paulo. Os produtores anteciparam a colheita, e a cana mais verde é aproveitada para o etanol. No entanto, isso reduz ainda mais a produção de açúcar, prolongando o desequilíbrio de oferta do produto. Ainda assim, a perspectiva é de queda nos preços em 2025, principalmente a partir de março. “Todo o cenário já foi precificado, é o que explica a alta agora”, afirma o economista.

Destemperado

Quando o Brasil não faz parte da rota de produção, o peso é ainda maior no bolso. Há pelo menos um ano, o azeite subiu tanto nas gôndolas por aqui que virou até motivo de piada nas redes sociais, com memes que vão da sugestão de saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para a compra do produto até a ideia de formação de estoques do item para revender no futuro e garantir a aposentadoria. Desde outubro de 2023, o gostinho especial da salada ou da pizza ficou pelo menos 50% mais caro, reflexo da queda na produção e do aumento no consumo. Para se ter uma ideia, nos últimos 15 anos, as vendas de azeite subiram mais de 150% no Brasil.

De acordo com Rogério Jorge, pesquisador da Embrapa, 99% do azeite consumido no País vem de fora, principalmente de países europeus, como Espanha e Portugal, que há mais de dois anos enfrentam fortes estiagens atingindo em cheio os olivais. E a safra não se recupera de um ano para outro como em outras culturas — uma oliveira pode demorar até 12 anos para produzir plenamente. “A expectativa é de uma safra melhor em 2024, com alguma regularização dos preços de comercialização no mundo inteiro”, opina Jorge.

Diferentemente do café e do açúcar, o azeite não é uma commodity, portanto, não há um mercado futuro que contribua para o aumento de preços no presente, já incluindo problemas em curso — a tal precificação à qual se refere Alencar para o caso do açúcar. Jorge conta, ainda, que o Brasil tem feito a lição de casa, com pesquisas intensas para adaptar espécies de oliveira ao clima e ao solo nacionais e, com isso, aumentar a produção para atender ao mercado interno sem tanta dependência das importações.

Gilmara Santos Annima de Mattos
Gilmara Santos Annima de Mattos